lalo

[Por Rosângela Ribeiro Gil, NPC/SP] Com uma vasta ação em defesa da democratização dos meios de comunicação no País, o sociólogo, jornalista e professor de jornalismo Laurindo Leal Filho, o Lalo Leal, foi um dos debatedores que agraciaram o 22º Curso Anual do NPC, realizado em novembro de 2016, no Rio de Janeiro, na mesa “A televisão no Brasil”, junto com a filósofa Márcia Tiburi (ver matéria aqui). Nessa entrevista ao Boletim NPC, ele mostra o quanto o Brasil perde em comunicação de qualidade, verdadeira e plural com o monopólio da chamada “mídia hegemônica”, estruturada a partir de grandes grupos econômicos e partidarizada.

Lalo, até recentemente, antes do impeachment da presidente Dilma Rousseff, no primeiro semestre de 2016, apresentava o programa “Ver TV” na TV Brasil, da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), um programa semanal que tinha o compromisso de apresentar múltiplos olhares sobre conteúdos apresentados na televisão e também em outras mídias. Convidados debatiam a programação da TV de modo multidisciplinar, analisando seus aspectos jornalístico, econômico, social, psicológico, de entretenimento, entre outros.

O jornalista e professor também construiu sua carreira profissional atuando em emissoras como a Rede Globo, onde foi repórter, redator, locutor e comentarista; foi editor-chefe do jornalismo da TV Cultura durante a década de 1970. Nesse mesmo período foi professor livre-docente, de Jornalismo, na Escola de Comunicações e Artes e nas Faculdades Integradas Alcântara Machado. Entre 1982 e 1983 foi editor da central de jornalismo da TV Bandeirantes.


BoletimNPC. Precisamos quebrar ou queimar as nossas televisões, como sugeriu a filósofa Márcia Tiburi?

Lalo Leal – O debate com a professora foi muito rico e proveitoso, e sua sugestão também é importante para ajudar a quebrar a dominação da TV que se faz hoje no País [Tiburi, no debate, sugeriu que saíssemos em praça pública para quebrar ou queimar os aparelhos de televisão]. Apesar do exagero, a televisão é um instrumento importantíssimo desde que bem aproveitado. A gente tem de fazer da televisão um instrumento de crítica, de reflexão. Ela precisa contribuir com o desenvolvimento cultural e filosófico da sociedade.

BoletimNPC. A Telesur está nesse caminho?

Lalo Leal – Sim. Ela é uma grande alternativa, na América Latina, para televisões e agências de notícias controladas pelos Estados Unidos.

BoletimNPC. O livre arbítrio é suficiente para impedir a manipulação da mídia comercial brasileira?

Lalo Leal – É importante refletir e discutir o que chamei no debate de “livre arbítrio”. Ele pode até existir e existe, mas numa sociedade de massa como a nossa ele é residual. Ele aparece de forma isolada, numa pessoa ou outra, num grupo específico, que tem um olhar mais crítico a essa mídia hegemônica que domina a nossa sociedade, impondo padrão de comportamento, de consumo, de vestuário e, principalmente, político e de voto.

A resistência a esse “polvo” midiático, que penetra por toda a sociedade, no meu ponto de vista, é limitada. O poder da televisão é massacrante. Os resultados eleitorais recentes do País provam isso. A televisão criminaliza, no seu cotidiano, a política como uma coisa nefasta, ruim. E em época de eleição, o que essa mídia faz? Ela apresenta seus candidatos que, pretensamente e no discurso, não são políticos. Ou seja, a mídia cria o problema e depois apresenta a solução que é o candidato que não é político. Essa linha de intervenção foi decisiva para o resultado das eleições municipais de 2016.

BoletimNPC. Qual o poder dessa televisão?

Lalo Leal – As pessoas reproduzem automaticamente o que a televisão diz. Por exemplo: “O Lula tem uma casa no Uruguai.” Por quê? Porque um cara disse isso na Rede Globo e isso passa ser a verdade. Não há nenhuma tentativa de senso crítico com relação aquilo que se lê e vê na imprensa comercial do País. As pessoas recebem aquilo como se fosse a verdade absoluta.

BoletimNPC. Existe uma escala de nocividade entre os veículos de comunicação?

Lalo Leal – Eu não diria que existe uma escala, mas a TV pela capilaridade dela, por estar presente em todos os municípios, em 95% dos domicílios brasileiros, tem um poder nocivo muito forte; mas isso não quer dizer que os jornais, as revistas e outros meios também não tenham.

Existe outro fenômeno recente no País, que acontece desde o primeiro governo do Lula, que é o dos rádios e as TVs repercutirem as notícias que as revistas e os jornais publicam. É comum, atualmente, você ver uma notícia publicada numa revista semanal, como a Veja, na sexta-feira, e vê-la repercutida já no Jornal Nacional de sábado. Isso mostra claramente que hoje a mídia comercial brasileira age como um partido de oposição.

As manchetes dos jornais e as capas das revistas, por exemplo, funcionam mais como peça de propaganda do que de informação. As manchetes dos jornais são lidas nas rádios para milhões de pessoas ou então lêem na banca de jornal, com um efeito multiplicador.

BoletimNPC. Como quebrar esse paradigma sem quebrar o aparelho de televisão?

Lalo Leal – Dentro do quadro democrático temos dois caminhos para enfrentar isso, mas que, no momento, no País, por causa do golpe, eles estão fechados. Eles vinham evoluindo, não do jeito que precisávamos, mas mal ou bem estavam sendo construídos. Um deles era o crescimento da discussão da necessidade de uma lei que regulasse o uso do espectro eletromagnético, no qual circulam as ondas de rádio e TV. Esse daria a possibilidade de ter, além da Globo, Record, SBT etc., emissoras que tivessem outra visão de mundo, com formação pública ou comunitária, que pudessem oferecer alternativas. Mas também não adianta criar essa alternativa colocando no canal 520 e a Globo, no 4.

Outro caminho é o da comunicação pública forte. Na Inglaterra, a BBC [em inglês, British Broadcasting Corporation] divide com a televisão comercial a audiência, quase em 50%. A TV pública acaba formando um público crítico e passa a exigir da televisão comercial o mesmo padrão da emissora pública. A TV pública é da sociedade e não de governo.