[Por Alexandre Haubrich, do Jornalismo B] No último sábado, 1º de junho, o jornal Folha de S. Paulo reproduziu mais uma vez – e alimentou – o discurso da coisificação da mulher. Para falar de uma vitória da tenista Maria Sharapova, destacou “a celulite” da tenista, seguindo a linha já tradicional na cobertura que a grande mídia brasileira faz do tênis feminino. Nada sobre esporte, nada sobre atletas, nada sobre mulheres. A cobertura pauta-se quase sempre em objetos, analisados de acordo com sua estética e nada mais.

O tratamento das mulheres como um vaso vazio a ser analisado apenas por sua forma não é exclusividade da cobertura dos torneios de tênis nem exclusividade da Folha de S. Paulo, mas o caso do dia 1º é exemplar por usar um discurso recorrente nesse setor da mídia e por dar-se justamente em um espaço – a cobertura dos torneios de tênis – nos quais a diferença entre as formas pelas quais homens e mulheres são tratados é gritante.

As fotos são sempre de coxas e bundas, enquanto no tênis masculino o enquadramento se mantém do tronco para cima, geralmente focando a expressão facial do jogador. O mesmo sentido é dado aos textos, ainda que, quando se trata de tênis feminino, a parte textual seja muitas vezes dispensada, ou ao menos encurtada, reduzida a uma legenda. Algo semelhante acontece nas coberturas de vôlei, especialmente em veículos impressos. Os mais recentes Jogos Olímpicos foram pródigos em exemplos.

Não sendo aceitável a ideia de que apenas homens toquem as editorias de Esporte pelo país afora, entende-se que também as muitas mulheres introjetaram esse tipo de pensamento, tal qual acontece fora das redações, na sociedade. Nesse sentido, as redações são, sim, espelhos dessa sociedade, mas esse discurso não deixa de alimentá-la com preconceitos, estigmatizações e violência de gênero.

A verdade é que a organização do esporte – e tudo o que gira em volta dele – foi engolida pela chamada indústria cultural, e com isso o esporte foi mastigado, remendado e jogado de volta ao público como algo pasteurizado, vazio de sentido e recheado de mercadorias. A mídia dominante, parte inseparável da indústria cultural, sua artífice em muitos aspectos, participa ativamente desse jogo. Retira-se o conteúdo do esporte e o que é apresentado é apenas isso, a casca das mulheres, reforçando a estigmatização do esporte e dizendo para futuras possíveis esportistas, inclusive crianças, que jamais serão respeitadas enquanto esportistas, que tudo o que precisam apresentar é um corpo livre de celulites. É um desserviço à informação, ao jornalismo, ao esporte e às lutas das mulheres – mas isso é óbvio, já que a luta contra o machismo é também, invariavelmente, a luta por uma mídia democrática.