Morre Vito Giannotti, aos 72 anos, o incansável fundador do Núcleo Piratininga de Comunicação, um instrumento dos trabalhadores na luta contra a hegemonia ideológica imposta pelo capital

José Arbex Jr., publicado na revista Caros Amigos

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“A luta continua, porra!” – afirma, ou melhor, berra Vito Giannotti, fundador, junto com sua companheira Cláudia Santiago, do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC). Em 2014, o NPC, com sede no Rio de Janeiro, completou 20 anos de existência, durante os quais contribuiu para formar milhares de comunicadores militantes dos movimentos sindicais, sociais e políticos oriundos de todo o Brasil. Essa é a paixão do Vito: criar estratégias capazes de dotar a classe trabalhadora com a capacidade de elaborar veículos de massa críticos, inteligentes, combativos, anticapitalistas e contra-hegemônicos. Mas, não mais. Vito está morto, aos 72 anos, vítima de um mal súbito que o “derrubou” na madrugada de 25 de julho. Morto? Inacreditável. O tom inconfundível de sua voz e a irreverência de seu discurso continuam e continuarão por muito tempo a ecoar: “A luta continua, porra!”

Italiano, nascido na província de Lucca, Toscana, Vito chegou ao Brasil em 1964, aos 21 anos. Morou 30 anos em São Paulo, até mudar-se para o Rio de Janeiro. Arrumou emprego como metalúrgico, na capital paulista, onde se somou à organização da Oposição Sindical (OSM-SP) na luta contra a ditadura militar, muito bem representada na categoria pelo ultra-pelego Joaquinzão. A ditadura acabou – ou, pelo menos, mudou de forma -, Joaquinzão morreu e muita coisa mudou, menos o entusiasmo do Vito pela luta contra o capital e em defesa da revolução socialista. Era incansável, extraía energia de pedra. Além das palestras que dava no NPC e Brasil afora, escreveu vários livros sobre história dos trabalhadores, comunicação e movimento sindical, criava cursos, agitava.

Sebastião Neto, um de seus grandes amigos desde os tempos da OSMSP, fala de sua trajetória, em belo texto com ampla circulação na rede:

“Nos uniram laços inquebráveis de concepções politicas: a independência de classe, o internacionalismo, a obsessão pela defesa e necessidade das organizações de base dos trabalhadores numa concepção das estruturas horizontais de poder, a democracia dentro das organizações de trabalhadores. Vito trazia a cultura comunista da esquerda europeia – leia-se: não da Terceira Internacional – com uma marca italiana e particularmente tudo que era não stalinismo, não burocracia. Lembremos que a Itália no final dos 60, começo dos 70, tinha, talvez, o sindicalismo mais avançado da Europa, dizíamos ‘do mundo’. Como tudo isso foi para a casa do cazzo, como diria o Vito, é um bom motivo de reflexão para a esquerda que vê as barreiras colocadas pela burguesia e prefere os atalhos da conciliação. Vito, na sua busca pela revolução, tinha cheirado que dali não sairia nada.

Eram de nomes como Bordiga, Pannekoek, Rosa de Luxemburgo, Rossana Rossanda, grupo Manifesto, o extraparlamentarismo de que ele empurrava textos e textos fora do senso comum da esquerda. E Gramsci!! Não foi a OSM-SP, no Brasil, a que difundiu aos milhares os conselhos de fábrica de Turim? E a essa visão conselhista se somava uma férrea defesa dos sovietes. Fora a burocracia, viva os sovietes!

É imaginável que tenhamos distribuído milhares de cópias do texto de Lenin ‘Sobre as greves’ inclusive em outras categorias? Fizemos os decretos principais da Comuna de Paris em formato de cartazes. Essa visão conselhista era visto por muita gente boa como basismo. Formou-se em São Paulo, e se irradiou pelo Brasil, a partir da OSM-SP, uma vanguarda. Vanguardista, às vezes, mas vanguarda de classe. Quando uma bandeira como as Comissões de Fábrica é assumida por milhares de trabalhadores que vão à greve, como em 78, reivindicando o reconhecimento das Comissões de Fábrica tanto quanto o reajuste salarial mostra que essa vanguarda permaneceu anos dentro das fábricas urdindo o tal trabalho de base. Não foi assim na Cobrasma quando da greve de Osasco? Bebíamos em boa fonte.”

Na convivência do dia-a-dia, Vito era irreverente, iconoclasta, gozador e crítico mordaz. Era uma figura humana ímpar.  Aos risos, costumava contar, por exemplo, que certa vez, ao visitar o Vaticano, como turista, foi abordado por guardas que o advertiram de que não era permitido o uso de bermudas na praça São Pedro, por onde caminhava. Mais do que depressa, Vito começou a tirar a bermuda que vestia, ensaiando um strip-tease diante dos olhares atônitos dos policiais, até ser “delicadamente” conduzido para fora da praça. Com ele, não tinha tempo feio. Destilava entusiasmo pela vida, no sentido mais profundo do substantivo original grego “enthousiasmós”, possessão divina, aquele que age inspirado pelos deuses que traz dentro de si.

Vito lamentava a fragmentação, a falta de unidade entre as forças de esquerda. Dizia que se fosse possível juntar tudo o que a esquerda gasta em jornais, revistas e panfletos que não fazem a menor diferença, para concentrar os esforços no lançamento de um veículo diário de circulação nacional, daria para garantir um jornal com tiragem de 8 milhões de exemplares, segundo cálculos modestos. “Aí sim, rapaz, daria para fazer um grande barulho. Já imaginou? Ninguém segurava isso aí!” Mas, dizia Vito, na falta do tal jornal diário, nós sempre teremos acesso à grande ferramenta que nunca sairá de moda: a nossa própria voz. Ela é e sempre será o instrumento daqueles que querem construir um mundo melhor.

Vito se foi acreditando nisso, na força transformadora do ser humano. Permanece sua história como inspiração e confiança no futuro.