Em entrevista ao Boletim NPC a pesquisadora Lucie Matting falou sobre a luta por moradia na Alemanha e adiantou alguns resultados da pesquisa sobre a percepção dos moradores do Santa Marta sobre a favela nos últimos anos

Por Marina Schneider, do NPC.

lutzi-2Na última terça-feira (25/03) recebemos a visita da pesquisadora Lucie Matting na Livraria Antonio Gramsci. Lucie é alemã, e lá estuda Ciências Culturais com foco em política e sociologia urbana. Há mais de cinco anos trabalha na Interbrigadas, uma associação que organiza brigadas internacionais na Venezuela e na Bolívia para conhecer o processo bolivariano. Em 2011 foi para a Venezuela acompanhar as ocupações urbanas e depois resolveu conhecer o Brasil. Ficou assustada com as transformações urbanas e preparação para os megaeventos e planejou voltar.

Lucie retornou para a Alemanha, fez o trabalho final da graduação sobre as ocupações urbanas de Caracas e voltou ao Brasil no ano passado para fazer sua pesquisa de mestrado sobre o impacto dos megaeventos no Brasil. No início, a ideia era disseminar informações sobre estes impactos em alemão. Segundo ela há um turismo de pesquisa no Brasil, mas as informações obtidas por parte destes pesquisadores não são passadas aos seus países de origem.

Aproveitamos a vinda de Lucie à livraria do NPC e fizemos uma entrevista com a pesquisadora e ativista. Ela falou sobre os movimentos pelo direito à moradia na Alemanha e contou também sobre a pesquisa que fez no Santa Marta, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Lucie morou lá e entrevistou moradores para entender as percepções deles sobre as mudanças que estão acontecendo na favela nos últimos anos. Ela ainda não terminou o estudo, mas adiantou que é grande a diversidade de opiniões sobre a UPP, por exemplo.

A pesquisadora e ativista, que acaba de voltar para a Alemanha, avaliou que há um grande do número de organizações e movimentos de luta por moradia em todo o mundo. “Isso é fruto da homogeneização da política urbana neoliberal”, aponta. Na Alemanha o contexto, a história e a política são outros, mas os efeitos são comparáveis. Segundo ela, em Berlim há mais de cem grupos organizados com problemas diferentes e a questão da moradia está bem presente nos últimos cinco anos. “As habitações sociais na Alemanha são para pessoas com salário baixo ou é para desempregados. E quem tem salário baixo ou está desempregado é o estrangeiro. Então, a questão da moradia lá é uma questão do racismo também”, explica.

Lucie falou, ainda, que a ação da polícia no despejo das famílias que não têm mais condições de pagar aluguéis é violenta, mas não tanto quando no Rio de Janeiro. “Existe gás de pimenta também, mas não tem bala de borracha”, conta. “Nunca soube, por exemplo, de um policial que pegou a mochila de alguém e jogou coisas dentro para incriminar e prender. Há pessoas que são presas por se manifestar, mas é outra realidade. Não dá para comparar”, disse.

NPC – O que te chamou mais atenção na pesquisa que fez no Brasil?

Lucie Matting – Cheguei com o plano de fazer uma pesquisa para terminar meus estudos e distribuir as informações nas minhas redes sociais e políticas, especialmente as de lutas urbanas e da Fundação Rosa Luxemburgo, onde trabalho. A ideia era fazer uma pesquisa sobre a “mega-gentrificação”, que eu vejo como uma radicalização da segregação urbana, esse aumento radical dos preços, especialmente da moradia.

Você usa “mega” por causa dos megaeventos?

Sim. E “mega-obras”, “mega-negócios”… Eu nunca vivi o passado, mas sei da história da Cidade de Deus, Vila Kennedy… Essas transformações como o caso do Jorge [Santos de Oliveira], removido com a justificativa de que se construiria uma estrada, já aconteciam nos anos 1970. Houve ondas de remoções nos anos 1930 e 1970 a partir de diferentes programas urbanos e sociais. O ex-prefeito Cesar Maia, nos anos 1990, afirmou que o Rio precisava de um evento esportivo para “liberar” esta cidade. Agora os eventos são justificativas para se fazer qualquer coisa a favor das poucas pessoas para quem são oferecidos este megaeventos. Isso chamou minha atenção.

E você resolveu estudar o caso do Santa Marta?

Sim. Lá houve uma mudança da relação do morador com a casa própria. Hoje existem mais de 100 quartos que podem ser alugados lá. Uma proprietária tem mais de 30 casas e mais de 50 quartos. Eu morei, por exemplo, em um quarto de 8 metros quadrados e paguei R$ 800. Mais caro do que na Alemanha e com qualidade de vida menor. Mas no dia-a-dia eu gostei muito de lá e mudei minha pesquisa.

O que estudou?

Pesquisei como os próprios moradores percebem as mudanças urbanas. Fiz uma pesquisa qualitativa sobre as percepções e a utilização do espaço. As diferenças simbólicas e diferentes percepções entre os moradores são muito interessantes. Ainda não terminei a pesquisa, mas já tenho alguns dados e para mostrar aos moradores organizei com o Vitor Lira [morador e guia turístico do Santa Marta] uma trilha histórica. No final, apresentei os primeiros resultados da pesquisa aos moradores e visitantes para provocar uma discussão. Mostrei as diferentes utilizações e visões sobre as mudanças, como os safaris e a percepção, para alguns, de que hoje em dia é pior do que durante a ditadura militar, por exemplo.

Como foi feita a pesquisa?

Com entrevistas e com desenhos. Comecei todas as entrevistas pedindo aos moradores para desenhar o Santa Marta da infância dele e depois de falar sobre as mudanças pedi para desenharem o Santa Marta de hoje. Os desenhos são bem fortes.

Quando deve divulgar? Já tem alguma conclusão?

Até o fim do ano vou escrever minhas percepções e apresentar. Ainda não terminei as análises, mas uma conclusão que nunca imaginei é a fragmentação do próprio Santa Marta nas diferentes opiniões. Tem pais e mães que estão a favor da UPP para que os filhos possam brincar em frente de casa sem problema e há pessoas que são contra porque a polícia age igual. Ano passado houve o caso do Amarildo e as pessoas fizeram muita referência a isso. No início eu não entendi quando eles disseram que tem “muitos Amarildos”. Tem muitas pessoas desaparecidas desde a implantação da UPP. É muito interessante ver essas imagens, essa produção do espaço. Há muita fragmentação e o governo está se aproveitando disso.