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Com o fim do imposto sindical obrigatório, o que será do setor de comunicação nos sindicatos? Jornalistas sindicais e historiadora mostram que é possível comunicar sem recursos.

“Para que servem as suas brilhantes ideias se elas não chegarem aos trabalhadores?” – Claudia Santiago, parafrasendo o revolucionário Lenin

[Por Camila Araujo – Sinttel Rio] “O papel da comunicação na organização sindical” foi o tema debatido no segundo dia (23/11) do 23º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação. A mesa foi composta por mulheres que pensam e fazem comunicação sindical dia a dia, entre elas, Claudia Santiago, historiadora e coordenadora do NPC, Camila Marins, jornalista da Federação Interestadual dos Sindicatos dos Engenheiros (Fisenge) e Maisa Lima, jornalista da Central Única dos Trabalhadores de Goiás.

O fim da contribuição sindical obrigatória, resultado da reforma trabalhista, impõe uma nova configuração aos sindicatos no Brasil. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a previsão é que os sindicatos cortem 30% de seu quadro de funcionários em 2018. Em tempos de crise, o setor de comunicação passa a ser visto como “artigo de luxo” e é um dos primeiros a serem descartados do orçamento da maioria das entidades.

Claudia Santiago trouxe à tona esta realidade assim que começou sua fala. “Conversar sobre comunicação na luta dos trabalhadores não é difícil. A questão é que a gente está vivendo um momento difícil da luta dos trabalhadores e a comunicação se torna mais importante ainda. Se os recursos vão diminuir, como a gente vai pensar de forma inteligente e séria para não demitir imediatamente todo o departamento de comunicação da entidade para cortar custos?”, questiona.

Para a historiadora, a solução é priorizar a comunicação, mesmo com poucos recursos. “Já houve momentos que não tivemos dinheiro para nada, mas fizemos muita coisa. Talvez tenhamos nos acostumados mal com a fartura do imposto sindical. Era muito fácil não precisar fazer nada e o dinheiro vir de qualquer jeito. Mas nós sabemos nos comunicar na pobreza. O pouco que tivermos – e isso nós já aprendemos – tem que ir para a comunicação. Vende a sede, vende a cadeira cara. A prioridade tem que ser a comunicação”, aponta.

Claudia destaca a importância da comunicação para os trabalhadores e cita como exemplo o Manifesto Comunista. “O que seria de nós sem o Manifesto? Eles precisavam divulgar as ideias aos trabalhadores e Marx não entregava os textos. E aí Engels perguntou: ‘para que servem as suas brilhantes ideias se elas não chegarem aos trabalhadores?’ Eu acrescento ainda: se nós não conseguirmos usar todos os meios e falar para milhões?”

Ela lembra ainda outras experiências revolucionárias que colocaram a comunicação como prioridade, como a Revolução Russa. “Para fazer a revolução, Lenin falava ‘tem que fazer jornal para toda a Rússia!’. Ele pensou sobre imprensa. Sempre na história da humanidade, os revolucionários faziam panfleto, traduziam ideias da ideologia alemã, da classe operária na França, e estudavam a classe trabalhadora”, enfatiza.

A segunda palestrante da mesa, a jornalista Maísa Lima, contou um pouco da experiência de comunicação desenvolvida na CUT Goiás. A Central firmou uma parceria com nove sindicatos que contribuem financeiramente com a CUT para manter uma ampla rede de colaboração. A ideia é criar uma cultura de compartilhamento entre as assessorias de comunicação: o que um faz o outro replica, para assim, alcançar o maior número possível de trabalhadores.

“O grande lance é a parceria que nós estamos firmando com vários sindicatos – não só da base cutista – para conseguir ampliar o alcance da base”, explica. São diversas frentes de comunicação: o site da CUT, a plataforma Reaja Servidor e a Rádio Trabalhador, que também estão disponíveis no Facebook e em grupos do Whatsapp. “A gente tem um mailing com 1.100 emails para os quais é enviado o clipping e outros conteúdos. Implantamos um serviço de SMS com capacidade de envio de 950 mensagens diárias e um banco de dados com alcance em todos os municípios do estado.”

A Central também busca parcerias a nível nacional, através da TV CUT, Rádio Brasil Atual, Agência Abraço, Rádio CUT, Agência Brasil de Fato, blogs progressistas e a TV do Trabalhador (TV).“A gente procura produzir uma matéria semanal para a TVT para dar visibilidade às lutas dos trabalhadores de Goiás, como foi o caso da greve do Sindsaúde, por exemplo. A gente não faz a produção. A gente faz o texto da matéria, o vídeo, manda e eles editam. E, embora a TVT não tenha sinal em Goiás, a gente disponibiliza o conteúdo no site e nas redes sociais”, conta.

No estúdio da Rádio Trabalhador, é produzido um boletim informativo toda semana. Ele é distribuído para mais de cem rádios comunitárias de Goiás, em parceria à Rádio Abraço. Maisa explica que o objetivo é espalhar a luta dos movimentos populares. “A gente pretende usar mais esse espaço para falar com a classe trabalhadora. Colocar o pessoal dos sindicatos lá dentro para criar seus próprios programas e criar produtos específicos para suas próprias categorias.”

Para a jornalista, o momento político traz mudanças drásticas, mas ela acredita que é possível criar uma comunicação solidária entre os sindicatos para aproximar os trabalhadores da luta. “A nossa Rede oferece aos parceiros uma série de serviços, cursos, assessoria e ajuda mútua. Com certeza vamos ter que repensar algumas ações, porque a reforma trabalhista já está impactando os sindicatos, mas esse esforço já se materializou, que é justamente a cultura de compartilhamento.”

Em sua participação,  a jornalista Camila Marins, da Federação Interestadual dos Sindicatos dos Engenheiros do Rio de Janeiro (Fisenge) apontou para o perfil diverso da classe trabalhadora brasileira, que não é só quem possui carteira assinada. “A organização sindical hoje está centrada no trabalho assalariado de CLT. E a gente segue uma meritocracia liberal, porque a gente não considera as pessoas que estão fora desse sistema. Onde estão os desempregados, os trabalhadores informais, os negros, as pessoas em situação de rua e os LGBTs nos sindicatos? Que políticas estão sendo feitas no sentido de agregá-los?”

Camila defende a criação de pautas identitárias, ou seja, que os sindicatos tenham em sua agenda pautas e ações que gerem identificação de classe. “Os trabalhadores não se identificam com os sindicatos. Para gerar pertencimento de classe e engajamento é preciso pensar uma visão interseccional na organização sindical, ou seja, agregar as pessoas que estão à margem da sociedade. O erro da esquerda é achar que a luta de classes está em primeiro lugar. Ela caminha junto às pautas de identidade. Hoje em dia, a gente precisa fazer a luta de classe a partir da pauta identitária.”

Para construir essa identificação e, assim, fortalecer a organização dos trabalhadores, a jornalista  aponta para solidariedade de classe. “Como a gente constrói laços de solidariedade sem cair no assistencialismo? A pessoa está desempregada a gente ignora? Ou a gente fala que é solidário, mas na prática a gente não está construindo a solidariedade. É promovendo a cultura do encontro, um ajudando o outro, arrecadando alimentos para os que estão em situação de desemprego, é construindo creche no sindicato, como o Sindicato dos Bancários fez. Porque aí a gente gera esperança, gera acolhimento.”

No campo da comunicação, Camila acredita em três pilares fundamentais: o ativismo digital, as práticas colaborativas e a mobilização no trabalho de base. “A gente não pode pensar que a comunicação é a salvadora dos problemas, mas anda junto ao trabalho de base. Trazer essa prática colaborativa para o sindicato é unir nosso trabalho, mais do que nunca. A gente vai aprofundar as relações informais, o desemprego estrutural e vamos chegar a um patamar de precarização nunca visto. Quando a Maisa fala de parceria, isso é fundamental. Unir quem faz rádio, quem faz impresso, vídeo, construir uma unidade na agenda política da nossa comunicação e atuar junto.”