Por Sérgio Domingues*

Quem quer transformar a sociedade radicalmente precisa contar com a grande maioria explorada e oprimida. Só a ela interessa revolucionar tudo e se livrar dos exploradores e opressores.

O problema é como convencer a grande maioria dos explorados e oprimidos de que essa mudança radical é possível. Afinal, as ideias dominantes em uma sociedade de classes são as ideias da classe dominante, como disseram Marx e Engels.

O conservadorismo predomina. Não o pior tipo de conservadorismo, aquele que defende pena de morte, racismo etc. Mas a ideia de que a sociedade que temos é a única possível. Por isso, cada um deve tentar conservar o que tem. É o que Gramsci chamou de senso comum.

Os revolucionários precisam conhecer este senso comum. Dialogar com ele para buscar maneiras de desmentir seus valores conformistas. Descobrir nele elementos contestadores capazes de justificar a necessidade de agir para mudar.

Mas como conhecer o senso comum? Como saber o que vai na cabeça do povo? Uma das formas mais importantes é prestar atenção no que as pessoas comuns dizem. Não apenas no que fala a militância.

Seria ótimo se não fosse o fato de que vivemos em uma sociedade de massas. Um meio em que crenças, preconceitos, convicções, conceitos, valores, opiniões circulam no atacado e formam um material ideológico que justifica a dominação.

Se tivéssemos poder econômico, poderíamos contratar institutos de pesquisa pra fazer grandes estudos sobre tudo isso. Mas se tivéssemos poder econômico, estaríamos do lado de lá, não do lado de cá.

Grandes atacadistas encarregados de distribuir aquele material ideológico são os meios de comunicação. Mais especialmente, a grande mídia monopolizada e a serviço dos poderosos.

Portanto, não tem jeito. Pra saber o que, mais ou menos, vai na cabeça do povo, tem que prestar atenção na grande mídia. Inclusive, talvez principalmente, em seus canais mais repulsivos e nojentos.

Isso quer dizer que não adianta ler apenas Brasil de Fato, Carta Maior, Carta Capital, o jornal de seu partido e o boletim do sindicato. Tem que, pelo menos, saber o que estão dizendo e defendendo porcarias como a Veja, Globo, STB etc.

Programas de grande audiência também devem ser acompanhados. Mesmo os de entretenimento. São neles que os valores mais conservadores circulam em formato de diversão e entram na cabeça das pessoas. São as piadas cheias de preconceitos de um “Zorra Total”. É a caridade humilhante de um Luciano Huck. O sutil e sedutor conformismo das novelas.

É preciso ler veículos mais “sérios”, também. Aqueles em quem a burguesia confia, porque saem do nível das fofocas, calúnias, mentiras. Neles as análises são mais precisas e complexas. É o caso de alguns colunistas da grande imprensa, de jornais como o Valor Econômico e alguns programas noticiosos e documentários da TV paga.

Tudo isso é necessário não apenas para saber que material ideológico circula e, assim, melhor combatê-lo. É imprescindível também para não cairmos na lógica das seitas e grupelhos que só falam consigo mesmos. Uma prática que ainda faz muito estrago na esquerda.

Ou seja, pregador no nariz e olhos na grande mídia. Como consolo, você vai poder assistir aquele filme de ação, a novela, o jogo de futebol e muitas porcarias sem tanto peso na consciência.

Sérgio Domingues é sociólogo e autor do blog Pílulas Diárias.