Postado em 12/11/2007 às 13:45:30

Por Vito Giannotti e Reginaldo Moraes (*)

De quatro anos para cá, no 1º de Maio, temos assistido a espetáculos deprimentes. Milhões de pessoas tratadas como pedintes, correndo atrás de prêmios, distribuídos dizendo que é por causa do 1º de Maio. Na verdade o objetivo é juntar uma multidão e mandá-la levantar a mão a uma ou duas perguntas centrais.

Fazer com que, essa multidão, que não tem noção do que está sendo posto em votação, levante seus braços e aprove coisas como a retirada dos direitos, ou nos anos passados, a introdução do contrato coletivo, sem direitos trabalhistas. Essa prática é a negação de toda a tradição internacional da luta dos trabalhadores. Com ela, a Central sindical dos patrões, a chamada Força Sindical, presta um grande serviço aos seus donos. Esta Central nasceu para servir aos interesses desta classe e está cumprindo perfeitamente seu papel.

Mas, quais as lições que tiramos do nosso passado, sobre o 1º de Maio? Qual foi a tradição durante todo o século XX, da nossa classe trabalhadora? Como o Brasil se inseriu na história das lutas do mundo do trabalho? Para resgatar esta memória vamos dar uma rápida olhada em quatro momentos da nossa história:

* O começo da industrialização com seus primeiros “Dia dos Trabalhadores”. O 1º de Maio de 1906 e 1907;

* A tentativa de Getúlio Vargas de roubar aos trabalhadores o sentido do 1º de Maio. Anos 1940-1945;

* O desejo da Ditadura militar de enganar os trabalhadores. O 1º de Maio de 1968, em São Paulo;

* A gestação da CUT no 1º de Maio de São Bernardo. Estádio de Vila Euclides: 1º de Maio de 1980.

Estes exemplos podem nos levar a várias reflexões, neste imediato pós- maio de 2002. Que a Farça Sindical esteja fazendo seus bingos, isto já é favas contadas. Mas sem dúvida, na área combativa as coisas não andam tão bem assim. A capacidade de mobilização da única Central que quer combater governo e patrões, a CUT, está pequena. Olhar para nosso passado recente e dele tirar as lições é um dos melhores remédios.

1ª parte — 1906-1907: o começo da industrialização

No 1º de Maio, a luta pelas 8 horas

Vito Giannotti

Desde 1890 a classe operária, no mundo fazia do 1º de maio o dia internacional a luta dos trabalhadores. No Brasil, pequenos grupos de operários socialistas, já naquele ano, começaram a falar desta data e da luta pela redução da jornada de trabalho.

A partir de 1985, em Santos, se realizaram reuniões e pequenas manifestações sobre esta data.

Dez anos depois, no começo de 1906, no Rio, a Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ), convida sindicatos e organizações operárias do país para uma reunião nacional. Em 15 de abril, no Rio, capital federal e maior cidade da América Latina, com meio milhão de habitantes, iniciou-se o Iº Congresso operário Brasileiro. Uns cinqüentas operários se reuniram para organizar suas lutas. Decidem criar uma confederação Nacional, a COB, e seu jornal quinzenal, a Voz do trabalhador. Por decisão unânime, a luta central da recém criada COB, deveria ser a conquista das 8 horas.

Para isto a data comum da Luta estava marcada: 1º de Maio do ano seguinte. Um dia que fosse “um protesto de oprimidos e explorados”. E o Congresso decide “investigar as organizações (…) para que o operariado do Brasil no dia 1º de Maio de 1907 imponha as 8 horas de trabalho”.

Durante aquele ano de 1906, aconteceram varias greves pelas 8 horas. Quase todos os setores da construção civil do rio pararam e conquistaram, pelo menos, momentaneamente, as 8 horas. Os ferroviários de Jundiaí, a 50 km de são Paulo, fizeram uma greve que terminou com vários mortos e feridos e a promessa das 8 horas em 1º de Maio de 1907. Em Porto Alegre, em setembro, há uma greve de varias categorias e conseguem 9 horas de trabalho em todas as fabricas.

Em São Paulo, cidade com quase trezentos mil habitantes, a policia ocupa a Praça da Sé e ruas próximas para impedir a manifestação do 1º de Maio. A manifestação não acontece, mas dias depois param as fabricas da capital e de varias cidades do interior. Prisões e espancamentos de grevistas, como de costume. Muitos estrangeiros serão expulsos do país como “agitadores”.

Vários setores da construção civil, após quase um mês de greve conseguem as 8 horas. Claro que foi só no papel para acabar a greve. O governo, logo em seguida faz aprovar uma lei que reconhecia o direito da existência dos sindicatos e associações cooperativas.

A luta pelas 8 horas continuará em todos os 1º de Maio seguintes.

2ª Parte — 1940-1945: A disputa pelo rádio e nos estádios

Vargas tenta seqüestrar o 1º de Maio

Vito Giannotti
Em 1º de Maio de 1940, Getulio, no estádio de São Januário, no Rio, decreta o salário mínimo. A reivindicação era antiga. Desde 1900, em Paris, o Congresso da internacional Socialista tinha recomendado que todos os Partidos Socialistas assumissem esta reivindicação junto com um maior esforço na luta pelas 8 horas diárias.

Vargas continua o que vinha fazendo desde que tomou o poder, em 1930. Moderniza o País através da criação de condições para o desenvolvimento industrial e da legislação trabalhista. O objetivo central desta legislação era controlar a luta de classes e fazer esquecer as três décadas de greve, manifestações e resistência operaria. Tudo tinha que aparecer como algo dado, uma dádiva do pai-governo. A leis seriam benefícios outorgados por um governo que estaria acima dos interesses das classes. Para isto, nada melhor do que “doar” a lei do salário mínimo exatamente no dia 1º de Maio.

No Brasil, o governo, desde 1924, tinha feito aprovar uma lei que transformava o 1º de Maio em feriado Nacional. O gozado é que este dia passou a ser feriado, sem quem as 8 horas, objetivo central da luta operária no mundo inteiro, fosse reconhecida.

Fazer esquecer o 1º de Maio

A partir do golpe de 1937, Vargas impõe sua ditadura. Para este objetivo viriam dois instrumentos fundamentais: O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). O DIP cuidará de disputar a hegemonia entre os trabalhadores através de um poderosíssimo instrumento criado para este fim: a voz do Brasil.

Se Getulio, não conseguisse convencer através daquele programa fazer a cabeça dos trabalhadores via DIP, mandaria os DOPS rachar suas cabeças para enfiar nelas suas idéias. Ou fazer cabeças ou rachar cabeças. Essa é a disputa de hegemonia que a burguesia sabe fazer. Foi assim que Vargas encheu as prisões de presos políticos. Com vinte mil comunistas, anarquistas e socialistas presos, Getúlio tinha campo livre para disputar a cabeça dos trabalhadores.

Em 1º de Maio de 1942, Getúlio inaugura a companhia Siderúrgica Nacional, CSN. Neste dia ele lança dois grandes movimentos: a “batalha da produção” e a campanha de sindicalização, com o seguinte lema: “Trabalhador organizado e trabalhador disciplinado”.

A partir desta data, na Hora do Brasil, o ministro do trabalho, Marcondes Filho, passa a falar, em todo programa, para a sua querida classe laboriosa: os trabalhadores. Propaganda pura do Governo Getúlio; disputa de cabeças.

Novo 1º de Maio em 1943. De novo, Getúlio, no São Januário inicia seu discurso com o seu “Trabalhadores do Brasiiiiiiiiiiil”. E aí dezenas de milhares de trabalhadores desfilem com seus macacões e enormes fotos do Getúlio. No meio de vivas ao 1º de Maio e com os novos operários da CSN cantando marchinhas para o Getúlio, este entrega a CLT. Este é o 1º de Maio do governo. O contrário do que os lutadores operários do começo do século XX querem um “1º de Maio sem governo e sem patrões”.

Mas a II Guerra estava chegando ao fim. No Brasil começa um movimento pela democratização do País. Em 1944, começa a renascer a luta operária. Mesmo com milhares de lutadores ausentes, presos nas masmorras do DOPS, nos vários estados, os comunistas organizam clandestinamente o Movimento Unificado dos Trabalhadores (MUT).

Um ano depois, a II ª guerra acaba coma derrota das ditaduras de Hitler, Mussolini e Hirohito. O movimento operário voltara a aparecer à luz do sol. Virá a Anistia aos presos políticos e legalização do PCB. O 1º de Maio de 46 será diferente.

3ª Parte — 1968: o 1º de Maio pertence aos trabalhadores

Ditadura queria enganar os trabalhadores

Reginaldo Moraes

Em 1968, os brasileiros entravam no quarto ano de ditadura, arrocho, recessão e desemprego. Nos sindicatos, reinavam os pelegos, muitos deles antigos interventores, nomeados pelos milicos. Sentiam a insatisfação de suas categorias e imaginavam formas de simular alguma resistência.

Em São Paulo, com maior força que no resto do País, surge o Movimento Intersindical Anti-arrocho (MIA). Por trás desta sigla estavam conhecidos pelegos, interventores militares e alguns pedaços da esquerda tradicional. Contudo, os grupos organizados de oposição sindical, junto com nascentes movimentos de bairro, que ainda conseguiam sobreviver à perseguição, tentavam furar essa manobra.

Na capital paulista, nas comemorações do Primeiro de Maio, o governador paulista, Abreu Sodré, juntou-se aos pelegos para uma manifestação de descontentamento bem comportado” na Praça da Sé, centro tradicional das manifestações do 1º de Maio.

Bom, pelo menos era isso que eles esperavam. Não contavam com os sindicalistas de oposição, com os grupos organizados do movimento estudantil, que se opunham à ditadura e com movimentos de bairro e de periferia.

Palanque incendiado

Mal começada a farsa, vaias, agitação e pedradas no palanque obrigaram os pelegos e o governador a sair correndo. Sodré recebeu uma pedra na cabeça e foi flagrado saindo de gatinhos, para não levar pedradas. Enquanto a comitiva se refugiava na catedral, o palanque foi queimado e uma passeata desceu a rua XV de Novembro até à Avenida Ipiranga. Lá, na famosa esquina com a Avenida São João, as vidraças da agência do City Bank, com tudo o que este banco simbolizava, foram apedrejadas.

É claro que a direita e sua imprensa consideraram esta atitude uma lamentável provocação, falta de civilidade política.

Era contudo uma clara disputa. A velha disputa de hegemonia com a classe patronal e seu governo. De quem é o Primeiro de Maio? E quem tem que ter a palavra nesse dia? É um dia em que os senhores reconhecem a existência dos escravos e lhes distribuem biscoitos, prêmios e, hoje, automóveis?

Ou é um dia em que a classe trabalhadora reconhece sua própria identidade e sua oposição aos exploradores?

Mas esse era apenas o começo de um ano quente. O Primeiro de Maio tinha sido, naquele ano, um primeiro grito de independência ideológica e política.

Dois meses depois, o ministro do Trabalho, coronel Jarbas Passarinho, que também queria posar de moderno e conciliador, seria obrigado a engolir uma dura greve, em Osasco, periferia de São Paulo.

Na greve de abril, em Contagem, perto de Belo Horizonte, ele tentou enrolar e concedeu um abono de 10%. Agora a mascara da Ditadura cairá rapidamente até a noite do golpe dentro do golpe, com o Ato Institucional nº 5, em dezembro.

Parte 4 — 1980: 1º de Maio em São Bernardo

Debaixo dos helicópteros nasce a CUT
Vito Giannotti

A CUT foi fundada em 1983. Mas de fato ela estava sendo gestada naquele 1º de Maio de 1980, no estádio de Vila Euclides, em São Bernardo. A Ditadura estava desgastada, mas não morta. Figueiredo deixava seus generais ocuparem Brasília e seus Serviços especiais explodirem bombas nos Rio Centros.

O 1º de Maio daquele ano seria diferente dos outros anos de Ditadura.Desde 1977 tinha tido algum tímido ensaio de comemorar o Dia dos Trabalhadores em praça pública. Em Osasco, periferia de São Paulo, no ano de 77, foi armado o primeiro palanque de Primeiro de Maio pós-68. Em 79, o 1º de Maio começa a voltar à cena. As greves tinham explodido com vigor no setor metalúrgico de São Bernardo e São Paulo. O ano de 79 viu mais de 430 greves e três milhões de grevistas.A repressão foi dura, naquele ano. Sete operários urbanos foram mortos em piquetes. No campo, latifúndio e governo continuavam a tradicional chacina de lideranças para impedir a Reforma Agrária.

Neste clima acontece a segunda grande greve de São Bernardo que iniciará uma longa lista de greves anuais, na ocasião da época do reajuste. Os metalúrgicos estavam em greve desde o mês de abril. Uma greve pesada, com cassação e prisão da diretoria e lideranças. Lula estava na prisão e o movimento vivo dos trabalhadores estava decidindo o que fazer no 1º de Maio.
E assim, no dia, dezenas de milhares de trabalhadores e lutadores do povo, da cidade e do campo, de todos os estados do País confluíram para o grande 1º de Maio de São Bernardo.

A ditadura não queria admitir o desafio desta manifestação. As rádios alarmavam a população. São Bernardo se tornara uma praça de guerra com mais de cinco mil agentes da repressão. O pessoal se concentra na catedral e ruas adjacentes.

A dúvida era: sair ou não sair em passeata. Vários deputados e até um senador estavam presentes ara evitar um desastre. No final, a passeata ocupa a rua principal de São Bernardo, passa pelo Paço Municipal e continua rumo ao estádio de Vila Euclides, A polícia bate em retirada pouco a pouco.

Uns cem mil manifestantes tomam conta das ruas da cidade.

No estádio, o Brasil todo estava lá. Todo tipo de trabalhador, da cidade, do campo, de todos os estados. De Pernambuco os companheiros trazem dois sacos de dinheiro amassado, notas pequenas recolhidas na periferia para ajudar o Fundo de Greve. Do Pará chega gente que enfrentou uma viagem de 8 dias: barco, caminhão, ônibus. Gaúchos vêm com suas bombachas e piauienses com seus chapéus de couro.

As faixas estendidas no estádio diziam tudo: “Viva o 1º de Maio”, “O Sindicato é você”, “Autonomia e liberdade sindical”, “Fim da intervenção”, “Trabalhador unido, jamais será vencido”, “A greve continua”.

Nem todo mundo estava lá. Uma parte do movimento sindical brasileiro se recusara a ir para São Bernardo. Discordavam de quase tudo: da tática à estratégia. Esta turma, anos depois, fundará a CGT.

Mas imensa maioria estava lá, acenando com suas bandeirinhas do Brasil para os helicópteros do Exército ou da PM que voavam sobre 100 mil cabeças.

Lula também não estava lá. Estava, junto com mais de 50 companheiros, nas prisões da ditadura. Mas sua presença era fortíssima entre aqueles milhares de trabalhadores. Naquele dia se tornará uma liderança nacional.

Neste 1º de Maio, podemos dizer que nasceu a CUT.

Uma Central que nasceu da luta, da vontade de enfrentar governo e patrões. Uma Central que nasce contra a lei para criar uma outra lei. Uma outra institucionalidade.

(*) Vito Gianotti é coordenador do Núcleo Piratininga de Comunicação; Reginaldo Moraes é professor da Unicamp.