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No final de 2016, entrou em pauta no Congresso Nacional uma proposta de reforma trabalhista que representa uma ameaça aos direitos dos trabalhadores. Se aprovada, essa reforma irá praticamente decretar o fim da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), passo que já começou a ser dado com a recente aprovação do PL da Terceirização (PL 4.302/1998), quase nove anos depois de ter sido proposto.    

[Por Luisa Santiago – NPC – 28.03.2017]

A CLT foi estabelecida através do Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943, sancionado pelo então presidente Getúlio Vargas, com o objetivo de regular a relação capital e trabalho. O documento, ainda que elaborado há muitos anos e num contexto político diferente, é até hoje considerado um dos mais avançados mundialmente no que diz respeito à legislação trabalhista.

Foi com ele que os trabalhadores passaram a ter regulamentados direitos como:

– duração da jornada do trabalho;

– salário mínimo;

– férias;

– segurança e medicina do trabalho;

– proteção ao trabalho da mulher e do menor;

– previdência social;

A reforma trabalhista em pauta agora, em 2017, 74 anos depois da aprovação da CLT, altera essa legislação e retrocede significativamente no que diz respeitos aos direitos dos trabalhadores, alguns garantidos inclusive pela Constituição Federal de 1988. Se aprovada, vai deixar o caminho aberto para a ampliação da exploração do trabalho e do trabalhador.

Alguns pontos fundamentais da atual legislação trabalhista poderão ser alterados após negociação entre o sindicato e as empresas. É que uma das mudanças trata exatamente deste ponto. As negociações poderão se sobrepor às leis, expondo o trabalhador a acordos que não necessariamente respeitam suas necessidades e seus direitos.

Trabalho temporário

Um dos casos sobre o qual a proposta de reforma trabalhista dispõe é o trabalho temporário. O limite máximo de dias para a contratação temporária passará de 90 para 120 dias, renováveis por mais 120.  Esse é um tipo de contrato de trabalho que tem menos direitos e exige menos dos patrões.  Sendo assim, a longo prazo, pode acabar estimulando a substituição dos contratos formais de trabalho pelos contratos temporários.

Ampliação da jornada de trabalho

Entre os pontos que poderão ser definidos através de acordos, está a ampliação da jornada de trabalho, o parcelamento das férias, o intervalo intrajornada, o deslocamento entre casa e trabalho e o trabalho remoto, entre outros.

Sobre a ampliação da jornada de trabalho, é importante registrar que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 7º, prevê que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)”.

Ou seja, hoje, as jornadas de trabalho diárias estão limitadas a 8 horas e as semanais a 44. Com reforma trabalhista isso mudará. O limite diário será ampliado para 12 horas e o mensal para 220, sendo que patrões e empregados poderão negociar como essa a jornada será cumprida.

Ao patrão, é claro, interessará ter o trabalhador no local de trabalho por mais horas com uma diferença pequena no salário. Para o trabalhador, por outro lado, esse aumento é altamente prejudicial em diversos termos: da saúde ao social. Sua vida passará a se resumir ao trabalho e, contando o tempo de descolamento que a média dos brasileiros leva para fazer o trajeto casa-trabalho, será desumana.

Para as mulheres, que além do trabalho formal ainda são estatisticamente as maiores responsáveis pelo cuidado da casa, dos filhos, e dos familiares mais velhos a jornada se tornará ainda mais pesada.

Parcelamento das férias

Outro ponto importante diz respeito ao parcelamento das férias. Trabalhadoras e trabalhadores urbanos e rurais têm 30 dias de descanso remunerado garantidos, como consta nos termos do inciso XVII do art. 7º da Constituição Federal e também nos artigos 129 a 153 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

As férias remuneradas têm o objetivo de garantir saúde, segurança e qualidade de vida do trabalhador. Elas existem para compensar o desgaste físico e mental causado pelo dia a dia do trabalho e também para compensar, de alguma forma, o seu afastamento dos círculos familiar, político e comunitário.

Os 30 dias de férias, atualmente, podem ser utilizados integralmente ou de maneira fracionada. No caso de parcelamento, o art. 134 da Consolidação das Leis do Trabalho, no seu parágrafo 1º, prevê possibilidade de divisão das férias em apenas dois períodos, considerando que um desses não pode ser inferior a dez dias corridos.

Com a reforma, o parcelamento de período das férias anuais poderá ser feito em até três vezes, com pagamento proporcional às parcelas.  A resolução que estabelece que uma das frações deve necessariamente corresponder a duas semanas ininterruptas de trabalho se mantém, mas o restante pode ser negociado para ser utilizado em dois outros momentos.

O descanso parcelado em três vezes diminui qualitativamente o tempo de folga do trabalhador e pode prejudicar a sua saúde e as suas vivências fora do local de trabalho.

Intervalo durante a jornada

O intervalo intrajornada também é objeto de mudança pela reforma. De acordo com o artigo 71 da CLT, “em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda seis horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de uma hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 duas horas”. Sobre outros casos, diz a lei:  “§ 1º – Não excedendo de 6 (seis) horas o trabalho, será, entretanto, obrigatório um intervalo de 15 (quinze) minutos quando a duração ultrapassar 4 (quatro) horas. § 2º – Os intervalos de descanso não serão computados na duração do trabalho.”

É por essa lei que nós, trabalhadores, temos direito a parar por uma hora para almoço.

Após a reforma, a lei continuará determinando a existência de um intervalo intrajornada, mas sua única exigência será de que seja “respeitado o limite mínimo de trinta minutos”. Ou seja, as empresas poderão reduzir o horário previsto para descanso e/ou alimentação de 60 para 30 minutos.

Para além do que foi aqui levantado, a reforma trabalhista proposta ainda dispõe sobre outras questões relativas ao dia a dia das relações de trabalho. Em um  pequeno resumo, podemos listar outros pontos que serão afetados:

– Ultratividade;

– Adesão ao Programa de Seguro-Emprego (PSE);

– Plano de cargos e salários;

– Banco de horas;

– Trabalho remoto;

– Remuneração por produtividade;

– Registro de jornada de trabalho.

Discutir cada uma dessas mudanças é tarefa necessária e árdua. Mas o principal desafio hoje é perceber o quanto essa proposta de reforma trabalhista pode impactar o cotidiano dos trabalhadores de forma nociva e a necessidade de nos organizarmos para impedir a sua aprovação.

1º de Maio e a luta pela redução da jornada

O dia 1º de maio é um dia internacional de luta e resistência pela manutenção de direitos conquistados. Na apresentação da edição de 2005 da cartilha do Núcleo Piratininga de Comunicação, sobre a história do 1º de Maio e seus significações e implicações, ressaltávamos o quanto era importante lutar naquele 1º de maio, pois vivíamos ameaças semelhantes às de hoje, 2017. Não só aqui, como em vários países do mundo, direitos, como a jornada de trabalho de 8 horas, estavam sendo suprimidos.

Como podemos ver, nas sociedades capitalistas os direitos dos trabalhadores sofrem repetidos ataques. Aos detentores do capital interessa garantir as condições para aumentar a sua produtividade e seu lucro, independente das consequências disso para a classe trabalhadora.

O próprio discurso de crise é, muitas vezes, usado como pretexto para embasar essa retirada de direitos. No momento atual, além da reforma trabalhista, temos mais dois exemplos de medidas nesse sentido: o PL da Terceirização, recém aprovado, e a Reforma da Previdência. Isso depois da aprovação da PEC 241 – ou PEC do Fim do Mundo, como ficou conhecida – que congela os gastos sociais do Estado brasileiro por 20 anos.

Assim como nos momentos anteriores, é preciso resistir e lutar.  O dia 1º de maio é um marco que carrega muitas histórias. Conhecê-las é tarefa fundamental para o nosso fortalecimento no enfrentamento das batalhas que se aproximam. O aumento da exploração e da opressão está logo ali, mas nós nos reinventaremos e resistiremos.

* Luisa Santiago é socióloga e pesquisadora do NPC.