Por Camila Araújo 

Quando os trabalhadores vão ter uma mídia própria para divulgar suas ideias para o povo brasileiro? Essa parece ser uma questão praticamente impossível de acontecer no contexto atual, caracterizado pelo monopólio dos meios de comunicação.

Laurindo Leal

Laurindo Leal

No penúltimo dia do curso anual, 7 de novembro, o tema “Rádio e TV dos trabalhadores: uma utopia a ser realizada” trouxe à tona as discussões sobre como buscar alternativas para conquistar esses espaços. Quem debateu o assunto foi Arthur William, jornalista multimídia do NPC, Laurindo Leal (Lalo), professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), Arley Medeiros, dirigente do sindicato dos Químicos Unificados e Valter Sanches, presidente da Rede Televisão dos Trabalhadores (TVT).

Abrindo a mesa, o professor Laurindo Leal lembrou conceitos da palavra ‘utopia’ como, o “não-lugar”, o lugar que não existe, o sonho ou mesmo a inspiração para algo distante, mas imaginado na mente das pessoas. Apesar disso, ele diz que a utopia dos trabalhadores já está sendo alcançada. “Ainda que a passos não muito largos, estamos tendo algumas concretizações, como por exemplo, a TVT, a Rede Brasil Atual e várias rádios e televisões do sindicatos e de movimentos sociais que existem pelo Brasil”, disse o professor.

Lalo ressaltou a urgência de se avançar na luta pela comunicação dos trabalhadores para contrapor a mídia tradicional. Ele aponta dois caminhos: a criação de rádios e tevês comunitárias e a luta pela modificação das leis no Brasil, de forma que abra espaço no espectro eletromagnético, ou seja, canal aberto, para as emissoras dos trabalhadores, garantindo também os meios não comerciais. “O que nós precisamos fazer agora é avançar nessa luta porque o desnível entre a televisão dos trabalhadores e movimentos sociais e a televisão tradicional ainda é muito grande. Os trabalhadores precisam ter uma comunicação que possa ser comparada facilmente à que é feita pelos grandes veículos”, disse.

O oligopólio da mídia no Brasil parece ser algo natural, mas não é. Este ano a fundação Perseu Abramo divulgou uma pesquisa que comprova que a TV ainda é o grande meio de divulgação e de informação do brasileiro. Existem as forças alternativas, mas ainda está muito difícil conseguir o diálogo com a sociedade. “O momento atual requer muita mobilização. Estamos vendo tentativas de impeachment da presidente Dilma, pedidos de intervenção militar etc. Isso é o retrocesso que continua pairando nas cabeças das pessoas. Daí a importância que têm todos esse boletins, rádios e tevês do movimento sindical em fazer a desconstrução da mídia. A comunicação sindical deve mostrar diariamente, de forma pedagógica, como essas mídias mentem para os trabalhadores”, reafirmou o professor.

Uma TV feita pelos trabalhadores a serviço dos trabalhadores

O jornalista Valter Sanches levantou críticas a respeito da cobertura da imprensa nas últimas eleições, mais uma vez marcadas pela interferência parcial dos veículos no processo eleitoral. Após 12 anos de governo democrático e popular, vale pensar sobre o que avançou na radiodifusão e na TV. Para ele, as barreiras impostas aos projetos de mídias comunitárias são perversas. “O Ministério das Comunicações tem um processo praticamente proibitivo para autorização e outorga radiodifusão. A fiscalização da Anatel fala fino com as grandes organizações, mas com a comunitária e alternativa fala grosso. A Secretaria de Comunicação continua destinando R$ 1,7 bilhões às mesmas tevês e rádios em recursos de publicidade do estado”, afirmou.

O problema dessa conjuntura, segundo Sanches, é o quanto está desequilibrada. Esse é o fato que está em pauta, mas em contrapartida, só a regulamentação dos meios não resolve o caso. “A luta pela democracia na radiodifusão é garantir o direito de antena para os movimentos populares e sindicais de forma que tenham acesso à outorga de rádio e televisão. Mas se a gente tiver esse direito, será que a gente conseguiria colocar no ar? Produzimos um canal, no qual foram investidos R$ 3 milhões para fazer uma programação com base na qualidade que o telespectador está acostumado a assistir. Essa qualidade é o padrão das maiores emissoras. Competir com elas exige muito recurso humano e financeiro”, alertou o jornalista.

Ele finalizou com a mostra do vídeo “10 coisas que você precisa saber sobre a TVT”, com os tópicos: “A luta pela concessão”, “Programação 24 horas no ar”, “Equipe TVT”, “Movimentos sociais, populares e trabalhadores”, “TVT nas redes sociais”, “Como participar?”, “Diversidade – espaço para todos e todas”, “Como assistir?”, “E fora de São Paulo?” e “A nova luta – democratização dos meios de comunicação”.

A diversidade no sindicato aproxima o público

Arley Medeiros

Arley Medeiros

Arley Medeiros compartilhou as experiências do Sindicato dos Químicos Unificados e mostrou que apesar das dificuldades que os sindicatos têm em fazer a comunicação para além da sua categoria, é possível existir uma ferramenta colaborativa sindical aberta às produções independentes, com conteúdo de qualidade e que interesse à população.

“Sempre tivemos muita clareza da importância de fazer uma comunicação para além do sindicato. É fácil fazer isso? Não, é muito difícil. O NPC ajudou a gente nesse debate, teve um papel de provocação. Em 2000, decidimos construir uma entidade chamada COT (Centro Organizativo do Trabalhador). A proposta era fazer aquilo que o sindicato tinha dificuldade de fazer e ir além da categoria. Buscamos a comunicação na sociedade, a luta pela democratização dos meios, TV e rádio comunitárias, cursos de comunicação sindical para formar pessoas nessa área. Com os recursos que já tínhamos, contratamos profissionais e começamos a trabalhar”, relatou.

A partir daí novos projetos foram se estruturando. Em 2002 o sindicato criou uma produtora de vídeo, comprou os equipamentos necessários para a produção e montou seu próprio estúdio. Uma das produções foi o filme documentário sobre a vida e militância política do dirigente sindical da regional de Osasco, Arcênio Rodrigues da Silva, preso político e torturado durante a ditadura.

Apesar de ter uma locadora com o material produzido pelo sindicato, os filmes eram assistidos apenas por uma pequena parcela de universidades e militantes. Não chegava aos trabalhadores. Daí surgiu a TV Movimento, em 2005uma WebTV que apoia e acompanha diversas lutas populares e sociais por todo o país. O site é dividido em 10 categorias, algumas delas: Saúde, Política, Mundo do Trabalho, Cultura, Meio Ambiente, Gênero, entre outras. Todos os projetos foram feitos com parte dos recursos vinha do sindicato e outra parte vinha de outras entidades sindicais, mas ainda não era o suficiente. Eles também captaram dinheiro com a venda de serviços de assessoria que o sindicato passou a prestar.

Arley contou também sobre a produção do filme “O Lucro acima da vida” que resgata a história de centenas de trabalhadores contaminados por  metais pesados numa fábrica de agrotóxicos das empresas Shell/Basf, na cidade de Paulínia, São Paulo. Segundo ele, essa foi uma das maiores ações trabalhistas do Brasil e representa uma grande conquista para todos os trabalhadores. O longa metragem teve sua segunda exibição no 20º Curso Anual do NPC.

Convergência de mídias e democratização da comunicação

Arthur William

Arthur William

Uma mídia não é melhor do que a outra, cada uma tem o seu papel. Antigamente, cada uma dessas mídias ficava isolada: a televisão era a televisão, o rádio era o rádio e o computador era o computador. Com o aparecimento da internet, todos os meios de comunicação ficam integrados, a chamada convergência tecnológica. Arthur William reflete sobre o nível de consumo dos diferentes meios de comunicação pelos brasileiros e como os profissionais da área podem se adequar para conquistar esse público.

“No nosso dia a dia nós não só lemos jornal, nós vemos televisão, acessamos a internet, estamos lidando com as diversas mídias o tempo todo. O profissional da comunicação tem que entender que a pessoa a quem ele quer comunicar está lidando com diversos meios. Não dá para se pensar um mundo em que essas mídias estejam isoladas, em desenvolver apenas um tipo de mídia – só jornal ou só televisão ou só rádio. É preciso pensar que o ser humano é multimídia por natureza e a comunicação hoje permite que ela seja muito mais conveniente”, alertou o jornalista.

Ele destacou a importância da parceria entre sindicatos e as mídias alternativas. Para ele, é fundamental que haja uma sustentabilidade econômica, ou seja, que os sindicatos deem incentivos financeiros para expandir a comunicação de tevês e rádios comunitárias. “É preciso que os sindicatos coloquem parte das verbas destinadas à comunicação para manter esses veículos. Só através das parcerias é que conseguimos viabilizar uma comunicação de qualidade, ter um alcance maior a um custo menor”, propôs.

O jornalista contou que foi criada uma nova possibilidade para democratização das comunicações com o Canal da Cidadania. Esse canal permite pela primeira vez que a TV comunitária tenha espaço na TV aberta, visto que hoje ela está apenas nos pacotes a cabo. Além disso, ele proporciona que a prefeitura tenha uma TV pública local, dando maior transparência aos atos da administração do município e da Câmara Legislativa. “É um canal voltado para a cidadania, com produções próprias, comunitárias, alternativas, independentes, populares, públicas, sindicais, enfim, é uma oportunidade para a sociedade civil. Se for implementado, poderá ser uma passo importante para a luta da democratização da comunicação no nosso país”, afirmou Arthur.

Outro ponto positivo é que o canal da cidadania prevê uma programação local. Boa parte das emissoras atua regionalmente, em uma cidade que transmite para outras no entorno. O problema é que não atinge a totalidade da região do município. “Essas cidades que são atingidas não tem seu sotaque, suas notícias, sua cultura e informações transmitidas. O canal da cidadania permite isso, a transmissão da cultura local e isso é inédito no Brasil”, ressaltou o jornalista.