Por Sérgio Domingues*

 

Em 08/09, Eduardo Febbro publicou excelente entrevista com Jacques Henno no site Carta Maior. No depoimento intitulado “Estamos todos vigiados e fichados”, o francês, especialista em novas tecnologias, alertou para o surgimento de “uma nova era marcada pelo nascimento de um lobby entre os militares, a informática, os dados e os arquivos”.

 

A introdução à entrevista destaca: “a Agência Nacional de Segurança estadunidense (NSA) rouba chaves de segurança, altera programas e computadores e força certas empresas a colaborar com o objetivo de ter acesso a comunicações privadas, tanto dentro como fora do território norte-americano”.

 

Ainda segundo o texto de Febbro com base na entrevista de Henno,  a “NSA não respeitou limite algum: correios eletrônicos, compras na internet, rede VPN, conexões de alta segurança (o famoso SSL), acesso aos serviços de telefonia da Microsoft, Facebook, Yahoo e Google, a lista dos novos territórios de caça é interminável”.

 

O entrevistado dá exemplos de como a espionagem americana desenvolve um serviço de rastreamento muito eficaz, amplo e detalhista. O que adquirimos com nossos cartões magnéticos, ou pela internete, pode colocar qualquer um de nós na lista de suspeitos por terrorismo, por exemplo.

 

É o caso de alguém que compre uma passagem para a classe executiva em um voo. Se essa pessoa nunca fez isso antes e não tem rendimento médio que justifique a compra, pode se tornar alvo de ações repressivas. A classe executiva fica próxima à cabine dos pilotos da aeronave e seria a preferida  de quem pretendesse cometer um atentado ou um sequestro.

 

Como resume muito bem Henno:

 

“… os norte-americanos exploram todas as informações que obtém de uma pessoa. Eles são, ao mesmo tempo, paranoicos e amantes da tecnologia. Paranoicos porque há muito tempo vivem armados. E amantes da tecnologia porque, cada vez que há um problema tratam de encontrar uma solução técnica e não forçosamente social ou econômica”.

 

O pior, diz o especialista, é que nós mesmos é que alimentamos esses grande banco de dados paranoico. Basta possuir uma conta de uma empresa estadunidense. “Se os dados que confiamos a Yahoo, Microsoft, Amazon, Facebook ou Google estão armazenados no território norte-americano, eles estão regidos pelo direito norte-americano”, diz Henno. E a legislação aprovada depois dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos permite ao governo local “requisitar os arquivos e dados que julgar necessários. Os dados que entregamos a essas empresas vão parar na NSA”, conclui.

 

A entrevista tem muitas outras informações importantes para a militância social. Diz, por exemplo, que no Facebook se publicam diariamente 350 milhões de fotos. Em um ano, são quase 130 bilhões de fotos. É a “maior base de imagens do mundo”, diz Henno. E muitos de nós o alimentamos todos os dias.

 

Diante disso, o que fazer? Poderíamos deixar de utilizar as novas mídias? Voltaríamos a nos comunicar apenas por papel impresso, a só utilizar os correios, discutir e decidir tudo presencialmente? Infelizmente, não. Essas mídias são resultado de uma nova organização do trabalho. Fazem parte dessa organização, novos meios de dominação política e ideológica. E isso obriga os movimentos sociais a responder com a maior agilidade possível.

 

Essa questão lembra um texto do revolucionário alemão Friedrich Engels. Em 1895, ele escreveu uma introdução para “As Lutas de Classes na França”, escrito por Marx, em 1850.

 

Em um determinado trecho, Engels aborda a questão militar. Avalia as dificuldades dos movimentos de insurreição para fazer frente aos novos arsenais da burguesia:

 

“Em 1848, era o simples fuzil a percussão; hoje em dia é o fuzil de repetição de pequeno calibre que atira quatro vezes mais longe, dez vezes mais certeiro e dez vezes mais rápido do que o primeiro. Antigamente, eram as granadas e os obuses de artilharia, relativamente pouco eficazes; hoje em dia, são os obuses a percussão, dos quais um só é suficiente para por em cacos a melhor barricada. Antigamente, era a picareta para derrubar muros; hoje em dia, são os cartuchos de dinamite”.

 

Essa situação levou Engels a concluir que a luta a partir de barricadas seria cada vez mais arriscada e facilmente derrotada pelas classes dominantes.

 

Muitos socialistas utilizaram essas palavras de Engels para justificar suas posições reformistas, de conciliação e traição às causas da luta proletária. Mas para fazer isso, esse pessoal costumava omitir um trecho do texto de Engels que não admitia essa conclusão. Dizia o seguinte:

 

“Isso quer dizer que no futuro o combate de rua não jogará nenhum papel? De jeito nenhum. Isso apenas quer dizer que as condições desde 1848 se tornaram muito menos favoráveis para os combatentes civis e muito mais favoráveis para as tropas. Um combate de rua não poderá, então, no futuro, ser vitorioso sem que essa inferioridade de situação seja compensada por outros fatores”.

 

Voltando às graves denúncias de Jacques Henno, talvez possamos fazer um paralelo com a situação abordada por Engels. Nossas barricadas nas mídias virtuais estão perigosamente minadas. Estamos na alça de mira das armas inimigas. Acreditar que somente a partir de nossos blogs, sites e contas virtuais seremos capazes de alterar essa situação de desvantagem é perigosa ilusão.

 

É verdade que não podemos abrir mão dessas armas, mas, como diria Engels, teremos que compensar sua inferioridade e os riscos que implicam por outros fatores. Entre eles, a criação de uma verdadeira imprensa dos setores explorados e oprimidos. Capaz de construir seus próprios instrumentos reais. Que conte com a colaboração de partidos de esquerda, sindicatos combativos, associações e entidades populares e movimentos sociais em geral. Além disso, é fundamental a destruição do monopólio das comunicações. Tarefa que os governos que ajudamos a eleger se mostraram covardemente incapazes de cumprir.

 

*Sérgio Domingues é sociólogo e autor do blog Píluas Diárias.