Reginaldo Moraes, pelo Fórum 21

golpe
Desde 2003, com a eleição do ex-presidente Lula, o Brasil passou por sensíveis transformações que ampliaram conquistas sociais, reduziram a miséria e a desigualdade, além de aumentarem a participação popular nas decisões políticas.  Algumas dessas políticas tiveram significativo impacto: programas de renda mínima, apoio ao desenvolvimento da agricultura familiar, estimulo ao conteúdo nacional na manufatura, gerando empregos, crédito popular e valorização do salário mínimo e das pensões

Outras mudanças foram relevantes. Graças a uma política ousada de integração regional e de defesa da soberania nacional, o país se reposicionou no contexto internacional, deixando de ter um posicionamento subalterno.

Foram mudanças pequenas, muito modestas que não colocaram em risco a dominação do capital. Longe disso. Mas, a burguesia num país como o Brasil não se contenta em ver reproduzida sua condição de classe dominante. Ela exige condições que lhe garantam sua capacidade de explorar. E os segmentos de classe média galvanizados pela classe dominante ficaram exasperados, não porque viam seu nível de vida cair, mas porque sentiam perto de si os de baixo. Encontravam a plebe nos aeroportos que antes lhes eram reservados. Nas universidades, que antes eram quase exclusivas para brancos, ricos e meio-ricos. Até nos shopping centers, a juventude das periferias pobres inventava de passear, fazer seus “rolezinhos”. Insuportável essa perda da distinção.

Assim, mesmo um governo moderadamente reformista é inaceitável para esses grupos. E a tentativa de reverter a situação se tornou mais patente nos últimos dois anos. Desde então, O Governo Brasileiro, liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), vem sendo sitiado pelos grupos conservadores derrotados nas eleições presidenciais de 2014 e as forças sociais que se movem por trás deles, a grande burguesia e o capital financeiro nacional e internacional.

Inconformada com as seguidas derrotas e com a entrada das classes populares na cena política, a direita brasileira tomou uma decisão: a candidata do PT, Dilma Rousseff, não devia ganhar. E se ganhasse, não poderia governar.

As tentativas de sabotar o governo e derrubar a presidenta foram se sucedendo. A mais forte, ainda hoje, é algo paradoxal. Pela primeira vez, o Governo Brasileiro criou uma política de transparência e de combate à corrupção. Ora, apropriada e distorcida pelas organizações de direita, a luta contra a corrupção foi transformada em criminalização da política. O linchamento público de inocentes e presumidos culpados tem transformado juízes em justiceiros, seletiva e ideologicamente alinhados.

Organizou-se uma frente de conspiradores reunindo juízes, promotores, agentes policiais, associações de empresários, partidos e think tanks conservadores, aglutinados e coordenados por uma grande imprensa oligárquica.

Essa frente de conspiradores organiza missões policiais que ultrapassam sistematicamente o limite da legalidade. Durante meses, escutas ilegais, prisões temporárias visando a obtenção de delações premiadas, cuidadosamente seletivas, foram compondo um quadro que está levando o país à condição de um Estado policial.  Nas ultimas semanas, um juiz utilizou uma “condução coercitiva para depoimento” para promover um espetáculo midiático e um quase-sequestro do ex-presidente Lula, acusado de tudo que se possa imaginar, inclusive de promover o interesse das empresas brasileiras no exterior, com o que, dizem, teria ganho grandes vantagens, jamais comprovadas. Ao lado disso, seus acusadores acumulam propriedades inexplicadas e não declaradas às autoridades fiscais e depositam dinheiro em contas bancárias em paraísos fiscais.

Como complemento das operações policiais arbitrárias, ao arrepio da lei, esse grupo conspirador veicula suas supostas descobertas em notícias e boatos sensacionalistas.  A exposição na mídia, mais do que o processo judicial, é o objetivo. Trata-se de criminalizar não apenas uma pessoa, Lula, ou um partido, o PT, mas qualquer idéia que se aproxime de um ideário progressista.

O objetivo claro desse ataque é mais do que um golpe de Estado e mais do que a deposição da presidenta. É uma tentativa de atacar a soberania popular, expressa pelo voto, subordinando-a a operadores do Direito não eleitos e imunes a qualquer controle social, comprometidos com um programa de mudança retrógrada do país que não chega sequer a ser publicamente enunciado.

Como resultado desse golpe político, a frente conservadora pretende cortar direitos sociais, limitar as conquistas populares e facilitar a penetração de grandes corporações transnacionais em áreas estratégicas das riquezas do país. Ao lado disso, essa frente incorpora valores fundamentalistas, religiosos, homofóbicos e com fortes preconceitos de classe e raça.

A luta contra esse retrocesso político no Brasil é parte de uma luta mais ampla contra o avanço da maré conservadora que ameaça todo o mundo civilizado. Na América Latina ou na América do Norte, na África, na Ásia ou na Europa, a esperança de um mundo menos desigual está sendo assediada. Neste momento não cabe hesitação.

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[1] Fórum 21: Ideias para o Avanço Social, uma associação de acadêmicos, intelectuais e lideranças populares comprometidos com a causa da democracia, da legalidade e da justiça social no Brasil.