Especialistas falam em manter renda básica enquanto economia se recupera da pandemia, mas ministro da Economia diz que não dá para garantir ajuda ao povo

Em diversas partes do mundo, inclusive em países da Europa e até nos Estados Unidos, governos e especialistas vêm discutindo a proposta de criar um programa de renda básica universal para assegurar recursos e minimizar a crescente desigualdade social. No Brasil, mesmo economistas de corte liberal, como Monica de Bolle, defendem a medida para promover inclusão e garantir um mínimo de dinheiro às pessoas em tempos de pandemia. Mas, se depender do ministro da Economia, Paulo Guedes, nem o parco auxílio emergencial de R$ 600 é certeza para os pobres, autônomos e trabalhadores que vivem na informalidade.

Na quarta-feira, 20, o ministro admitiu a hipótese de estender para depois de julho algum dinheiro para o povo, mas só como solução temporária e de curto prazo. Na cabeça dele, a cifra mágica é R$ 200, como defendeu o próprio Palácio do Planalto antes de o Congresso aprovar o seguro-quarentena de R$ 600. Guedes topa manter o auxílio, mas o dinheiro seria pago em, no máximo, duas parcelas. “Se falarmos que vai ter mais três meses, mais três meses, mais três meses, aí ninguém trabalha”, disse o perverso Posto Ipiranga.

“Ninguém sai de casa e o isolamento vai ser de oito anos porque a vida está boa, está tudo tranquilo”, ironizou o ministro da Economia. Curioso é que nem a primeira parcela de R$ 600 foi paga a todos que a solicitaram, há mais de 50 dias. Trinta e sete milhões de brasileiros ainda estão à espera do dinheiro, impedidos pela burocracia de ter acesso ao benefício. Pelo visto, nem R$ 200 receberão, a depender do desejo de Guedes.

O pensamento abjeto do ministro da Economia é a tradução do desprezo de Jair Bolsonaro pelo povo brasileiro. Aos pobres, farelos do que o andar de cima administra a seu bel-prazer, mesmo em tempos de pandemia. Num dos países mais desiguais do mundo, o Brasil mantém uma parcela ínfima – 1% do topo da pirâmide social – abocanhando nada menos que 29% da renda nacional. Os miseráveis no Brasil já somam 13,9 milhões de brasileiros, de acordo com dados de 2019. Mas a situação tende a se agravar com a paralisação da economia. De qualquer forma, a declaração de Guedes confirma que nada virá desse governo a não ser arrocho e mais miséria.

Não precisava ser assim. Em artigo publicado na revista ‘Época’, Monica de Bolle sintetizou a crueldade da agenda neoliberal do governo. “Temos um governo cujo discurso é a exclusão”, lamentou. “No entanto, temos uma pandemia e uma crise econômica que revelam a forma crua a uma extensão dessa exclusão, como injustiças a ela associadas e precariedade da vida da imensa parte de nossa população, logotipo e nossa economia. Podemos optar por manter uma economia de exclusão. Ou podemos finalmente fazer algo para começar a resolver problemas que, se não solucionados, implicam em um desperdício de vidas e redução da capacidade de desenvolvimento do Brasil”.

A probabilidade da adoção de um bloqueio total de algumas das principais cidades brasileiras, levou um grupo de pesquisadores ligados às universidades do ABC e de Bristol, no Reino Unido, a alertarem que o governo será obrigado não apenas a rever os protocolos de saúde na resposta à pandemia, mas ampliar as medidas de socorro às populações vulneráveis, principalmente às populações que vivem nas favelas e nas periferias, onde as recomendações de isolamento e distanciamento sociais são quase impossíveis de serem adotadas.

Professores das universidades federais do Paraná (UFPR), do Rio de Janeiro (UFRJ) e de São Paulo (USP) desenvolveram o Índice de Vulnerabilidade Covid-19 (IVC19). Construído a partir de dados do Censo 2010, o indicador aponta o grau de exposição de cidades e bairros à pandemia. Com isso, as simulações determinam o nível de confinamento necessário.

Grande parte dos habitantes das favelas divide espaços precários, com fornecimento deficitário de água, além do alto índice de informalidade. “Isso significa que o governo terá que redirecionar recursos do asfalto, realocando no morro”, afirma o professor e economista José Paulo Guedes Pinto, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), referindo-se à topografia de Copacabana, em que as favelas estão nas encostas.