No mês de dezembro, a TV Globo organizou uma visita de alguns professores da ECA-USP ao seu império, no Rio. Convidou-os, evidentemente, para fazer sua propaganda, Mas, no meio da visita, o editor do Jornal Nacional William Bonner falou uma frase que com certeza preferiria não ter proferido nunca e que deu muito pano pra manga em sites, carta aos jornais e discussões várias. Durante a dita visita, Bonner comparou o espectador do JN ao Homer da série dos Simpsons, trabalhador, pai de família e sem grandes aptidões ou interesses intelectuais.

A comparação gerou muita polêmica. Não vamos entrar no mérito desta discussão. Acho, pessoalmente, que, qualquer que seja a avaliação da opinião de famoso jornalista, faltou dizer uma coisa essencial sobre o público do Jornal Nacional. Se Bonner acha que o telespectador para o qual ele fala é uma pessoa limitada, preguiçosa intelectualmente e sem iniciativa, faltou acrescentar o principal. Faltou mostrar o papel que a Globo dele tem nesse processo de homerização ao qual ele se refere. Faltou dizer que um dos grandes culpados da epidemia de Homer no nosso país é exatamente a Globo e outras emissoras. Mas isso não é nosso tema.

O que me impressionou foi a clareza que a Globo tem sobre a linguagem a ser usada para vender o peixe da emissora.

Bonner diz que a linguagem que ele procura usar deve ser uma linguagem que atinja e não afaste nem o intelectual e nem a pessoa sem escolaridade. A Globo dele se preocupa em atingir os dois. Vejamos as palavras dele: “Precisamos ser claros para quem tem a formação acadêmica mais refinada e para quem não pôde ter educação nenhuma – sem que o didatismo irrite o primeiro, nem que a sofisticação excessiva afaste o segundo”.

Esta afirmação do Bonner, feita em final de 2005, traz a memória um outro texto da Globo que está transcrito no livro “A História Real”, de Josias de Souza e Gilberto Dimenstein. Estávamos em 1994, durante a campanha do FHC contra Lula. O comitê de propaganda da campanha do tucano passou uma cartilha para FHC aprender a falar “para a maioria”.

A orientação era exatamente a mesma que Bonner repetiu quase dez anos depois, na sua conversa desastrada sobre os Homers. Em 94, o manual feito para FHC aprender a falar para milhões dizia: “Uma boa base para saber falar para a maioria é o jornalismo da Rede Globo. Durante muitos anos, a Globo pesquisou uma forma nacional de falar e um repertório que fosse entendido pela empregada doméstica e pelo empresário. A linguagem não deve ser simplória que irrite o empresário  e nem difícil que a empregada não entenda”. É muito parecido com o que o Bonner falou, hoje, nas vésperas de 2006.

Uma lição para ser aprendida pelos que querem uma comunicação que leve as pessoas a pensar e a não serem vítimas do lixo que a elas é oferecido por boa parte da programação da TV, que gerou inclusive o programa Direito de Resposta, produzido pelo movimento social, e que tem como atual exemplo o Big Brother, que as transforma em Homers. 

(Por Vito Giannotti)