Por Vito Giannotti

Em 90 anos, a Revolução Russa suscitou milhares de artigos, livros, textos de todo tipo. Muitos tiveram um título quase padrão: “As lições da Revolução Russa”. Hoje, é difícil dizer algo sobre este tema que já não tenha sido dito. Mesmo assim, vale a pena refletir sobre sua história e sobre que nos resta desta herança.

Refletir para podermos responder, honestamente, aos mais jovens que nos perguntam: “Por que não deu certo? Por que acabou desse jeito? Então foi tudo errado?”. Estas são a questões que ouvimos, se nos dispusermos a ouvir, dos que só viram o desastre do fim daquela experiência e não viveu nada daqueles acontecimentos e dos seus desdobramentos. O problema é como explicar o que aconteceu, por que aconteceu e, ao mesmo tempo, continuar com a esperança de, um dia, retomar esta construção histórica sem repetir o que levou ao seu desfecho, no mínimo, trágico.

O que respondo a perguntas de alunos e amigos é:

No começo, uma revolução necessária e bonita

A Revolução Russa foi a primeira experiência duradoura de um novo sistema político. Completamente novo. Começou a construir uma sociedade sem exploradores e explorados. Justa, livre, com valores totalmente diferentes dos do capitalismo reinante. Foi um sonho de uma nova terra, uma nova sociedade sob outras bases. Uma proposta construída pelos trabalhadores das fábricas e uma parcela do campo, juntos com jovens soldados sob a direção e organização do Partido Comunista. Não foi uma revolução espontânea.

         A primeira lição deste acontecimento foi que esta revolução era mais do que necessária. Mostrou que a sociedade não muda seus fundamentos através da conversão do capital a uma visão mais humana.

A segunda lição que a história nos dá é que esta experiência socialista faliu. Não vingou. Durou um tempo e depois começou a se deteriorar. Muitos comunistas que continuam com a perspectiva da revolução ainda têm fortes dificuldades em admitir esta falência. Parece que reconhecer este fato é negar a revolução. Não, não é.

         A explicação do porque e de quando a revolução Russa se perdeu divide as opiniões desde os ativistas práticos até grandes teóricos. Há quem pense que a Revolução Russa acabou nos anos 1990, quando a URSS deixou de existir. Para muitos comunistas, no Brasil e no mundo, a Revolução Russa, mesmo com problemas, viveu até a morte de Stalin em 1953. Para os clássicos seguidores de Trotski, a União Soviética começou a entrar na fase de contra-revolução com a política de Stalin, o exílio e mais ainda o assassinato do Trotski, na década de 1930. Mesmo assim, a URSS, continuou a ser um “Estado Operário”.

Para outros, dentre os quais me incluo, a Revolução Russa entrou num caminho sem volta no X Congresso do Partido, em março de 1921. Neste Congresso, várias decisões foram tomadas. As relatarei aqui em poucas palavras. Foi proibido o direito de tendências dentro do Partido, os Sindicatos passaram a ser órgãos do governo e, sobretudo, os Soviets, que eram a instância mais democrática do novo regime, passaram a ter sua direção nomeada pelo Partido e, aos poucos, se tornaram órgãos da máquina administrativa, também controlada pelo Partido. Naquela ocasião, para muitos comunistas caiu um S da URSS. Deixou de ser Soviética. A partir dali, um outro país nasceria. O de 1917 morreria, inevitavelmente, de absoluta inanição anos depois. Quantos? 10, 20, 30, 50 anos? Era só questão de tempo.

Uma revolução a ser continuada

Mesmo com este vírus no sangue, a nova União Soviética continuou construindo um sistema que seria uma alternativa ao capitalismo mundial. Foi referência para milhões de revolucionários do mundo inteiro. Era a esperança de conseguir sair do jugo da exploração, dominação e opressão do capitalismo. Olhando o exemplo da Rússia comunista, milhões de lutadores do povo enfrentaram as forças inimigas desde os campos de concentração nazistas até às guerras de libertação nos países que viviam debaixo do jugo colonial. Milhões de operários se filiaram aos partidos que se referenciavam na URSS. Muitos foram perseguidos, torturados e mortos
por lutar por uma revolução socialista, a exemplo do que tinha sido feito na Rússia em 1917. A URSS, mesmo mortalmente doente, teve um papel central na manutenção da perspectiva da revolução socialista no mundo. Funcionava como um dique, uma proteção contra a política sanguinária do capital mundial.

O problema era que dentro deste país o corpo do socialismo já estava doente, mas não se podia falar disso. Quem tocasse no assunto era contra-revolucionário e pagava caro por seu atrevimento.

Uma lição para a América Latina de hoje

No século XXI, os povos da América Latina continuam sendo explorados e dominados pelo capitalismo mundial que mudou de nome, ao longo dos últimos dois séculos. No começo, era a Inglaterra, depois os Estados Unidos, o Imperialismo yankee.  Hoje, o chamamos de capital internacional… as multinacionais, as transnacionais, as corporações. Os resultados deste sistema estão à vista. É a miséria espalhada por todo nosso continente. Qual a alternativa?

Um deles, é estudar a Revolução Russa, sem tabus, com a vontade de aprender as suas lições e atualizá-las ao aqui e agora, ao tempo presente. Sim, construir um novo projeto socialista que aproveite as lições de todas as revoluções socialistas do século XX, da Russa, à Chinesa, à Vietnamita, daquelas dos paises africanos como Angola, Moçambique, Guine Bissau, entre outros. Um socialismo que aprenda as lições da nossa maior revolução latino-americana, a de Cuba. E que junte todas estas lições com as ricas experiências de transformação social que estão acontecendo sob nossos olhos. Está aí a experiência da revolução Bolivariana da Venezuela, a experiência das luta populares na Bolívia, no México, no Equador.

Vamos aproveitar de todas esta lições e fundi-las numa nova síntese. Vamos aproveitar as mil lições positivas da Revolução Russa. Vamos estudar suas lições negativas, que são inúmeras. Sem medo dos erros que cometemos. A cada erro nosso, podemos apresentar trocentas atrocidades que o sistema capitalista pratica diariamente com a maior naturalidade. Não vamos ficar acuados. Temos um mundo pela frente. Só que não é tarefa para um ou dois anos. É tarefa para hoje, mas que pode durar séculos.