Para Ramonet ação da mídia venezuelana é grotesca; para Tarik Ali, barbárica

O envolvimento direto das empresas de comunicação venezuelanas no golpe contra o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e a manipulação da informação que vem ocorrendo naquele país foram assuntos constantemente lembrados no III Fórum Social Mundial. O ponto alto destas reflexões aconteceu durante o Tribunal que julgou os crimes da mídia no país, realizado no dia 27 de janeiro, no Hotel Embaixador, no centro de Porto Alegre.

Presidido na parte de manhã pelo argentino e ganhador do Prêmio Nobel da paz, Adolfo Perez Esquivel e na parte da tarde pelo escritor Walden Bello, o Tribunal contou com depoimentos de jornalistas venezuelanos, escritores e participantes do movimento social do País. Prestaram depoimentos, entre outros, os jornalistas Ignácio Ramonet (Lê Monde Diplomatique), Gianni Miná (Itália), Otto Neustald (CNN) e Gabriel Priolli (Brasil). Compuseram o júri Steve Rendall (FAJR- EUA); o escritor paquistanês Tariq Ali, o jornalista brasileiro Daniel Hertz e a escritora canadense Naomi Klein

Depoimentos:

            A ação dos meios de comunicação desde o golpe de abril do ano passado foi classificada pelo editor do jornal Lê Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, como algo grotesco.  Na Venezuela, a mídia “assume abertamente sua função de poder ideológico e político, que tenta conter as reivindicações populares”.

Para o escritor venezuelano Guilherme Garcia Pontes, para tirar Chavez do governo, está se usando a tática da guerra midiática, que inclui desmoralizar o adversário e falsear a realidade. “São instrumentos de uma guerra psicológica através da qual espalham o ódio étnico e a fobia social em um país predominantemente mestiço”, afirmou. E concluiu: “os meios de comunicação da Venezuela não dão notícias, dão opinião, como por exemplo, manchetes do tipo “O governo cairá” ou “A batalha final será em Miraflores!”, mostram uma realidade que não existe e quando não gostam da realidade, a escondem”.

Um exemplo fornecido repetidamente durante o julgamento foi a morte dos onze manifestantes em abril, tratados pela mídia, através da edição fraudulenta de imagens, como membros da oposição assassinados pelos defensores do governo. Não foi isso que aconteceu: os 11 mortos defendiam o governo, como ficou comprovado depois. O esforço da mídia para dar legitimidade a um gabinete que era fruto de um golpe de Estado foi um aspecto também muito abordado pelas testemunhas.  

O professor de ética jornalística da PUC-SP, Gabriel Priolli disse sentir vergonha por profissionais estarem fazendo “aquele tipo de desserviço para a sociedade”, como estão os jornalistas venezuelanos. Priolli esteve no país a convite do governo de Hugo Chavez para uma análise sobre a televisão venezuelana. O quadro por ele descrito é extremante preocupante. “A mídia comunitária é pequena, inexistente. Frágil técnica e economicamente”. Na outra imprensa, chamaram-lhe atenção os seguintes fatores:

  1. Desequilíbrio entre as informações vindas do governo os meios de comunicação. Fala-se e noticia-se mais a oposição que o governo.

  2. Não há distinção entre opinião e informação

  3. O dever de buscar a objetividade é desconhecido

  4. Desqualificação das autoridades governamentais e dos que são favoráveis ao governo

  5. Unilateralismo

  6. O governo é sempre etiquetado como pró-cubano ou pró-marxista

O crítico de mídia italiano Gianni Miná afirmou: “A Venezuela não tem chegado ao padrão mínimo de jornalismo. Dizer que os que morreram eram da oposição não é verdadeiro. A maioria dos que morreram eram chavistas”.

 Conclusões

Ao final de quatro horas de depoimentos, os jurados deram o seguinte parecer.

O Tribunal propõe a censura da mídia da Venezuela em geral. Os jornalistas e os canais de mídia que agem dessa maneira devem ser censurados”, afirmou Steve Rendal, para propor, logo em seguida, uma conferência em Caracas no dia 11 de abril para tratar do assunto.

O escritor Tarik Ali concordou com Rendal, mas fez questão de ressaltar “Não devemos ter a impressão que a mídia na Europa e nos EUA é justa, pois não é, porém o que ouvimos aqui hoje é algo acima da realidade do que existe na Europa e nos EUA. É algo barbárico. Este corrupto monopólio precisa ser quebrado e novas licenças devem ser dadas. A maneira como operam é ilegal”.

Naomi Klein lembrou que em várias partes do mundo a mídia é vista pelos movimentos populares como inimiga. “A mídia hoje é um dos alvos dos protestos. Contou que na Argentina, onde vive atualmente, o Canal 9 é foco de protesto”.

O último a se posicionar foi o jornalista brasileiro, membro do Comitê Nacional pela Democratização da Comunicação, Daniel Hertz.

O que vemos da Venezuela é um processo deliberado de falsificação da realidade com a mídia, em primeiro lugar, partindo de uma premissa que corresponde a uma realidade que não existe, ou seja, a alegação que fundamenta esta ação da mídia é que lá existe um presidente ilegítimo e sem base popular. No caso da Venezuela, essa premissa é rigorosamente falsa. Então, nós constatamos que as inúmeras práticas registradas, como renúncia à pluralidade, e cerceamento da pluralidade é praticada por uma infinidade de procedimentos que rompe com os padrões éticos profissionais e das empresas de comunicação”.

Entre as práticas condenáveis da imprensa venezuelana, segundo Daniel, estão:

. Descontextualização

. Hiper-dimensionamento de fatos

. Unilateralismo

. Acusações sem fundamento

. Rotulação

. Substituição da atividade informativa por uma prática propagandística

. Defesa, pela imprensa, de soluções inconstitucionais e extralegais que caracterizam uma evidente restrição à liberdade de expressão.  

O jornalista conclui afirmando que “há um conluio na mídia com empresas e setores políticos do país e que esses estão assumindo uma prática sediciosa”

(Por Claudia Santiago)