23º Curso Anual do NPC – Cobertura do Terra Sem Males

 

“O papel da comunicação e da educação na organização popular” foi tema de debate no segundo dia do 23º Curso Anual do NPC

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“Não trabalhamos com nada construído pela hegemonia”. Assim nos inspira Mayra Ribeiro, militante feminista, negra, anti-abolicionista, anti-racista e anti hegemônica da Uneafro. “Lutamos pela existência e pela resistência”, declarou Inessa Lopes, do jornal Voz das Comunidades. “O papel da organização popular no Maranhão é resistir. Resistir para não morrer. De fome, de sede, para respirar”, declarou Emílio Azevedo, do jornal Vias de Fato.

“A luta por direitos passa por pessoas como essas, que estão em contato direto com os movimentos sociais, na militância política”, disse Claudia Giannotti, coordenadora do NPC, reiterando que muitas experiências de comunicação popular nas favelas não existem mais, referindo-se à pesquisa que o Núcleo realizou para traçar o resgate histórico no livro “Uma história de resistência nas favelas cariocas”.

E para conservar essa história de resistência, que são as iniciativas de comunicação popular nas diversas comunidades pelo Brasil, os participantes do curso do NPC conheceram essas três iniciativas organizadas dentro das casas, nas ruas, nos locais marginalizados, e que retratam a importância de ações de militância e solidariedade que resultam em empoderamento e luta.

“O menino precisa realizar seus sonhos. E nosso papel é reeducar, criar autonomia, transformar em cidadão. Ele precisa se perceber. Se a gente não saber quem a gente é, a gente não sabe para onde vai”, conta Maysa, psicóloga que atua em São Paulo nas ocupações do MTST, com moradores de rua e no programa Transcidadãs, para transexuais, com educação para que essas pessoas passem no vestibular e acessem as universidades.

“São pessoas marginalizadas, que não são consideradas pessoas, são dados para estatísticas. E explicamos como o mundo funciona, para que server as coisas, o que significa para elas participar desse programa. O que essas pessoas significam”, relatou, afirmando que conseguiram o que parecia impossível, juntar todas essas identidades, no mesmo espaço, e formar forças políticas. “A única maneira de romper o preconceito é convívio, afeto e escuta. Comunicação. E a partir disse elaboramos nosso plano de educação”.

Maysa contou que muitos meninos passaram na USP e que mulheres trans entraram na universidade e algumas delas agora assumiram essa tarefa no cursinho de educadoras de outras pessoas marginalizadas.

Inessa Lopes apresentou o jornal Voz das Comunidades, editado em Feira de Santana (BA), mas com circulação em todos os estados. Ela explica que a iniciativa se originou há 12 anos na comunidade Chico Mendes e que o impresso é feito de forma voluntária ou com ajuda de custo pelos moradores do local e que historicamente teve apoio da igreja católica e do movimento sindical mas se estabeleceu na periferia, onde permanece até hoje, com autonomia econômica (os exemplares são vendidos a R$ 3 e os moradores estabeleceram um banco popular e coletivo).

“O jornal popular tem que servir a uma estratégia e o nosso objetivo é construir poder popular e organizar a luta a partir das necessidades do povo, como instrumento de diálogo”, defendeu Inessa. “Se não construir poder e comunicação na base, não consegue se contrapor ao capitalismo”. Ela explicou que o movimento, uma frente popular, do Voz da Comunidade, considera que a disputa nas eleições partidárias deve ser uma tática e não uma estratégia. “As eleições não têm servido para a libertação do povo. Nossa proposta é construir uma sociedade comunitária em substituição ao sistema capitalista”.

Inessa encerrou contando que o impresso é uma ferramenta de formação, estudo e reflexão coletiva. “Antes de ensinar ao povo, aprender com ele. Quando isso acontece, a democracia participativa é praticada”.

Emílio Azevedo, do jornal popular Vias de Fato, compartilhou histórias que acontecem no Maranhão para resgatar qual seria o papel da comunicação na organização popular. Que começou com o objetivo da revolução, passou, para ele, por um período de convulsão popular em junho de 2013, mas “muita coisa mudou mas continuamos com a luta de classes e desigualdade cada dia pior”.

Ele explicou que no Maranhão, o estado com a maior população rural do país, um estado quilombola, quem mora na capital São Luis não sabe quem são os quilombolas, as quebradeiras de coco. E quando há uma manifestação indígena, é vista com estranhamento. E o papel de resistência, para não morrer, é feito por esses povos tradicionais. “Se organizam, vão para cima e lutam”, afirmando que não há nenhuma conexão dessas lutas com os partidos políticos de esquerda.

O jornal Vias de Fato circula há 8 anos, marginalizado pelo sistema hegemônico e tem o apoio financeiro do Sindicato dos Bancários local. “Temos seis papéis: resistir, ação otimista, ouvir e entender, formar para disputar a sociedade, conservar a memória, entender e participar do processo de luta”, encerrou.

Por Paula Zarth Padilha
Foto: Annelize Tozetto/Revista Vírus
Terra Sem Males