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  Por Enzo Menezes / Observatório da Imprensa

O lançamento da parceria entre Facebook e veículos de mídia (os americanos The New York Times, NBC News, BuzzFeed, National Geographic e The Atlantic e os europeus BBC News, The Guardian, Bild e Spiegel) apresenta uma oportunidade incomum para incremento de receitas e audiência dos veículos, agilidade para os internautas acessarem conteúdo e concentração de tráfego para o Facebook. A publicação dos artigos diretamente na plataforma (“Instant Articles”) foi apresentada como revolucionária e atraente para todos os envolvidos.

Quem não gostaria de reduzir de cerca de 10 segundos para quase nada o tempo para abrir notícias sem sair do Facebook no celular? Qual veículo, dado o estado do mercado publicitário, não gostaria de salvar as receitas do mês fazendo um acordo com Mark Zuckerberg, e de quebra aumentar exponencialmente a base potencial de leitores?

O problema aparece na terceira variável: para que esse cenário dos sonhos se realize, é preciso que os leitores se contentem em deixar no FB mais “pegadas” de sua vida online, que jornais abram mão do controle sobre o próprio tráfego e, o que parece ser mais inovador, que os jornais submetam os elaborados manuais de redação e as linhas editoriais às políticas de uso do Facebook.

O próprio NYT colocou a pergunta em evidência: “O que acontece quando editores decidirem que o certo, jornalisticamente, é mostrar foto com seios que o Facebook não permita?”

Direitos sobre o conteúdo

Afinal, se vão publicar reportagens diretamente na plataforma, e não linkar conteúdo para seus sites, os grupos de mídia serão submetidos às regras de publicação do Facebook. Um conflito permanente para a maioria das reportagens, com a transferência do poder de julgar o que é jornalisticamente relevante para uma organização nada transparente e menos ainda “neutra” ou “imparcial”. Isso sem entrar no mérito do direcionamento de conteúdo provocado artificialmente pelos algoritmos da rede social.

Se o FB cumprir o que promete nas letras miúdas dos termos de acesso que todo mundo assina sem ler, o The Guardian deixará de publicar alguma reportagem – ou será censurado – em nome do acordo que estabelece os Instant Articles? Caso as políticas do site mudem, a BBC News pode cair na mesma armadilha da Zynga?

Como uma corporação pouco transparente na política de exclusão e avaliação de conteúdo impróprio, o Facebook passa a ter direitos sobre o conteúdo das empresas – baseado em qual decisão? Quem é o comitê do Facebook que decide sobre exclusões?

Conflitos com os Termos de Serviço

Quem possui um perfil na rede social provavelmente se cadastrou sem ler os Termos de Serviço (TS). Eles estabelecem direitos do Facebook sobre o que é publicado pelos usuários. Portanto, cabe analisar determinados artigos do termo para entender a quais medidas os grupos de mídia devem ter concordado ao publicar “Instant Articles”.

TS, Capítulo 2, Item 1: “Você nos concede uma licença global não exclusiva, transferível, sublicenciável, livre de royalties para usar qualquer conteúdo IP publicado por você ou associado ao Facebook” (grifos do autor).

No capítulo 3 dos TS, os itens 6 e 7 mostram que o FB poderia deletar boa parte das postagens dos seus amigos, como discursos de ódio ou bullying. Ou reportagens que potencialmente violassem tais termos.

“6 – Você não irá intimidar, assediar ou praticar bullying contra qualquer usuário.”

“7 – Você não publicará conteúdo que: contenha discurso de ódio, seja ameaçador ou pornográfico; incite violência; ou contenha nudez ou violência gratuita ou gráfica”.

Uma reportagem policial poderá ser considerada incitação à violência? Uma entrevista com um líder político polêmico seria enquadrada como discurso de ódio? A BBC concordaria em fazer uma crítica de cinema sem fotos de Azul é a Cor Mais Quente? E uma matéria sobre amamentação ouíndios na Amazônia? O Facebook, teoricamente, pode levar veículos tradicionais, que prezam pela independência editorial, a uma inédita e perigosa inflexão no conteúdo postado na rede.

O item 8 proíbe até desenvolver aplicações “com conteúdos relacionados a álcool, encontros ououtro conteúdo adulto (incluindo anúncios) sem as restrições apropriadas com base em idade”. Definitivamente, a Vice não pode assinar esse acordo.

[Aqui vem um off-topic: o item 2 do capítulo 4 proíbe usar “sua linha do tempo pessoal para seu próprio ganho comercial”. Portanto, avise seus tios que eles não podem mais vender doces nem aquele celular usado sem criar uma página comercial no Facebook (!)].

O capítulo 5 dos TS contém uma restrição clara ao conteúdo de qualquer denúncia contra políticos. (Item 8: “Você não deve publicar documentos de identificação ou informações financeiras confidenciais de terceiros no Facebook). Teoricamente seria o momento de esquecer qualquer denúncia de corrupção ou lavagem de dinheiro. Ou talvez uma chance do suspeito ganhar um processo contra o repórter por violações às regras de postagem da plataforma…

Caso você more na Califórnia, o capítulo 15 prevê no item 3 – o único em maiúsculas de todo o termo – que quem aceitar os termos do FB “ABDICA DO CÓDIGO CIVIL DA CALIFÓRNIA §1542” (….) e isenta “A NÓS, NOSSOS DIRETORES, EXECUTIVOS, FUNCIONÁRIOS E AGENTES DE QUALQUER RECLAMAÇÃO OU DANOS”. Quando preciso abdicar da lei do meu Estado para usar o Facebook, preciso questionar a independência da empresa e a qualificação do usuário como sujeito de direitos.

Estes itens se referem somente aos Termos de Serviço. O FB ainda possui diversas outras normas, como Termos de Pagamento, Diretrizes de Propaganda e de Plataforma.

Controle do conteúdo

Em matéria assinada por Nelson de Sá na Folha de S.Paulo, na terça-feira (19/5), temos respostas para parte destas perguntas. E elas reforçam o poder de veto de Mark Zuckerberg ao conteúdo dos Instant Articles. O Facebook informa que “esse conteúdo não é tratado de forma diferente de todos os outros publicados no Facebook” e, portanto, devem obedecer aos “nossos Padrões de Comunidade”.

Os perigosos mamilos entram na justificativa: “Restringimos algumas imagens de seios (…). Removemos fotos com focos em nádegas totalmente expostas (…) removemos ameaças reais feitas a figuras públicas, bem como discursos de ódio”.

Portanto, acreditar que o Facebook tenha interesse em trivialidades como “democratização do acesso à internet” é análogo a pensar um banco como instituição de caridade comprometida com a “democratização do crédito” para os correntistas. A venda de publicidade com a mineração de dados é a resposta para os planos mais óbvios da rede social.

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Enzo Menezes é jornalista