Por Rosângela Ribeiro Gil [NPC]

regis-e-louca

Reginaldo Moraes e Francisco Louçã, no 22º Curso Anual do NPC. Foto de Mário Camargo.

Os trabalhos do primeiro dia do 22º Curso Anual do NPC, realizado entre os dias 16 e 20 de novembro último, no Rio de Janeiro, foram encerrados em grande estilo com o tema “Os desafios dos trabalhadores em Portugal, Espanha e França”, com a apresentação do professor e militante da esquerda do país lusitano Francisco Louçã. A coordenação da mesa ficou a cargo do também professor Reginaldo Moraes, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu) e colaborador da Fundação Perseu Abramo, além de integrante do NPC.

Moraes apresentou o convidado, que é economista, como um dos fundadores, em 1999, do partido socialista Bloco de Esquerda, sendo seu coordenador de 2005 a 2012, “que abriu caminho para diferentes formas de militância”. Informou ainda que Louçã é comentarista político no site www.publico.pt.

Louça avisou que adaptou a sua apresentação para atender melhor aos ativistas dos movimentos sociais e da mídia alternativa presentes ao curso do NPC. Por isso preferiu falar sobre um dos seus trabalhos realizados com mais dois amigos, o livro “Os burgueses – quem são, como vivem, como mandam”, que é uma investigação da burguesia portuguesa. “Há uma parte [no livro] que nos indica como responder como a burguesia manda. E podemos partir de uma expressão de que ´a banalidade é uma arma, tudo depende da pontaria´. Vou falar da banalidade porque acho que ela é o centro da comunicação dos dias de hoje e como essa banalidade faz 1% dominar 99%.” E completou: “Esse 1% é menor, mas as estruturas sociais a volta da burguesia o torna ainda maior; e os 99% são muito divididos e não se reconhecem como tal. Esse é o grande problema da disputa estratégica da comunicação e da política.”

Louçã observou que a burguesia domina porque tem um sistema de produção de ideias dominantes e do senso comum e de distribuição de todo esse aparato comunicacional, que está no jornalismo, na cultura, na educação, no sistema político institucional etc.. “Uma ideia só é dominante se for interpretada com senso comum, como óbvia, como natural. Ela não pode ser vista como artificial ou imposta. Tem que ser vista como parte de mim próprio. Eu aceito a palavra, a imagem e o conceito.”

A construção do senso comum, prosseguiu, tem dois pilares: “O discurso da autoridade, ou seja, o que está acima de mim; e as máquinas de produção de conformismo.” Tal discurso, exemplificou, é o do presidente, dos ministros, é a imagem dos poderosos no exercício do poder, são as homilias das igrejas etc.. Ainda nessa construção, Louçã falou do discurso técnico, que tem uma imagem de rigor e não conflito, e que é eficaz exatamente porque não pode ser compreendido.

Recorrendo ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, em agosto deste ano, Louçã falou sobre a utilização intensiva da banalidade, como o de dizer que partidos políticos são corruptos, que a presidente Dilma é corrupta, utilizando o discurso técnico, que é o mais forte de todos. “Nesse caso, o discurso técnico foi o jurídico, que se coloca acima da política, é o que aprecia se a política é ou não corrupta. O discurso vindo de um juiz é, por natureza, o discurso da autoridade com mais autoridade. Na República, ele é visto como a autoridade última, o que pode julgar todos os outros”.

Todos os dias o senso comum é criado ou está em disputa, ressaltou. Por isso, defendeu que a esquerda assuma essa luta como estratégica. “Por que o 1% resiste?”, perguntou. “Porque consegue não ser visto como um poder da desigualdade, mas como um poder natural e banal na organização da sociedade.”

Publicidade como arma política

louca

Francisco Louçã fala sobre o papel da publicidade na produção do senso comum

A publicidade também é um instrumento desse discurso, e é usada como arma política. Louçã citou o caso, recente, de uma publicidade de página inteira em jornal português onde a Coca-Cola atacou medida proposta pelo governo local de aumentar o imposto de produtos com alto teor de açúcar. “O objetivo é conseguir que algumas palavras, conceitos ou atitudes fiquem registrados nas pessoas como seu senso comum. Eu tenho de pensar daquela forma porque todos pensam. A banalidade pode ser simples ou recorrer à perturbação.”

A produção do senso comum, segundo Louçã, está no noticiário da televisão no horário nobre, assim como nos livros didáticos e infantis, nas telenovelas etc., manipulando desejos, sentimentos e emoções. “O sucesso dessa construção se baseia na promoção de certos valores, como o da virtude, e na destruição de outros.” E acrescentou: “É uma liturgia totalmente incorporada à forma de eu ver o mundo.”

Para melhor entendimento do público, citou o caso da utilização da palavra austeridade por parte de governos para justificar políticas antipopulares, como a de cortes em gastos públicos em áreas sociais, de retirar direitos sociais ou, como no caso do Brasil, atualmente, para mudar o sistema de concessão de aposentadoria. “A austeridade é vista como uma qualidade em tempos de dificuldade.” E destacou aos presentes: “A banalidade é uma máquina de conformismo.”

Para ele, a esquerda precisa fazer essa disputa nos seus meios de comunicação de massa, na utilização e escolha de palavras, com outro objetivo: o da participação. “O grande desafio é criarmos o senso comum pela solidariedade, contra as injustiças sociais, pela igualdade entre homem e mulher.”

A palavra de ordem, portanto, é cerrar fileiras contra a naturalização do pode desigual criada pelas banalidades do sistema capitalista. “Precisamos criar símbolos na comunicação alternativa, disputando as palavras, os sentidos, as emoções. Por uma política emergente pelo socialismo.”

* Apresentação do professor Francisco Louçã durante o curso do NPC