[Por Wright Mills – 1966] – Acreditar que a “ideologia segundo a qual os homens se tornam conscientes dos conflitos de classe e se empenham na luta” é determinada unicamente “pelas contradições materiais” é desprezar o papel positivo dos veículos de comunicação de massa. Se a consciência dos homens não determina sua existência, a existência material também não determina sua consciência: Entre consciência e existência há as comunicações, que influenciam a consciência que os homens têm de sua existência.
[No livro “A Nova Classe Média”, ed. Zahar, RJ. 1976 (o livro original é de 1966) – pp.350-357].

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Sem dúvida, os homens “entram em relações necessárias e definidas que são independentes de sua vontade”, mas as comunicações intervêm para desviar os sentidos dessas relações para os homens que estão de diferentes modos envolvidos nelas. As formas da consciência política podem, em última análise, estar relacionadas com os meios de produção, mas, na origem, estão ligadas aos conteúdos dos meios de comunicação de massa.

No tempo de Marx, não havia rádio, cinema ou televisão; existia apenas a matéria impressa, que, segundo ele demonstrou diversas vezes, era formada de tal maneira que permitia a um indivíduo empreendedor fundar um jornal ou uma revista. Era mais fácil negligenciar o papel dos mass media, ou subestimá-los, quando sua influência não era tão persuasiva, embora fosse mais acessível, e, não obstante a censura política, mais competitiva.

O que Edward Ross afirmou a respeito dos costumes também se aplica às comunicações de massa de hoje; seu principal apoio é “o pavor da automutilação. De fato, renunciar ao costumeiro [ou à rotina das comunicações de massa] é alienar parcelas de si mesmo, rasgar a fina cobertura que protege nossa substância.” O jazz comercial, a novela radiofônica, o romance popular, as histórias em quadrinhos, os filmes determinam as imagens, os maneirismos, os padrões e os objetivos das massas urbanas. De uma forma ou de outra, todos somos iguais diante dessas máquinas de cultura; como a própria tecnologia, os meios de comunicação de massa têm uma incidência e uma atração praticamente universais. É uma espécie de denominador comum, uma espécie de esquema para emoções de massa programadas de antemão.
Nessas artes de massa, em vez de uma forma, há uma fórmula; elas não levam a qualquer “revelação final”, mas esgotam-se no exato momento em que surgem. Como observou Milton Klonsky, “o que forma a grande indistinção entre as artes de massa e a vida contemporânea é que elas se refletem tão exatamente, em cada traço, que é quase impossível distinguir a imagem de sua fonte. Ambas colaboram para formar um mito comum… Os heróis fictícios desse mito são os arquétipos aos quais as massas procuram assemelhar-se, os modelos segundo os duais elas conformam seu comportamento.” Estamos a tal ponto mergulhados nas imagens criadas pelas comunicações de massa que já não as vemos, e muito menos os objetos que elas supostamente representam. Na verdade, os meios de comunicação de massa estão atualmente organizados de tal maneira que nos expropriam a capacidade de visão.
Há a cena do evento real, as imagens dessa cena e as reações que ele provoca. Entre a cena e a resposta está a imagem criada pelos veículos de comunicação de massa. Os eventos externos ao ambiente estreito de nossa rotina semanal têm pouca significação e, de fato, são em grande parte desconhecidos, exceto na medida em que são omitidos, deformados ou relatados pelos mass media. O sistema de comunicações de massa dos Estados Unidos não é autônomo; reflete a sociedade, mas de maneira seletiva; reforça determinados aspectos, generalizando-os, e através dessa generalização e reforço cria todo um mundo. Na medida em que a vida das pessoas ultrapassa o âmbito de seus contatos imediatos, é nesse mundo que elas devem viver.
É impossível compreender as formas e conteúdos da consciência política, ou de sua ausência, sem fazer referência ao mundo criado e alimentado por esses veículos de comunicação. As privações e inseguranças decorrentes de posições estruturais de mudanças históricas não podem ser politicamente simbolizadas se esses veículos não as inserirem em contextos apropriados, dando-lhes assim um significado geral e comunicável.

A consciência da classe, ou sua ausência, por exemplo, implica não só a experiência objetiva do indivíduo de sua situação de classe, mas as comunicações às quais ele está exposto. Suas opiniões sobre toda uma série de problemas é de certo modo uma função de sua situação vivida, mais seus contatos diretos com outras pessoas, mais as influências das comunicações de massa. E geralmente essa última é que determina seu padrão de realidade, seu padrão de experiência.
Os conteúdos das comunicações de massa são hoje uma espécie de denominador comum das experiências, sentimentos, convicções e aspirações americanos. Eles se estendem a todos os ambientes físicos e sociais, e como descem cada vez mais na hierarquia das idades, são recebidos antes da idade da razão, sem que se tenha consciência disso de maneira explícita. Os conteúdos das comunicações de massa infiltram-se na imagem que fazemos de nós mesmos, transformando-se naquilo que se aceita por convenção e de maneira tão imperceptível e segura que modificar drasticamente esses conteúdos no espaço de uma geração ou duas seria alterar profundamente a experiência e o caráter do homem moderno.
O mundo criado pelas comunicações de massa inclui poucos debates sobre significações políticas, e muito menos se interessa por sua dramatização, nem em apresentar reivindicações e esperanças bem definidas. Ao contrário, no nível da informação política explícita temos o noticiário rápido do rádio ou da televisão, uma coluna ou pequena notícia nos jornais, algumas mesas redondas e editoriais. Nesses veículos, as comunicações de massa apegam-se aos símbolos políticos e personalidades dominantes; mas, como procuram forçar uma ligação convencional a esses símbolos e personalidades, elas padronizam-nos e repetem-nos com tamanha insistência que eles se tornam vulgarizados, e os indivíduos só se ligam a esses símbolos por uma reação convencional, como preferem determinada marca de roupas. Os clichês predominantes têm, subjacentes a eles, todo o espírito das técnicas de comercialização; a política é reduzida a fórmulas que se repetem continuamente; segundo os termos dos manuais de publicidade, deve-se “estabelecer um contato, criar um interesse, fixar uma preferência, fazer propostas especificas e fechar um pedido”. Criam-se “campanhas de publicidade” para “vender o sistema americano”, com “uma força-tarefa de uma agência”, cujo serviço número um é “sublinhar o ideal da livre iniciativa”, e “mostrar aos americanos que a classe patronal, o operariado e todos os outros grupos concordam que o sistema americano deve trabalhar no sentido do objetivo essencial de elevar o nível de vida. “, e assim por diante. Os símbolos vigentes são apresentados de maneira artificial e pomposa, como nos manuais de instrução cívica-,-ou com um toque de falso humanismo, que impede todo envolvimento pessoal ou ligação profunda.
Enquanto vulgarizam as ligações e exigências vigentes, as comunicações de massa não exibem ligações contrárias ou outras exigências. Elas são polidas, isto é, disfarçam a indiferença sob a forma de tolerância ou largueza de espírito; e reforçam desaprovação que se costuma fazer às pessoas que são contra. Vulgarizam os grandes problemas em bate-bocas pessoais, em vez de humanizá-los explicando o que significam para cada um de nós. Formalizam a aderência aos símbolos vigentes pela padronização devota de lugares-comuns, e quando dão um tratamento “sério” aos problemas, apenas apresentam com mais detalhes esses mesmos lugares-comuns, em vez de apresentar em primeiro plano a significação humana dos acontecimentos e decisões políticos. Sua cobertura detalhada provavelmente só é assistida pelos que já estão interessados no problema, o material deformado pelos que já concordam com a deformação.
Reforçam o interesse e a deturpação, mas não criam um interesse novo expondo entrechoques autênticos de opinião. Os símbolos vigentes são tão inflados pelas comunicações de massa, a aceleração ideológica é tão grande, que esses símbolos, aumentados, intensificados e mais persuasivos se desgastam e são objeto de desconfiança. As comunicações de massa detêm o monopólio das ideias mortas; elas descobrem para: nós os arquivos do vazio político. Vulgarizar os símbolos vigentes sem oferecer contra-simbolos, mas sobretudo desviar a atenção dos fatos políticos explícitos, tornando a “política” uma coisa enfadonha e batida — é essa a situação política das comunicações de massa, que reflete e reforça a situação política do país.
O conteúdo político explícito dos meios de comunicação de massa é, afinal, uma parcela muito pequena do tempo e espaço de que eles dispõem. Esse conteúdo mal apresentado deve competir com todo um mecanismo de diversões num contexto comercial de desconfiança. Os especialistas mais experientes e os talentos mais bem pagos são reservados para o mundo fascinante do esporte e do lazer. Esses mundos rivais, que em sua extensão atual existem apenas há 30 anos, desviam a atenção do público do setor político, apresentando um conjunto de interesses permanentes, de figuras míticas e estereótipos animados. 0 comício político do tempo do empreendedor, para o qual todos se dirigiam, numa época em que os problemas políticos não eram decisivos, é substituído pela criação de alternativas fascinantes, para as quais os homens da nova sociedade, numa época em que a política é objetivamente crucial, podem-se voltar sem fazer qualquer movimento do corpo ou do espírito.
A atenção do público, num ambiente escurecido, é absorvida pelas imagens que passam pela tela; a voz sonora, erótica, misteriosa, engraçada do rádio fala para você; a emoção do crime fácil relaxa suas tensões. Em nossas condições de vida, tudo isso fascina e tem efeitos profundos: a cultura popular não é apresentada como “propaganda”, mas como entretenimento; as pessoas são expostas à sua influência geralmente quando têm o espírito mais relaxado e corpo fatigado; e suas personagens oferecem modelos fáceis de identificação, respostas fáceis a problemas pessoais estereotipados.

A imagem do sucesso e sua psicologia individualizada constituem o aspecto mais vivo da cultura popular e o meio mais eficaz de desviar a atenção da política. Praticamente todas as imagens da cultura popular referem-se a indivíduos, particularmente a determinados tipos de indivíduos que conseguem seus objetivos pessoais por métodos individuais. A ficção e o documentário, o cinema e o rádio — de fato, quase todos os aspectos contemporâneos das comunicações de massa — acentuam o êxito individual. Tudo o que se consegue é por intermédio do esforço individual, e quando se trata de um grupo, ele é apresentado como uma fileira que segue os passos de um líder extraordinário. Jamais se vê uma ascensão coletiva por ação coletiva no sentido de objetivos políticos, mas indivíduos que obtêm por esforços estritamente pessoais num ambiente hostil objetivos econômicos e eróticos pessoais.
A arte popular sempre dramatizou os tipos sociais, embora só os retratos ajustados à realidade estatística possam dar uma imagem exata da estrutura de oportunidades. No entanto, a exceção individual e não a regra da massa é que é escolhida, divulgada e generalizada pelos meios de comunicação como um critério-modelo. As estórias de Horatio Alger sobre o rapaz da banca de jornais que subiu na vida por suas virtudes pessoais podem parecer ridículas para as vítimas da depressão impessoal; e, no entanto, milhões acompanham as estórias de Mickey Mouse e do Super-Homem; ora, há uma nítida conexão entre Horatio e Mickey. Ambos são “gente modesta” que luta para abrir um caminho até o alto, sem se preocupar com outra coisa a não ser eles próprios — são indivíduos totêmicos vistos no milagroso rito do êxito pessoal, superando tremendos obstáculos graças à sorte. Os heróis recentes tornaram-se mais engenhosos em suas práticas; vencem através de truques, e muitas vezes punhaladas nas costas; as lutas que eles travam são mais sujas do que as de Horatio.
O cowboy e o detective, tipos padronizados da cultura popular, só pensam no êxito individual, embora muitas vezes seja necessário santificar os métodos violentos relacionando seus motivos a fins mais amplos. Mas são homens independentes: “Quero ser dono de mim mesmo”, dizem, “quero fazer o que me agrada.”
A fácil identificação com o êxito individual tem a contrapartida, observou Gunnar Myrdal, “da extraordinária ausência de um movimento popular autodisciplinado e organizado na América”. As comunicações fazem convergir a atenção do público não para aventuras coletivas, nem mesmo sobre fantasias egocêntricas, mas para o êxito individual de outras pessoas. Esse romantismo generoso do sucesso, que se baseia numa identificação fácil com os homens que vencem, diminui certamente a pressão psicológica provocada pela desigualdade econômica, pressão essa que, de outro modo, poderia encontrar uma saída coletiva numa ação política destinada a concretizar o ideal social de uma igualdade de riqueza e de poder.
Apenas algumas das principais personagens dos filmes buscam objetivos sociais, a maioria está empenhada em defender objetivos limitados a seus círculos imediatos. “O interesse pelos indivíduos”, escreve Leo Lowenthal, colocando-se num plano mais geral, “tornou-se’ uma espécie de mexerico de massa.” Esse interesse e o modo de- satisfazê-lo e produzi-lo não são, porém, os mesmos dos séculos XVIII e XIX. As personalidades escolhidas para as biografias populares não ‘ são mais modelos em relação aos quais os homens podiam aperfeiçoar-se, com o objetivo de realizar um empreendimento individual sério; ao contrário, são ídolos do lazer e do consumo, interessados apenas em suas vidas particulares, seus amigos úteis, seus hobbies, seu estilo de consumo — sobre os “acessórios psicológicos” que os equipam para o sucesso. -Na apresentação desses heróis, conclui Leo Lowenthal, “a linguagem da promoção de vendas substitui a linguagem do julgamento moral. Apenas falta o preço numa etiqueta.” Eles são pseudo-indivíduos expostos num setor não-sério da vida. Seus “problemas” surgem e são resolvidos individualmente, por intermédio de seus próprios” vícios e virtudes, e a inveja aue provocam converge para o indivíduo e não para sua posição’ na estrutura social. O fascínio do êxito individual não atrai a inveja individuaI ou o ressentimento coletivo, mas o respeito e a veneração.

Os conteúdos dos meios de comunicação de massa são freqüentemente responsabilizados pela ignorância política do público. E verdade que apenas 21% do público “têm uma ideia razoavelmente exata do que seja a Declaração dos Direitos”; é verdade que apenas a metade diz saber o que seja um lobbyist e que, entre estes, muitos são incapazes de lembrar um grupo qualquer que sustente lobbyists etc. Entretanto, no passado, as pessoas instruídas não tinham o monopólio da vigilância política, e muito menos da revolta. Além disso, é preciso indagar por que as pessoas são tão ignorantes, dado o tremendo volume das comunicações de massa e o aumento das populações escolares.
O sistema educacional é visto, com razão, como outro veículo de comunicação, de interesse local e com um público garantido de jovens. O conteúdo politic6 das instituições de ensino, mesmo quando elas fazem esforços mais liberais, é freqüentemente desprovido de imaginação, e serve para lançar as bases para o desvio de atenção procurado pelos outros vek culos de comunicação, no sentido da vulgarização, fragmentação e confusão do setor político. Com seus cursos de civismo complicados e enfadonhos, e sua ideologia inexpressiva,. as escolas não podem concorrer com a cultura popular e seus ídolos fascinantes. Se, às vezes, compreendendo isto, procuram imitar essa cultura e seus métodos de apresentação, vulgarizam de mais os assuntos sem torná-los menos enfadonhos. As pessoas formadas pela educação _de massa são talvez as que menos se interessam pela política, porque foram as mais expostas à propaganda detalhada dos manuais de civismo. Tanto se lhes meteu na cabeça a imagem convencional dos ídolos da política americana, que elas acabaram inteiramente embotadas. A cultura popular penetra em todas as classes da população americana; mas, em virtude das diferenças de idade e sexo, talvez seja entre as jovens empregadas e os homens de casaco negro que a influência é mais forte. Esses dois tipos estão no próprio centro da cultura secundária, que é o objetivo capital das comunicações de massa; como uma nova classe média inferior, -eles representam um mercado ansioso por adquirir em bruto a sua produção.
Mas por que as agências que controlam as comunicações de massa mantêm esse conteúdo apolítico, ou falsamente politico? Naturalmente os proprietários e dirigentes dessas agências formam um pequeno grupo interessado em apresentar histórias de êxitos individuais e outros divertimentos, e não em mostrar a realidade dos sucessos e das tragédias coletivos.

Mas o fato de que essas agências de comunicação de massa representam grupos de interesses não é suficiente para explicar o seu conteúdo político. Embora não seja verdade que as preferências e opiniões dos consumidores dirijam sua produção, é certo que, se bastantes indivíduos se sentissem capacitados para boicotar esses programas, os produtores de filmes, as agências de propaganda e os departamentos de pessoal procurariam um meio de adotar novas políticas. Assim como muitas pessoas pobres e isoladas não sabem o que e uma habitação decente porque nunca a viram; a maioria dos freqüentadores de cinema e ouvintes de rádio também não sabe o que os filmes e os programas de rádio poderiam ser. As pessoas aceitam o conteúdo atual, e gostam dele, porque não conhecem outras possibilidades; estão fortemente predispostas a ver, ouvir e ler o que se lhes acostumou a ver, ouvir e ler. Contudo, não devemos esquecer as bases sociais de sua receptividade fascinada.
Para compreender o entusiasmo permanente com o conteúdo atual das comunicações de massa, é preciso ir além da psicologia dos indivíduos apáticos e incultos e dos interesses das agências. Sem dúvida, esses veículos de comunicação criam, mas igualmente reforçam tendências existentes, satisfazem desejos existentes. Facilitam e concentram os impulsos e as necessidades que encontram diante deles. Há uma estreita interação entre as comunicações de massa e o público, na medida em que as necessidades são não só satisfeitas como inculcadas. Para compreender as bases da receptividade do público e o conteúdo das comunicações, é preciso ir além dos veículos em si, e estudar a estrutura sócio-histórica do mundo político americano.