Por Sheila Jacob
20 de novembro de 2013, Dia da Consciência Negra. Foi nesta data que teve início o 19º Curso Anual do NPC. Marina Iris, Lucio Sanfilipo e Maurício Massunaga fizeram um belo show de abertura, embalando os presentes com músicas como “Sorriso Negro”. Depois, o ator Carlos Maia declamou o poema Monangambé, do escritor angolano António Jacinto, sobre a exploração dos negros contratados no período colonial. “Naquela roça grande/ não tem chuva/ é o suor do meu rosto/ que rega as plantações;/ Naquela roça grande/ tem café maduro/ e aquele vermelho-cereja/ são gotas do meu sangue/feitas seiva”, dizem os versos iniciais.
Logo após, teve início a primeira mesa do curso, com o tema “A comunicação e a resistência das classes populares no século XXI”. Dela participaram o jornalista Beto Almeida e o historiador e ativista negro Joel Rufino dos Santos. Ambos destacaram como exemplo a experiência recente do Equador e de outros países da América Latina, que têm mostrado a resistência popular em diversos setores, principalmente no campo da comunicação.
Equador é símbolo de resistência na América Latina
Segundo Beto Almeida, este século, ao mesmo tempo em que começou com mudanças efetivas na comunicação, também apresentou tragédias muito duras no campo dos direitos sociais. “Vimos recentemente a destruição do estado do bem estar social na Europa; ataques à aposentadoria e às políticas sociais, cortes absurdos nos salários e direitos etc. E temos uma mídia imperial que justifica todas essas ações”, observou, lembrando como os meios de comunicação comerciais cobriram o ataque dos Estados Unidos ao Iraque, justificando os assassinatos e aumentando os orçamentos militares ao mesmo tempo em que diminuía o investimento na saúde pública, por exemplo. “A chamada grande mídia esconde esses fatos, assim como os crimes que estão sendo cometidos contra o meio ambiente”, observou, citando o caso da Chevron, no Equador, que resultou na contaminação de dois milhões de hectares. Segundo Beto Almeida, a crise do neoliberalismo abriu espaço para resistências populares e eleição de governos populares, como o de Rafael Correa, no Equador, eleito pela resistência das classes trabalhadores, indígenas e camponesas. Foi seu governo que fez enfrentamento a esse crime de lesa-pátria da Chevron, que se arrasta há décadas.
Uma mudança do governo Correa foi dar espaço nos meios de comunicação públicos às comunidades indígenas da Amazônia. “Aqueles dejetos que durante décadas foram atirados nos mananciais começaram a mostrar a face das veias que ainda estão abertas e que tem cor e cheiro de morte”, contou Beto Almeida. Outro tema que não está na pauta nos meios de comunicação tradicionais é o fato de o país o Equador ter decretado o fim do analfabetismo e ter investido em meios estatais, como os jornais El Telégrafo e El Ciudadano, para fazer frente aos ataques que sofre nos meios de comunicação hegemônicos. Além da imprensa, o governo passou a editar livros didáticos e de literatura, como Dom Quixote e contos de Machado de Assis.
Bolívia, Venezuela e Argentina também são exemplos
“Destaco o governo Correa porque conseguiu que a receita do país fosse investida no fim do analfabetismo e em uma verdadeira revolução cultural e educacional, como o cinema equatoriano que está crescendo agora. Os meios de comunicação de natureza pública permitem a transmissão de várias culturas, inclusive rádios nas línguas dos povos originários, como quéchua”, explica Almeida. Além do Equador, ele citou outros exemplos da resistência da classe trabalhadora, campesina e popular no continente: a Bolívia, que acabou com o analfabetismo a partir do método cubano Yo, si puedo, além de uma empresa estatal de aviação e de um sistema de rádios indígenas baseado no direito de povos originários terem sua própria voz; a Venezuela que, em 2005, criou a Telesur com a meta histórica de fazer a integração latino-americana com o lema “Nosso Norte é o Sul”; e por fim a Argentina, com sua Lei dos Meios, que ataca a concentração da comunicação. “A lei é baseada na ideia de que o espectro eletromagnético é um bem coletivo da união, propriedade de todos. Os capitalistas acham que esse espaço também é privatizado e podem usar para seus interesses, como usam os recursos da biodiversidade para suas finalidades de acumulação de riqueza”, pontuou.
Beto Almeida lembrou que, além da comunicação, países do continente têm avançado em direitos sociais. “Existem associações de países de compartilhamento de educadores e médicos, e nisso Cuba tem seu mérito. Precisamos fazer uma guerra na comunicação para explicar que o novo está surgindo na América Latina”, finalizou.
Joel Rufino: os meios de comunicação criam verdades
O escritor e ativista negro Joel Rufino dos Santos se mostrou otimista e disse acreditar que esse início do século 21 tem avançado de maneira positiva para os trabalhadores e os povos. “O sistema capitalista está em crise e precisa ser substituído por outro. Com muitas dores e muitos desacertos está nascendo outra maneira de se viver, um sistema nunca pensado, nunca desenhado. O novo sistema será criativo e fará a história caminhar adiante”, afirmou. Concordando com Beto Almeida, Rufino destacou o exemplo do Equador, tão atacado pelos meios de comunicação tradicionais.
Ele também chamou a atenção para o protagonismo da mídia no julgamento do mensalão e o poder que tem de criar verdades. “O jornalista Raimundo Pereira produziu reportagem sobre a invenção do termo mensalão, e concluiu que é uma invenção política e ideológica da mídia. O que houve não foi pagamento mensal a deputados corruptíveis para apoiar projetos do presidente. Mensalão é uma invenção da mídia”, afirmou. Outro exemplo que ele citou é o populismo na América Latina, um fato complexo de luta política e social que nem sempre é conservador. “Observem como a mídia usa essa palavra. Qualquer ação em favor dos trabalhadores é chamada de populismo. Muitas vezes é sinônimo de demagogia, é algo negativo, prejudicial”, afirmou, lembrando que a batalha pelos conceitos é importante porque “são os pedais do conhecimento, ou seja, nos servem de apoio para entender a realidade e atuar nela. O mais importante, que é a pratica, precisa de pedais, que são os conceitos. Por isso a teoria é indispensável”.
A luta contra o capital é contra-utópica
Ele concluiu destacando que considera contra-utópica a luta dos trabalhadores por um sistema que não seja mais o da exploração do trabalho pelo capital. “Nossos adversários nos dizem que somos utópicos. Não houve maior utopia do que o capitalismo. Seus criadores e seus ideólogos neoliberais afirmam e garantem que esse é o melhor regime que poderia haver. A organização mundial que mais louvam é a que só faz a pobreza crescer e abençoa as agressões militares. São eles que são utópicos; nós temos compromisso com a realidade dos fatos e o funcionamento da sociedade”.
Em relação à comunicação sindical, Joel Rufino disse considerar importante que os veículos dos trabalhadores abordassem as lutas dos povos que formaram a nação brasileira, como negros, índios e imigrantes. Beto Almeida lembrou Marx, quando disse que “nada do que é humano me é estranho”. Para ele, ciência, música, história, economia, cultura, tudo deve ser tratado de forma a democratizar o conhecimento.
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