Desta eleição poderíamos tirar mais de cem lições políticas, sociológicas, psicológicas, comportamentais, morais, religiosas, de marketing e tantas outras. A lista seria enorme. Haverá de ser feita toda uma série de análises sobre a situação dos partidos e sua atuação no Brasil concreto, de hoje. Páginas serão ditadas sobre a tal “ética” na política, sobre o nível das campanhas e sobre mais trocentos temas. Todos importantes. Quero falar só de um aspecto que acho pode ser um suporte para qualquer discussão sobre a eleição presidencial de 31/11. 

[Por Vito Giannotti]  O Brasil, de 2003 a 2010, viveu sete anos de crescimento econômico, devido a fatores nacionais e internacionais, e decisões políticas que levaram a isso. O capital ganhou muito dinheiro (bancos, grandes empresas, capital internacional, etc.). Carta Capital declara, sem medo de errar, que os dois projetos apresentados não assustavam o capital. Não é a toa que Abílio Diniz, Olavo Setubal e a indústria automobilística apoiaram a candidata que o Leblon e o Itaim Bibi detestam. Não houve a clássica divisão: de um lado, a burguesia; do outro, os trabalhadores. Cada um com seu candidato.  

Desta vez foi diferente. Não foi a alta burguesia produtiva, a burguesia moderna que se comportou como uma cria de pitbull com rotweiler contra a candidata da continuidade. Não foi a Fiesp sua principal inimiga.  

Qual foi, então, a classe que combateu com todas as armas, as lícitas e ilícitas, o sonho de quem queria continuar a garantir seu emprego, com o mínimo de direitos reconhecidos? Quem se horrorizou com a perspectiva de perder para sempre a empregada doméstica que dorme no emprego, nova senzala moderna? Quem quis acabar com a possibilidade de qualquer Zé ninguém entrar numa faculdade ou poder estudar numa escola técnica?  

É a classe que não admite que qualquer pé de chinelo possa comprar seu carrinho em 72 prestações. Estes miseráveis estão querendo demais: liquificador, geladeira, TV nova, celular, tudo eles querem. Eles agora querem ir a lanchonetes e até empesteiam os aeroportos com cada caras! Antigamente era tão bom! Cada um no seu lugar. Agora virou uma zorra total. 

Esse não é o pensamento do dono do Pão de Açúcar, que quer vender cada vez mais; e nem do dono do Itaú, que quer vender à prestação com altos juros. Menos ainda é o pensamento dos executivos das fábricas de automóveis, vislumbrados com lucros fabulosos no nosso país, capazes de cobrir prejuízos de outros cantos do mundo. 

Quem tem medo de Dilma Rousseff?

Então, quem fez a maior campanha de ódio jamais vista numa eleição no nosso país “de índole cordial?” Já sabemos seu endereço. Afora respostas mais elaboradas, há alguns números que falam por si.  A classe enfurecida com o bando de miseráveis, ex-miseráveis, meio-miseráveis que iriam votar na candidata guerrilheira mora nos Leblons, Ipanemas e Barras da Tijucas de todas as nossa capitais. 

São os escravocratas. Aqueles que, ainda hoje, sentem profundamente ter deixado acabar a escravidão no país, naquele longínquo 1888. Tava tão bom antes da Lei Áurea! Dava para ter empregadas domesticas à vontade e pedreiros, eletricistas, marceneiros, mecânicos baratinho. Agora eles cobram o olho da cara. 

Foi essa classe média alta, intelectualizada ou não (a diferença não é grande) que faz seus abortos chiques e andou por aí dizendo que a tal candidata inimiga “matava criancinhas”. Essa classe que espalhou o pavor do Brasil se tornar uma Venezuela de Chávez. Essa classe que aproveitou tudo: religião, medo, pavor e falou até que o vice da tal candidata “Tem pactos satânicos”.  

Alguma dúvida? Vejamos só, a título de exemplo, o resultado da votação onde mora esta classe parasitária escravagista. Em São Paulo, há dois bairros com o mesmo nome: ITAIM. Um, é Itaim Bibi. Bairro da classe alta, chique e ilustrada que toma vinho em taças maravilhosas. Outro é Itaim Paulista: bairro da periferia de Sampa, dormitório dos que trabalham nas fábricas, lojas, mansões dos de Itaim Bibi.  

Pois no BIBI, a votação foi nítida: 75% no candidato que levantava a Santa e comia hóstia, na campanha. No outro Itaim, o PAULISTA, a votação na ex-guerrilheira foi exatamente de 75%. Estranha simetria, não é? Nos dois lugares 75%, só que de lado oposto.

Vamos para a Cidade Maravilhosa: o Rio de Janeiro da Rede Globo. A votação entre o levantador de Santas e a ex-guerrilheira repetiu exatamente o que aconteceu na capital paulista. Em OLARIA, na zona norte, a votação da Dilma foi de 80,95%. Em Ipanema (irmãzinha do Itaim BIBI), Serra teve 72,84%.  

Qual a explicação? Os de Ipanema têm a resposta pronta na ponta da língua: “Esse povinho, esses miseráveis não sabem votar. São comprados, cooptados pelo Bolsa Família, Prouni, Pró-isso e Pró-aquilo. Que pena que o Brasil tem gente assim, não é?”  

Essa é a visão de uma classe que continua a existir. Existe, persiste e insiste em se manter.

O grande problema é que através da sua mídia ela consegue infectar a sociedade com suas idéias e vários daqueles miseráveis que tanto eles desprezam acabam votando no candidato que eles apóiam. Igual ao que acontece com a propaganda veiculada de todas as maneiras que impõe gostos e comportamentos. 

A tabela da Vergonha: Votação em bairros do RIO

(No município RIO: Dilma 60,48% / Serra 39,52%) 

Nº Urna

Bairro

SERRA %

DILMA %

21

OLARIA

19,05

80,95

161

BONSUCESSO

27.37

72,63

008

ENGENHO NOVO

27,89

72,11

118

ENG. LEAL/CASCAD.

27,58

72,42

168

DEL CASTILHO

28,24

71,76

162

PARADA DE LUCAS

29,95

70,05

 12

DOM HELDER CÂM.

33,11

66,89

25

SANTA CRUZ

33,19

66,81

22

IRAJÁ

34,47

65,53

 

 

 

 

165

IPANEMA

72,84

27,16

17

LEBLON

69,36

30,64

119

BARRA DA TIJUCA

69,28

30,72