No noticiário sobre a invasão norte-americana no Iraque, os telejornais brasileiros trouxeram à cena um drama peculiar. Entrevistaram um “brasileiro” que se alistara no exército ianque e estava lá, um pouco ao sul de Bagdá. O garoto repetia as sandices dos seus chefes: “viemos libertar o Iraque…”. Do outro lado do mundo, a mãe do rapaz, justificadamente aflita, pedia aos anjos que protegessem seu menino. Um drama, de fato. Mas, além disso, uma triste comédia de erros.

O garoto, que era brasileiro,  alistou-se em um exército estrangeiro, obedece às ordens de um chefe de estado estrangeiro e atravessou milhares de quilômetros, armado até os dentes, para combater em uma guerra condenada pelo governo eleito de seu país  (eleito sem fraude, aliás). Eis o primeiro elemento: o rapaz, confiante nas ordens de seus chefes e orgulhoso de sua farda, não é mais brasileiro – com aquilo que fez, disse claramente que optava por outra cidadania. Escolha legítima. Mas, escolha.

Quanto aos anjos, se protegerem esse menino, ele poderá, com toda a segurança, metralhar outros meninos e suas mães numa eventual velha caminhonete de iraquis miseráveis. Os jovens iraquis talvez gostassem de dizer a frase conhecida no Brasil: se a mãe de alguém tem que chorar, melhor que não seja a minha. O que seria do mundo se os anjos tivessem protegido os meninos de Hitler? Se amanhã os chefes do menino “decidirem” que devem “libertar” o povo brasileiro de um governo “do mal”, talvez o menino precise invadir Brasiília, matar seus antigos compatriotas, para colocar na direção da Petrobrás um executivo de uma das “sete irmãs” e, no comando da Amazônia, um coronel ianque.

De um lado, o drama humano e compreensível de uma mão que não consegue fazer caber, na sua dor, os despautérios dos “civilizadores” a que se subordina seu filho, obedecendo ordens de um governo que escolheu obedecer. De outro, o drama, igualmente humano (ou não?) daqueles que ele irá matar, do alto de seu B-52 ou na artilharia de um Patriot, na direção de um tanque U.S. Abrams.

Apesar do festival de luzes de ribalta, em que parecem estar sendo transformadas as guerras recentes, isto não é um filme — aqui, os atores não sobrevivem à morte dos personagens.  Há muito tempo atrás, um poeta que habitava a sede de outro império estúpido, escreveu uns versos que, talvez, pudessem ser dirigidos às mães de tantos outros garotos que atravessam oceanos, enfiados em fardas enganosamente elegantes, para uma aventura que se revela pesadelo. Acho que é atual e quem sabe sirva de consolo, já que não resta alternativa: 

(Por Reginaldo Moraes)