Il Quarto Stato é uma grande tela de 293 cm X 545, do pintor italiano Pelizza da Volpedo, que foi exposta pela primeira vez em 1902, na Mostra Quadrienal de Turim (Itália). Pelizza iniciou a pintura deste quadro dez anos antes, entre 1890 e 1892, na pequena cidade rural de Volpedo, região de Piemonte, norte da Itália, cuja capital é Turim.

O quadro foi preparado para estar pronto para uma exposição em Paris, em 1900, ou em Veneza, em 1901. Mas não deu. Também foi frustrada sua expectativa de que esse quadro fosse premiado. Na exposição de Turim não teve maiores sucessos.

O quadro reflete as posições políticas do autor. Este, nascido em 1868, de uma família de pequenos agricultores, desde adolescente se dedicou à arte da pintura. Aos 22 anos, Pelizza se aproximou das idéias socialistas muito difusas entre os trabalhadores da cidade e do campo da Itália daquela época e sua visão de mundo se expressa neste quadro síntese da sua vida político-artística.  

Nos tempos de preparação da tela, o autor a chamou de “O Caminho dos trabalhadores”. Finalmente, quando esta foi enviada para a exposição de Turim, foi batizada de “Quarto Stato”. O nome se referia à história européia e especificamente à Revolução Francesa. Nesta revolução vitoriosa, a burguesia derrubou o domínio do Primeiro e do Segundo Estado, respectivamente a nobreza e o clero, e instaurou o domínio da nova classe ascendente, a burguesia, o Terceiro Estado.


O nome de “O Quarto Estado” significava uma tremenda mudança, uma revolução social. O século XX que começava seria o século da nova classe vitoriosa, o proletariado. O Quarto Estado.

A vida de Pelizza terminou poucos anos depois da exposição da sua maior obra, de forma trágica, em 1907. Aos 39 anos viu seu filho recém-nascido morrer e logo depois sua mulher, enfraquecida e abalada, veio a morrer também. Pelizza, sozinho, com duas filhas pequenas, se enforcou no seu ateliê.

Um quadro socialista pintado por um socialista

Em 1907, antes de morrer, Pelizza viu seu quadro numa exposição, em Roma, e, embora o valor da sua obra não fosse reconhecido, ele repetia: “Afirmamos, de novo, que este, como poucos outros, deverá ficar para marcar o caráter da pintura italiana destes últimos tempos”. Esta previsão se confirmou somente décadas depois.

Pelizza reafirmava o valor de seu Quarto Stato, em várias cartas a amigos. Em 1903, escreveu numa carta a Neera:

“Vou lhe contar que quando chegou a hora de dar forma a uma das concepções da minha primeira juventude, aquela que se concretizou depois no Quarto Stato, senti a necessidade de conhecer melhor as tendências políticas e sociais da nossa época, porque não queria fazer uma obra simplesmente instintiva.

Foi nesse momento que li quase por completo toda a biblioteca socialista existente. Os conceitos de Marx, Engels, Bebel, por falar somente dos maiores, passaram na frente da minha mente que já estava naturalmente pronta para aceitá-las e assim, a partir de idéias vagas, cheguei à clareza. Através destes autores reencontrei a mim mesmo. E assim, o Quarto Stato conseguiu ser do jeito que eu o queria: um quadro social que representasse o fato mais importante da nossa época: o avançar fatal dos trabalhadores. E, nas muitas travessias da vida, me apoiei no conceito que sempre eu tive do trabalho humano. Uma visão que as minhas condições familiares e do ambiente onde eu nasci contribuíram a formar e desenvolver”.

                                              [traduzido da carta original no Arquivo Martinelli – Milão]

O Quarto Stato nos mostra o avançar seguro e inexorável de uma nova força, de uma nova classe, sem gestos violentos ou espalhafatosos. Mostra, através da perfeição das personagens e da paisagem, a segurança e a consciência da classe trabalhadora, consciente de seu papel histórico. É um quadro de gestos contidos. Quase um manifesto da entrada em cena da classe operária naquele começo do século XX.

É um quadro que exalta a força e a maturidade das atitudes dignas, seguras e destemidas da classe trabalhadora. É um quadro sem detalhes que poderiam despistar a atenção e a concentração num único objetivo: tecer um hino à marcha da classe trabalhadora.

Não é a toa que o primeiro nome dado a esse quadro foi “O Caminho dos Trabalhadores”. As figuras do quadro saem de um fundo fortemente escuro e avançam rumo a uma luminosidade resplandecente. É o futuro que o autor vislumbrava para a classe trabalhadora.

As vicissitudes do Quarto Stato

Após não ter tido nenhum prêmio na exposição onde ele foi inaugurado, o Quarto Stato continuou recebendo pouca atenção da crítica de arte.

Em 1920, a obra foi adquirida pela Prefeitura socialista de Milão. Mas, logo em seguida, com a chegada do fascismo ao poder, em 1922, o Quarto Stato foi jogado nos depósitos do Castello Sforzesco, sem ser exposto ao público. O fascismo sabia perfeitamente o signific

ado da obra de Pelizza.

Nos anos 1950, começou a despertar, na Itália, o interesse pela produção social de Pelizza.
Em 1954, a obra foi tirada dos depósitos empoeirados. A crítica artística militante de esquerda descobriu este quadro
e sua profunda unidade entre o conteúdo político e a forma artística do autor.
E, nos anos 1960, durante um forte ascenso da classe operária e da esquerda, os partidos operários, as organizações dos trabalhadores e a imprensa de esquerda redescobriram Il Quarto Stato.

Nos anos 1970 se multiplicaram as análises critico-políticas acerca de Pelizza e seu quadro, visto como um manifesto político do proletariado. Livros e cadernos começaram a ser editados sobre o autor e sua obra. A partir desta época, a imagem do Quarto Stato começou a aparecer em inúmeros livros escolares e em publicações da esquerda mundial.

No Brasil o quadro chegou no momento de explosão das greves, em 78 e 79, trazido por exilados políticos, agora anistiados, ou por militantes de esquerda que tinham tido a sorte de descobrir este tesouro.

A partir do ano de 2004, após a forte divulgação feita pelo NPC nos seus cursos anuais, esta pintura foi usada por dezenas de sindicatos e movimentos. Passou a ser motivo permanente, em jornais, revistas, cartilhas, estandartes e sítios de enaltecimento da luta da classe trabalhadora. Algo como a negação da visão dominante entre muitos intelectuais e militantes de que a classe trabalhadora acabou e com ela a luta de classes, também, teria passado de moda.

O Quarto Stato é uma bandeira de esperança e certeza de que outro mundo é possível. Um mundo como o sonhava Pelizza da Volpedo em 1900.

 [Fonte: pesquisa e edição de texto de Claudia Santiago e Vito Giannotti]