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[Por Ana Prieto / ijnet.org]

O projeto de pesquisa investigativa do Eldiario.es, “La Tierra Esclava“, vem com uma subtítulo que vai direto ao ponto: “É assim que os países pobres são usados para alimentar os países ricos”.

O projeto envolveu quase duas dúzias de jornalistas trabalhando juntos para descobrir os abusos ocultos por trás de cinco plantações consumidas amplamente na Europa (açúcarcacaubananascafé e palmeiras africanas) e que são produzidas graças a condições exploratórias similares a escravidão, práticas comerciais ilegais e danos ambientais contínuos. Os quatro países que foram investigados são Guatemala, Honduras, Colômbia e Costa do Marfim.

As descobertas da investigação incluíram o seguinte: como as poderosas famílias dos barões de açúcar na Guatemala evadiram os impostos graças ao uso de empresas offshore e poderosas conexões políticas; como a monocultura da palmeira africana em Honduras está destruindo o meio ambiente enquanto as autoridades fecham os olhos às leis federais; como os cafeicultores colombianos estão à mercê de especulação; como uma rede política obscura controla a distribuição de terras para cultivo de banana na Colômbia; e como trabalhadores infantis sustentam o comércio de cacau na Costa do Marfim, um país que abastece 40 por cento do cacau mundial.

site espanhol recebeu US$23.100 (EUR19.700) do Centro de Jornalismo Europeu para financiar o projeto. Para ajudar com as reportagens, Eldiario.es estabeleceu uma aliança com o site de notícias independente salvadorenho El Faro, conhecido como um farol para reportagens independentes e de alta qualidade na América Latina. Para produzir a série (uma tarefa que levou quase um ano), a equipe reportou do terreno; examinou bancos de dados do comércio internacional; apresentou pedidos de liberdade de informação em quatro países; e, finalmente, produziu uma investigação online que inclui jornalismo narrativo, visualizações, animações, mapas e fotografia.

A IJNet falou com o editor de dados do Eldiario.es Raúl Sánchez González e o editor do El Faro, Daniel Valencia, sobre os desafios do trabalho colaborativo e a produção de investigações complexas e online.

Qual foi a sua responsabilidade específica durante a investigação?

Raúl Sánchez González: “La Tierra Esclava” é um dos projetos Eldiaro.es em que mais me envolvi. Participei na busca do financiamento, eu fui o coordenador do conteúdo, analista de dados e de investigação e também participei do estágio final criando elementos gráficos para publicação.

No entanto, este foi um esforço de equipe de mais de 20 jornalistas que coordenamos juntos para produzir o projeto final. Sem pessoas como Belén PicazoLaura OlíasXimena VillagránNelson RaudaGabriel LabradorIván M. GarcíaDavid RuizMaría Isabel Magaña e outros, este projeto nunca teria acontecido. Como você investiga a relação entre a indústria açucareira com paraísos offshore? E a apropriação ilegal de terras pela indústria da banana? Ou o dano que a palmeira africana causou às florestas hondurenhas? Você faz isso trabalhando e investigando em uma equipe.

Daniel Valencia: Eu fui editor e responsável pela time que lidou com a cobertura em Honduras e Guatemala. El Faro disponibilizou quatro pessoas: dois repórteres para o trabalho de campo, um fotojornalista e eu, que foi o contato direto com Raúl e [a jornalista de dados] Ximena Villagrán. E eu dirigi minha equipe com base no que concordamos no nível editorial e o que quer que fizéssemos em relação aos detalhes da investigação. Mais tarde, para evitar dois canais de comunicação, decidimos que todos deveriam estar envolvidos nas discussões.

Como vocês decidiram quais elementos digitais seriam incorporados nas matérias?

R.S.G.: Nossa ideia principal quando criamos “La Tierra Esclava” era fazer algo diferente. E é por isso que usamos um formato que combina rolagem com a alteração das imagens de fundo, juntamente com outros elementos visuais. Como são textos muito longos, desde o início, queríamos garantir que a rolagem não fosse o único elemento interativo. A partir daí, estruturamos as histórias para que os elementos gráficos ajudassem a entender e complementar o texto. Esse foi o nosso principal critério.

Por exemplo, no caso de Honduras, precisávamos de uma maneira simples de explicar onde as plantações de palmeiras africanas se baseiam e por que isso é um problema ambiental. Então, sobrepomos mapas para mostrar que existem 7 mil hectares dessas culturas em parques nacionais e áreas protegidas.

Nós sempre tentamos nos certificar de que as fotos, infografia e mapas estavam conectados ao texto. Por exemplo, na reportagem da Guatemala, falamos sobre como o mercado doméstico de açúcar é controlado, então inserimos um gráfico demonstrando como realmente existe uma empresa que controla o açúcar do país. Com a matéria sobre o cacau, quando falamos sobre crianças e agricultores trabalhando em condições precárias, acompanhamos isso com imagens do que vimos no terreno.

Quais foram alguns dos desafios em trabalhar em vários continentes?

D.V.: A distância sempre cria certas condições, mas tudo funcionou bem. Os problemas mais sérios foram técnicos: uma conexão de internet ruim, por exemplo. Além disso, nossos debates foram muito ricos. Acreditamos que você sai e faz jornalismo depois de debater muito sobre o tipo de jornalismo que deseja fazer, e combinar o trabalho de Eldiario.es com a informação que coletamos foi enriquecedor para todos. Quando um projeto é bem definido desde o início, e ambas as partes aceitam o que exatamente vamos cobrir e como, então, todo o resto é apenas conversas que qualquer outra redação regular teria.

R.S.G.: Eu acho que o maior desafio foi reunir duas culturas e duas maneiras diferentes de trabalhar. Mas isso também criou algumas ótimas oportunidades. Graças ao El Faro, podemos contar histórias fantásticas devido ao seu conhecimento no terreno e às fontes com as quais lidamos. E nós podemos dar ao El Faro a análise de dados e os elementos gráficos para matérias melhores.

O futuro do jornalismo investigativo está em colaborações?

D.V.: Penso que o jornalismo independente está apostando na colaboração. Não é a primeira vez que trabalhamos assim, e os resultados sempre foram bem sucedidos em termos de impacto, alcance da audiência e produção de uma investigação aprofundada.

A colaboração é uma estrada que vale a pena explorar. Como jornalista, você só pode estar dormindo para não seguir esse caminho. Neste mundo, encontrar conexões em diferentes países onde coisas semelhantes estão acontecendo e a geração de projetos que denunciam esses abusos é [algo] muito positivo e um grande desafio para os jornalistas. Os “bandidos” não estão apenas em um país, eles trabalham globalmente.

Imagens de captura de tela do projeto “La Tierra Esclava” do El Faro e El Diario

Saiba mais em: https://ijnet.org/pt-br/blog/investiga%C3%A7%C3%A3o-sobre-trabalho-escravo-abrangeu-reportagens-em-tr%C3%AAs-continentes