Para Rogério Almeida, a criação de redes é um caminho para fortalecer a mídia alternativa

 

Rogério Almeida foi um dos palestrantes no 21º Curso Anual do NPC, em 2015

Rogério Almeida foi um dos palestrantes no 21º Curso Anual do NPC, em 2015


Por Ívina Costa – NPC

Rogério Almeida tem 48 anos e uma longa história no movimento popular urbano, nas periferias de São Luiz-MA. Desde 1992 começou a criar um vínculo com o universo camponês, de onde não saiu mais. Jornalista e professor, Rogério Almeida vive atualmente em Marabá, cidade pólo da região de Carajás, a 600 km de Belém, no sudeste do Pará. A região é marcada, principalmente, por riquezas no solo, conflitos agrários e a presença de grandes mineradoras. Segundo ele, para fazer frente aos ataques à natureza e aos direitos dos povos, o ideal seria tentar fazer redes de comunicação, unindo o MST, movimentos de Direitos Humanos e outros grupos.

 

Em que ano você chegou em Marabá?

Cheguei para morar em 1999, mas já tinha ido pra lá desde 97, um ano após o Massacre de Eldorado dos Carajás (em que 19  trabalhadores Sem Terra foram assassinados). Fui como entrevistador de uma rede de organizações, chamada Fórum Carajás, com a missão de entrevistar pessoas envolvidas na rede, percorrendo os estados do Pará, Maranhão e Tocantins. Essa região é conhecida como Bico do Papagaio, por causa do desenho que forma no mapa, e é onde mais ocorreu conflitos de luta pela terra no país.

 

Que tipo de histórias você encontrou por lá?

São muitas histórias. Uma delas é a da família Canuto, de Rio Maria, interior da região. O latifúndio matou quase a família inteira. Matou dois irmãos e fez atentados contra outros. Desse mesmo sindicato, mataram o Expedito Ribeiro de Souza (PCdoB-PA), mataram o advogado de posseiros Paulo Fonteles, o deputado João Batista… O irmão dele (Pedro César Batista) escreveu um livro sobre o que aconteceu (João Batista, Mártir da Luta pela Reforma Agrária – Expressão Popular/2009) e agora luta para fazer um filme. Tudo isso aconteceu na década de 80, final da ditadura, num processo de reorganização da democracia.

 

O que marca mais essa região?

A principal marca dessa região de confluência entre o Maranhão e o Pará é uma luta grande pela terra e muita riqueza mineral. O garimpo de Serra Pelada fica ali pertinho. Então, é um território bastante disputado pelas grandes empresas. A Vale controla boa parte do território, que tem minério de ferro, ouro, cobre, níquel, etc.

O processo de mineração lá tem 30 anos e é tudo estratosférico! A mina Serra Norte está se esgotando e agora vão começar a explorar minério de ferro na mina Serra Sul, que tem o apelido de S11D. Esse minério todinho é exportado pelo maior trem do mundo, que tem 330 vagões. E isso durante o dia todo, ininterruptamente. De qualquer lugar da cidade onde você esteja, dá para ouvir o apito do trem.

 

A luta pela ocupação de terras no Pará é, sobretudo, uma luta em favor do meio ambiente, não é mesmo?

O primeiro momento sempre foi a luta pela terra e o pano de fundo é o projeto de desenvolvimento para a região, que é extremamente complexa. Ali tem o grande empreendedor, que é a Vale, várias populações indígenas (povo Caiapó, Xikrin, Assurini…), garimpeiros, Com Terra, Sem Terra e também os migrantes. A maioria vem do nordeste, principalmente do Maranhão, de onde foram expulsos pelo latifúndio e o monocultivo de soja.
O predomínio é da Vale, mas há outras empresas de mineração, como a Xstrata, a Votorantin, que explora o alumínio e a bauxita, em Rondon do Pará. Em Barcarena, tem a Imerys, que explora Caulim, e a cadeia do alumínio, que são a Alunorte e a Albrás. Uma transforma bauxita em alumina e a outra transforma alumina em alumínio. Isso requer um uso de água muito grande e produz uma quantidade enorme de rejeito. Assim como ocorre em Mariana-MG, lá tem várias bacias gigantescas de contenção de resíduos desse rejeito. Agora, estão com a cara de pau de fazer um debate sobre sustentabilidade na mineração. Ela não é sustentável em nenhuma possibilidade. Na economia, o pessoal chama isso de economia de enclave.

 

O que significa?

Em qualquer parte do mundo, ela não gera riqueza onde opera. Não gera externalidades positivas. É uma fábrica de passivo social e ambiental.

Lá não tem saneamento básico. Construíram Tucuruí há 30 anos para abastecer essas duas fábricas em Barcarena. De Tucuruí pra Barcarena dá uns 700 km e é super complexo. Há uma obra de engenharia gigantesca para alimentar essas duas fábricas, porque a energia é o principal insumo do alumínio. Então, Barcarena é uma cidade prestes a explodir a qualquer momento. Essa cadeia de ocupação do território e de saque das riquezas é extremamente danosa e envolve uma série de multinacionais.

E tem também a Bunge, empresa que trabalha com soja. Antes de ocorrer o acidente em que cinco mil bois morreram afogados, já havia ocorrido outro acidente com balsas de soja. Estavam levando o produto em 40 balsas, deu uma chuva muito forte, a soja se dispersou pelos rios e igarapés e matou uma quantidade enorme de peixes. A fonte de proteína dos pescadores e da população ribeirinha está ameaçada. E a população ribeirinha está totalmente vulnerável porque são praticamente expulsas de lá com a conivência do Estado.

O Estado não fiscaliza os processos de contenção das bacias de rejeito. A própria empresa faz o laudo, manda pra Secretaria de Meio Ambiente e a Secretaria endossa. Acompanho Barcarena há 20 anos. É história de trabalhador que ficou doido, trabalhador que se suicidou…

 

Como é ser um jornalista da mídia alternativa no Pará? Quais são as principais dificuldades que você enfrenta?

Com relação à produção de conteúdo, geralmente as instituições nunca têm um orçamento para bancar algumas viagens. Então, acabo otimizando. Hoje não estou ligado organicamente a nada. Eu era professor universitário de privadas e fui convidado a sair. Ainda bem! Estou feliz! Eu dava aula no curso de comunicação e também, como gosto muito e tenho domínio das temáticas da Amazônia, acabo falando mais sobre isso, relacionando com o meio ambiente.

Nos últimos dois anos, estava num projeto com um instituto federal e uma ONG, na região do baixo Amazonas, discutindo desenvolvimento e comunicação com 50 dirigentes. E vendo como eles poderiam se apropriar dos veículos ou potencializar o que eles já tem para dar maior visibilidade aos projetos deles. E agora vou participar de outro projeto, o Saberes da Terra, como educador, na zona rural.

 

Quem controla os grandes grupos de mídia no Pará?

A matriz nacional se repete lá. São duas famílias que controlam e isso está ligado à posse de terra também. Ou são políticos ou são ligados a algum partido. A família Jader Barbalho tem portal, rádio, jornal, televisão. A outra família é a Maiorana, que é super conservadora e repete a Rede Globo. Ela detinha também o principal jornal liberal do Pará. Mas, assim como acontece no resto do país, a venda cai cada vez mais  e eles estão quebrados. Então, esses dois grupos só dão visibilidade ao que é do interesse público quando um quer apontar o que o outro fez de errado.

 

Então, a cobertura da luta pela posse da terra algo bastante complicado, né?

Infelizmente os canais lá são fracionados. Como o estado é muito grande, não tem assim um NPC que consiga aglutinar todo mundo. No baixo Amazonas, tem uma rádio ligada ao setor progressista da Igreja Católica; o Sindicato do Trabalhador Rural tem o jornalzinho dele e também ocupa a rádio com um programa semanal. E o pessoal utiliza muito o Facebook e o WhatsApp.

Em Santarém, por exemplo, a questão da comunicação popular é muito forte a partir dos camponeses. Em Marabá já foi mais forte, mas perdeu recurso e os quadros que faziam. As pessoas precisam se bancar, aí fazem concursos públicos e vão embora. Mesmo assim, lá tem o CEPASP (Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular), que continua fazendo alguns boletins, documentos, cartilhas.

Então, é cada um no seu quintalzinho. Mas, tem uma tradição de jornalismo de resistência muito grande no Pará com rádios comunitárias. Só que é muito fracionado. O ideal seria tentar fazer redes, ou seja, unir MST, Direitos Humanos e outros, definir uma política de comunicação e tentar bancar, no mínimo, dois profissionais. Porque não dá mais para trabalhar de forma voluntária. É um tema bastante complexo, demanda muito tempo para estudar.