Elaine Tavares e Rita Freire debatem a imprensa alternativa no Brasil.

Elaine Tavares e Rita Freire debatem a imprensa alternativa no Brasil.

Por Rosângela Ribeiro Gil – NPC

Já passavam das 19 horas, numa jornada de trabalhos iniciada às 9h30, mas mesmo assim o público manteve-se firme e forte para a última mesa – “A imprensa alternativa no Brasil” – de debate do 22º Curso Anual do NPC, no dia 18 de novembro, e não se arrependeu, com certeza. Muitos saíram empolgados com o tom forte e bem alto de Elaine Tavares, que se descreve como jornalista e “humana, demasiado humana”. Ela também está envolvida com o Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E ela começou assim: “Marx já nos colocava um desafio: analisar a essência das coisas.” E completou: “Ele já apontava que no capitalismo, para que um viva outro tem de morrer.”

Tavares não deixou dúvida quanto ao “DNA” da imprensa fora do espectro alternativo e social: “A mídia corporativa está relacionada ao poder e à luta de classes. Ela nasce com o capitalismo. Mídia, capitalismo e Estado são uma coisa só.” É com o jornalismo de massa, surgido após a Segunda Guerra Mundial, criado por causa do surgimento de um “império”, dos Estados Unidos, que tenta-se formar um consenso no mundo. Vemos, na mesma época, o “boom” do cinema estadunidense, que vai ajudar na construção desse imaginário pró-império. “O jornalismo deixa de ser um espaço de venda de mercadoria e passa a ser ele mesmo a própria mercadoria.”

Para ela, não é à toa que as primeiras teorias de comunicação nascem na década de 1920 também em solo norte-americano. “Elas vão mostrar ou ensinar como manipular as consciências.” Esse pensamento estará presente quando surge a televisão, nos anos 1950. A televisão, o cinema, o rádio, os jornais vão construindo uma verdade que é a deles (do sistema capitalista sob o comando do império estadunidense). E são muitas as “verdades” construídas desde então, explicou, citando que a última grande guerra foi vencida por milhões e milhões de soldados russos, “mas a ´verdade´ que se passa é que foram os americanos no desembarque da Normandia”.

Para poder ler, ver e ouvir o que nos passa a mídia empresarial é necessário, aconselhou Tavares, “recorrer de novo ao ´jornalista´ Karl Marx que nos ensina a sempre pegar o contexto histórico para analisar qualquer coisa”. Com o poder e o alcance da internet e seu filho dileto, o Facebook, como definiu a jornalista ativista, temos as mesmas e poucas famílias no comando dos maiores meios de comunicação de massa do mundo. E alertou: “A internet nos passa uma falsa ideia de que estamos no comando, mas o poder não está com a gente. Você é livre enquanto eles acharem que você não causa problemas.”

“A internet”, prosseguiu, “também serve para inventar e criar realidades. Foi assim com a tal da primavera árabe”. Em todo esse processo, sentenciou, “hoje o jornalista é quase uma coisa inútil e a informação virou uma commodity, que, no sistema capitalista, tem um preço mundial e influencia o mercado”. E quem tem esse produto na mão é o sistema financeiro, “porque eles apostam no futuro”. E informou: “Na verdade, estamos enfrentando meia dúzia de bancos.”

Tavares asseverou que a informação atual cria um futuro que não existe, que é inventado, e que à medida que cria um consenso passa a existir. “Por exemplo, o jornal espanhol El País cria um consenso sobre a América Latina. Somos um campo de semeadura da commodity informação.”

A batalha, no Brasil, como ela diz, foi perdida nos governos Lula e Dilma, que não investiram em meios alternativos de informação ou mesmo na comunicação pública. “A TV Brasil deveria ter atingido a massa, mas não o fez; e isso é imperdoável”, criticou. “Mas Chávez, na Venezuela, em dez anos capacitou muita gente para fazer comunicação.” Tavares conclamou: “Estamos numa luta de classes. Se perdermos a batalha simbólica, perdemos nas ruas também. Estamos dentro de um golpe. A comunicação alternativa é a resistência. Precisamos atacar, atacar, atacar”, finalizou.

Um alvo

Na sequência falou a presidente cassada do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), num dos primeiros atos do governo Temer, a jornalista Rita Freire. E ela disse que tinha um alvo para o ataque sugerido por Elaine Tavares: ajudar os trabalhadores da EBC a resistirem ao desmonte da comunicação pública no País. Freire lamentou também que a primeira batalha abandonada pelo PT foi a comunicação. “Que nos sirva de lição definitivamente. Não podemos nunca mais abrir mão da comunicação em nenhuma outra frente de luta.”

Durante o trabalho que desenvolveu junto à EBC, Freire disse que havia caminhos e espaços para essa comunicação reclamada pela sociedade, “que não pode estar tutelada por nenhum governo”. “Éramos um conjunto de 15 pessoas que representava e era indicado pela sociedade civil. Vivíamos o exercício da democracia em todas as nossas ações e decisões.”

Tal movimento democrático na comunicação pública só poderia ser atacado. “A campanha da mídia tradicional contra a EBC era constante e feroz. Nos últimos meses do governo Dilma, mais de R$ 3 bilhões da EBC foram retidos, num ação de esvaziamento e enfraquecimento da comunicação pública.”

Freire informou que o Conselho Curador continua trabalhando até hoje, apesar de ter sido desfeito por Medida Provisória (MP) 744, de 2 de setembro último. À época, em nota oficial, o Conselho denunciou que a MP era uma afronta aos princípios constitucionais que estabelecem a comunicação pública como um direito da sociedade brasileira e que a medida fere o artigo 223 da Constituição Federal, que prevê a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal.

Segundo a presidente cassada, o prazo para votar a MP é até 9 de fevereiro de 2017 e que serão realizadas atividades para falar sobre o tema no Congresso Nacional. “Até lá, como disse a Elaine, precisamos atacar, atacar, atacar.”