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[Por Gaudêncio Frigotto] Um dos temas mais cruciais hoje para a vida democrática no Brasil é a necessidade inadiável de assumir o debate sobre as corporações empresariais que detêm o monopólio da informação. Não por acaso, um tema que, de imediato, essas próprias corporações esgrimam em suas redes de TV, rádio e seus jornais, no esforço de convencer mentes e corações que a censura voltou e se está cometendo o maior atentado contra a democracia. Democracia por elas entendida como defesa do mundo privado.

O filme documentário de Camilo Galli Tavares, O dia que durou 21 anos, mostra o quanto foi decisiva a grande mídia no golpe civil e militar de 1964. O que se revela no documentário é que esta mídia agiu nos bastidores com políticos brasileiros e dos Estados Unidos e, diretamente, com as pautas diárias a induzir a opinião da classe média e das grandes massas, a respeito da suposta ameaça comunista, que estaria às nossas portas.

Mas valeria, também, analisar os tempos que precederam a morte de Getúlio Vargas. Esse retrospecto pode nos ajudar a ver com meridiana clareza que esta mesma mídia está implicada diuturnamente em fomentar as massas para manter privilégios de grupos e, no momento, legitimar o golpe institucional que representa um retrocesso pior, porque mais profundo, do que o golpe de 1964.

As consequências sociais e políticas podem ser dramáticas, pois as três décadas de frágil ordem democrática permitiram formar sindicatos, organizações científicas, culturais e movimentos sociais e populares que não existiam em 1964 e que certamente não se calarão. Os efeitos podem não ter sido vistos no dia seguinte ao golpe consumado, mas logo quando grandes massas se perceberem a manipulação a que foram submetidas por uma minoria rica, cínica e prepotente representada em todas as esferas institucionais do país.

Pela Constituição brasileira, os meios de comunicação são concessão do Estado e deveriam atender aos interesses universais e não privados. Portanto, interesses democráticos. Mas a imprensa empresarial privada e monopolizada é, por definição, antidemocrática. Vale dizer, atende aos interesses de grupos e não aos interesses da sociedade no seu conjunto. O argumento de que o controle social da mídia é censura dissimula o caráter de censura da grande mídia empresarial ao pensamento divergente, fermento da ordem democrática.

Os estudos acadêmicos sobre o caráter parcial, direcionado, seletivo da grande mídia monopolizada são abundantes. No plano internacional, as análises de um dos maiores sociólogos do século 20, o francês Pierre Bourdieu, e do linguista e cientista político Noam Chomsky, mostram o quão parcial e demolidora dos direitos à informação livre é a mídia monopolizada mundialmente.

No Brasil, poucas vozes de juristas, políticos e intelectuais têm se manifestado sobre o risco da manipulação midiática para a manutenção e aprofundamento da ordem democrática e, consequentemente, para avanços nas reformas estruturais historicamente postergadas e que nos constituem como uma sociedade das mais desiguais do mundo. Desigualdade que está na origem de todas as formas de violência, tão banalizadas pela mídia empresarial.

O que se está presenciando pela pauta dominante da grande mídia empresarial, sem dúvida o maior partido ideológico atual no Brasil, torna mais que atuais as afirmações feitas pelo jornalista húngaro Joseph Pulitzer. “Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma (grifos meus)”

Na mesma direção, de candente atualidade, é o destaque que o Eric Hobsbawm dá em seu livro Tempos Fraturados (Companhia das Letras, 2013) ao que o escritor alemão Karl Kraus observou sobre o papel da mídia no contexto da primeira Guerra Mundial. Hobsbawm destaca que “a imprensa não só expressava a corrupção da época, mas era, ela própria, a grande corruptora, simplesmente pelo “confisco dos valores através da palavra”. E apoiado em Confúcio sublinha que quando não “se diz tudo o que deve ser dito e se quer dizer, o que precisa ser feito não será feito; se isso não é feito, a moral e a arte se deterioram; se a justiça se extravia, o povo esperará em impotente confusão”( p.162)

Por fim, em meados do século 20, na coletânea de textos de Pier Paolo Pasolini, publicada em 1990 pela editora Brasiliense com o título Jovens Infelizes, este autor de vasta obra, observando o papel da imprensa no pós-Segunda Guerra Mundial, assinalava que o fascismo arranhou a Itália, mas o monopólio da mídia arruinou. O magnata da mídia Berlusconi é a expressão política mais candente da ruína a que foi submetida a Itália.

Há que denunciar e combater a corrupção, mas não seletivamente e, sim, sob todas as formas e todos os envolvidos. Corrupção por propinas a políticos, corrupção por evasão fiscal, corrupção da dívida pública etc. Para aqueles que lutam pela efetiva democracia e o esforço de construir uma nação não é termos uma imprensa de monopólio estatal ou empresarial, mas uma imprensa com controle social de forma institucionalizada, para que, sobre todos os temas de interesse universal, não se diga apenas meias verdades, pois isto é pior que a mentira.

***Gaudêncio Frigotto é filósofo e doutor em Educação, História e Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente professor na Faculdade de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.