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Por Márcia Costa (texto e imagem), jornalista e pesquisadora cultural, São Paulo

O cinema de Jorge Furtado tem percorrido o Brasil para discutir o jornalismo. Neste mês (09) ele esteve no Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta (São Paulo), em sessão de exibição do seu documentário, O Mercado de Notícias, promovida pelo Barão de Itararé – Centro de Estudos da Mídia Alternativa, acompanhado do jornalista Leandro Fortes, da Carta Capital, e do ex-ministro do Esporte Orlando Silva.

Teatro e cinema se unem para falar do quarto poder. Em O Mercado de Notícias, Furtado, que não é jornalista, faz algo que caberia a nós, profissionais e pesquisadores da comunicação, espectadores e leitores, realizar sempre: uma crítica e uma reflexão sobre a imprensa brasileira. A linha condutora do filme é a peça de mesmo nome, de autoria do dramaturgo inglês Ben Jonson (1572- 1637), “The staple of news”, pela primeira vez traduzida para a língua portuguesa por Furtado e pela professora Liziane Kugland, que critica de forma bem humorada o jornalismo, então recém-criado em Londres. Enquanto jornalistas prestam depoimentos sobre a profissão, no palco atores representam o universo complexo do jornalismo, suas artimanhas e poderes.

No documentário, o cineasta lembra que o jornalismo se configura como um mercado há muito tempo. E esse drama antigo alcança hoje, como nos alerta Furtado, a beira do inconcebível, uma demonstração clara de visões partidárias e reacionárias que a imprensa usa para escrever a história do Brasil.

Como bem observou o professor Ismail Xavier (presente no encontro), Furtado utiliza o drama e seus personagens (tanto os da peça quanto os jornalistas que dão depoimentos), para nos fazer refletir sobre o fazer jornalístico e para reagirmos diante das mazelas do mundo da informação. E quantas mazelas! Da condenação do ex-ministro do esporte Orlando Silva pela imprensa, por conta de uma denúncia feita por um bandido (!) até a história da Escola Base, destruída pela mídia por conta de denúncias de explorar sexualmente crianças, situação absurda desmentida após acabar com a vida dos proprietários da instituição.

E hoje, na vida real (parece até ficção, tamanho o absurdo), o drama prossegue em ascensão, com a imprensa e sua visão branda e leve sobre escândalos do governo do PSDB em São Paulo, como a corrupção no metrô, em contraposição a uma campanha totalmente criminalizadora de todo o PT, que usa como pretexto ideal o mensalão, lembrou o cineasta. Furtado aproveitou também para alfinetar a almejada autonomia do Banco Central, uma ideia da “inovadora” Marina Silva, candidata que é resultado do processo da midiatização, do poder onipresente da imprensa de pautar a vida cotidiana.

Um jornalismo de mazelas faz escola incentivando a competitividade entre os profissionais, lembrou Leandro Fortes, citando os programas de trainee, ou “cursinho de monstrinhos” que as redações dos grandes jornais organizam, e que se transformam em verdadeiras gincanas, como aconteceu, por exemplo, na cobertura do mensalão, onde se recorreu ao vale-tudo.

Tal drama também tem suas aproximações com a comédia. Em oito anos de produção deste que é seu primeiro documentário, Furtado colecionou casos incríveis da história da imprensa, tão graves quanto ridículos, a exemplo deste, que arrancou risadas da plateia: eis que em março de 2004, a Folha de S. Paulo traz em sua capa uma “denuncia” envolvendo um quadro de Picasso, que “passa os dias debaixo de luzes fluorescentes e em meio à papelada de uma repartição do governo federal”, dividindo sua “moldura com restos de inseto”. A reprodução do supostamente valioso desenho, como investigou o documentário, vinha acompanhado de um retrato do Presidente Lula, com o claro objetivo de apontar a “insensibilidade” do governo federal com o valor da arte. Pois bem, a notícia percorreu a imprensa brasileira e internacional. Os jornais foram alertados de que o desenho, no entanto, era uma reprodução fotográfica, sem nenhum valor comercial, mas mesmo assim não desmentiram a informação. Um ano depois, o “Picasso do INSS” voltava às capas da Folha e do Estadão, em uma reportagem que conta que o quadro escapara de um incêndio. Mais uma vez alertados de que se tratava de uma reprodução sem valor, os jornais não voltaram atrás na sua teimosia e arrogância. O mais esdrúxulo é saber que o desenho de Picasso foi dado ao INSS como pagamento de uma dívida!

Este e outros casos estão registrados no site oficial do filme (http://www.omercadodenoticias.com.br/), onde o debate continua, trazendo também a íntegra dos depoimentos e da peça, informações sobre o projeto e artigos sobre jornalismo. A partir deste documentário, Furtado nos convida a reagir aos absurdos que temos até então tolerado, e a voltarmos profundamente nossa atenção ao poder da mídia. Na visão de Muniz Sodré, ela, mais que um quarto poder, é um bios, uma forma de vida (bios midiático), influenciando nossas decisões a cada atualização de notícias, em tempo real.

Pensemos junto com Furtado: quantos juízos de valor, quantas consciências são formadas por conta da midiatização de determinados temas e enfoques? Apesar do drama que revela, o documentário é uma busca do cineasta por valorizar o jornalismo e pensar o seu futuro, já que o tradicional perfil do jornalista intelectual, compromissado com os rumos da sociedade, tem sido substituído pelo tipo “tarefeiro” que se instalou hoje nas redações, conforme citou Leandro Fortes. Hoje, do jornalismo, que tal qual o teatro se configura em uma representação do real, o mínimo que esperamos é poder contar com bons atores. Que eles desempenhem bem o seu papel.

Drama no jornalismo, drama na arte. Os artistas podem colaborar com uma melhoria do jornalismo? Ouça o que Furtado pensa sobre isso: