Por Tatiana Lima
“A rua está em disputa”. Essa é a análise unânime dos palestrantes da mesa “Juventude, internet e mobilizações”, realizada na manhã do dia 22 de novembro, no 19º Curso Anual do NPC. Participaram o cartunista Carlos Latuff, o jornalista Renato Rovai da Revista Fórum, o midialivrista Rafael Vilela do coletivo Mídia Ninja, e o professor anarquista Bruno Lima, da Unasul. Coordenada pelo jornalista Arthur Willian do NPC, a mesa teve a proposta de refletir sobre os protestos iniciados no Brasil desde junho. Manifestações que seguem a cartilha de mobilizações realizadas durante a Primavera Árabe: utilizaram essencialmente as redes sociais como ferramentas de convocação da população às ruas.
“Essa mesa de debate tem uma importância fundamental nesse momento em que o Brasil vive um momento de ascensão social. Porque hoje em dia estamos lidando com comunicação o tempo todo seja no computador, tablet, TV via satélite, telefones etc. As redes sociais estão junto com todos em todo lugar”, destacou na abertura Arthur William.
Simbologia política do uso da internet
Segundo o professor Bruno Lima Rocha, da Unasul, é impossível não admitir que o acesso a internet diferentes plataformas alterou o comportamento da juventude diante do mundo, e por consequência, a atitude política desses jovens. Segundo ele, em 2009, uma pesquisa apontou que em Porto Alegre, 93% dos jovens da periferia, já tinham acesso a internet por algum meio. Dentre as atividades mais comuns, 80% se informavam lendo notícias na internet, além de usar a rede para jogos online, email, rede social.
Para ele, esses dados, servem de termômetro para mostrar a relevância política da internet no comportamento da juventude. “Teve alguém aqui que não foi surpreendido pela massificação das manifestações? Todos nós fomos pegos de surpresa. A questão é o por quê?”, destacou Bruno Lima.
De acordo com os dados apresentados pelo professor, 5% da população participaram ativamente de discussões sobre os protestos nas redes e 1% foi às ruas. “O que mudou? Bom, o que mudou é que elas foram convocadas e organizaram-se pela internet, e na rede, 1% da população é gente pra caramba, isso dá 1 milhão, o que mostra o aumento da simbologia política do uso da internet”, disse.
E completou: “Em junho, eu não consegui dar aula, porque por mais diferente que fosse o tema da aula, todos os alunos queriam mesmo é tentar entender o momento, se sentiam aderindo aquelas ações mesmo que não estivessem nas ruas, nos protestos, então, qualquer pauta de aula caia”.
Para o Bruno Lima, as manifestações iniciadas em junho, mostram que os símbolos chegam e provocam movimentos. Ainda que, segundo ele, a juventude não reflita sobre esses símbolos. Ele citou o exemplo da primavera árabe. “É simbólica, parece super democrática, mas matou 30 mil árabes. A tática Black Block aqui? Ninguém sabia que existia, mas chegou. Esses meninos não se sentem organizados, mas forças minoritárias conseguiram cravar uma massa de gente na rua que a gente nem sabia que existia”.
O professor da Unasul comparou os protestos ao esvaziamento que há anos existe em passeatas promovidas por diferentes movimentos sociais – como o MST – e partidos políticos. Para Bruno Lima, é hora dos movimentos de esquerda se fazerem uma honesta reflexão. “Na minha modesta opinião, é esse o debate que teremos que fazer. Como a população tem demandas, mas não se sente representada. Precisamos ser honestos: a maioria dessa juventude jamais fez movimento de base e tem adesão a esquerda de forma simbólica apenas, mas possuem uma disposição de luta. O que fazer com isso e o como fazer mídia a partir disso, é a questão! O povo quando chega à rua sem treinamento prévio chega do jeito que chega. Ele chega”.
Processo é histórico: novas formas de organização social
Jornalista e editor da Revista Fórum, professor da USP e da Universidade Casper Libero, Renato Rovai fez um resgate histórico sobre diferentes momentos de levantes, protestos e ações coletivas que marcaram o noticiário midiático: movimentos de luta contra o capital em quase 20 anos. “Qualquer história pode ser contada por diferentes óticas conforme a nossa vontade. Inclusive, a história de luta, resistência e vida do sistema da globalização”, afirmou. Para ele, isso é a primeiro norte que precisa ser estabelecido para se analisar de forma “sensata” o fenômeno de massificação dos protestos no país. “O que aconteceu no Brasil não é uma coisa nova. É um processo. Demorou a chegar aqui com força, mas chegou”, disse.
Para explicar como há um passo histórico e simbólico nestas novas formas de organização popular de massa, especialmente da juventude, o jornalista resgatou a memória política de diferentes movimentos de resistência contra a globalização. Dentre os momentos destacados, estão: a luta dos indígenas de Chiapas, no México, que instituíram o Exército Zapatista da Libertação Nacional (EZLN), em 1994; as ações de protesto contra o encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC) nos EUA; o Movimento dos Indignados na Espanha; o Ocuppy Wall Street; e o primeiro Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, no Brasil.
Para Rovai, todos esses momentos são indícios de que novas formas de organização começaram a emergir a partir de demandas sociais, do uso das tecnologias em prol dos movimentos, da pressão do sistema e o uso político de sistemas de comunicações em rede, há anos.
“A primeira mensagem veio com a figura do subcomandante Marcos, em Chiapas. O porta-voz era um subcomandante porque neste tipo de organização popular a mensagem era clara: todos ali são comandantes. Por isso, todos usavam máscaras pretas. Foi um chamado ao mundo contra a escravidão da globalização. Talvez, o primeiro grito de liberdade. Depois, perto dali, o apogeu do capital foi quebrado pelo que ficou conhecido como a Batalha de Seattle. Foi quando se viu pela primeira manifestação pública do que chamamos de tática Black Block. Eram diferentes movimentos juntos: populares, sindicalistas etc. Foi feito uma aliança de movimentos para derrotar aquele apogeu. E derrotou. Aquele encontra da OMC não aconteceu”, enfatizou Rovai.
E ressaltou: “Em 2001, em Porto Alegre, mais de 20 mil pessoas de diferentes países e lugares do mundo, com diferentes traços do que chamamos de esquerda, se reuniram para pensar, construir outro mundo, dizer que um mundo diferente da globalização era possível. E por últimos temos os indignados da Espanha, o Ocuppy, protestos de gente que surge e é convocada pela plataforma digital e juntas criam um evento político”.
“Rede social somos nós humanos”, diz Rovai
Segundo o jornalista, a partir desses eventos históricos e da disseminação de plataformas digitais, do acesso a internet, a juventude passou a decodificar esse movimento de nova organização social. Isso porque, as pessoas já estavam contaminadas com a simbologia desses eventos e com outro tipo de sistema de rede, que serve para convocar os amigos para uma festa ou um protesto.
“Percebi isso pela primeira vez, por causa da minha filha. Um dia, ela colocou no finado Orkut um recado: oi gente, vou fazer meu aniversario na casa do meu pai. Esse é o endereço. Apareçam! Em pouco tempo, tive 170 pessoa na minha casa. Ali, percebi que nascia outra forma de se comunicar e convocar, estar em rede”, conta Renato Rovai.
Segundo o jornalista, essa nova forma de se organizar, não depende de um tipo específico de plataforma. “A rede social somos nós, os humanos. Somos nós que vamos usar ou migrar para qualquer plataforma de rede social. Então, não importa se é Orkut ou Facebook, porque somos nos humanos que somos a rede social e, a gente migra ou não de plataforma”, destaca.
Lideranças
Renato Rovai é enfático ao afirmar que há nos protestos das ruas lideranças. Porém, essas lideranças não são “convencionais” conforme os movimentos de esquerda estão acostumados. “Quem foi às ruas diariamente pode perceber que há pessoas que se movimentam e exercem uma liderança sim. Só que elas são múltiplas. Não se formam ou se organizam como a antiga forma. E é assim que a historia se faz”, afirma.
Para ele, é justamente esse movimento horizontal que incomoda os movimentos tradicionais de esquerda, pois a tradição de poder é hierarquizada e centralizada, com pouca participação de jovens. “É isso que faz todos ficarem sem chão, sem entender o que está acontecendo. Porque os movimentos de esquerda tradicionais estão analógicos. Hoje a comunicação é feita de forma dialógica”, conclui.
Falsa despolitização
Multiplicidade. De demandas sociais, de público e de causas. De fato, segundo o jornalista Renato Rovai, esse foi um traço das manifestações. Uma linha dessa nova forma de convocar e se organizar socialmente que dá a falta ideia de existir uma grande despolitização da massa nas ruas. De acordo com o jornalista, essa é uma leitura errada. Ele contou que, em São Paulo, durante as manifestações, viu diferentes grupos políticos juntos: pessoas defendendo a ditadura, direitos LGBTs, cartazes socialistas, entre outros.
Porém, esse mesmo movimento múltiplo já foi visto antes no Brasil. No caso, no Fórum Social Mundial. Mas agora, a grande diferença é que a convocação foi pela rede, portanto, não há no espaço da massa somente a Esquerda. Contudo, Renato Rovai, ressalta que, no movimento pelas “Diretas Já” e “Fora Collor” também havia esse perfil na massa.
“É um erro dizer que o movimento atual das ruas não é politizado. Até parece que todo mundo que estava lá eram mega politizado. Nesses movimentos também era assim. Tinham pessoas que estavam ali de onda, seguindo a onda. A diferença é que agora a rede social funciona como um instrumento politizador. Sim, politizador! Porque para cada um que coloca argumentos fascistas na rede, tem outra pessoa que faz a contraposição. Assim, cada vez mais nesse debate, um jovem cria mecanismos para se definir e defender seus pontos de vista. Ou seja, a Globo não está mais sendo a mediadora do debate”, pontua Renato Rovai. E conclui: “A internet é dialógica. Você conversa, faz diálogos. Não estamos mais na era do discurso. Pautem suas ações a partir dos dispositivos”.
Para Rovai, a definição do sociólogo Manuel Castells, sintetiza o novo comportamento de organização da juventude e das mobilizações: é uma autocomunicação. “Existe um conceito em economia chamado “externalidade de rede” que diz: minha rede só tem valor quando as pessoas estão dentro dela”.
Diferença entre chegar ao governo e ao poder
O cartunista Carlos Latuff, outro participante da mesa “Juventude, internet e mobilizações”, fez análises críticas tantos dos movimentos “analógicos” de esquerda quanto da massa mobilizada. Para ele, não adianta estar na rua sem querer uma real ruptura do sistema.
“Existe uma diferença entre se chegar ao governo e de se chegar ao poder. O poder não se atinge pelo voto e sim, por uma revolução. Se você quer mudanças reais precisa derrubar o sistema. O exemplo que uso para desenhar isso na prática é o movimento que ocorreu na Tunísia. Lá, derrubaram o Mubarak. Aí, entrou o Morsi. Mas a classe dominante permaneceu no poder e se refez. Derrubou o Morsi e voltou ao poder”, analisou Latuff.
O cartunista acompanhou o processo de mobilizações da Tunísia. Teve até charges levantadas por manifestantes na Praça Tarih. Seu apoio a causa começou a partir do contato de dois egípcios pela rede social Twitter. Contudo, Latuff, é cético ao processo de mudanças provenientes dessas manifestações. “Se a gente olha para esses países da primavera árabe, vamos perceber que, todos falharam porque não conseguiram mudar o sistema”, afirma.
Para ele, as pessoas queriam a queda do ditador Mubarak. Porém, não sabiam o que queriam colocar no lugar. “Eles não sabiam. E o sistema dá o que se pede. Os americanos aliados dos israelenses deram o que eles queriam: a cabeça Mubarak, mas no lugar colocaram os militares. Então, não é só pensar na derrubada do governo atual, mas o que vai ser colocado no lugar’, enfatizou.
Outra crítica feita pelo cartunista é sobre a falta de adesão do povo nessas mobilizações. “Todas essas mobilizações eram feitas pelo segmento de jovens lá no Egito, assim como aqui. Não foi uma mobilização de massa de fato, do povão. Então, por isso não deram em nada, em minha opinião”.
Mídia Burguesa
Latuff é também crítico em relação à cobertura midiática da “imprensa é golpista”. Para ele, “é fato que a imprensa burguesa não tem compromisso em informar”. Um papel já esperado. Porém, o governo e até entidades de esquerda, sequem alimentando economicamente a mídia golpista.
“NO governo continua anunciando na imprensa burguesa. A revista Veja está cheia de anúncios do Banco do Brasil, da Petrobras. Se parte dessa grana fosse entregue para imprensa alternativa ai seria um adianto, haveria um plano de contraposição a mídia burguesa”.
Para Latuff, uma das alternativas a mídia burguesa é a proposta “do itself”, ou seja, “faça você mesmo”. Por isso, ele não concorda com a crítica de que experiências como o coletivo Mídia Ninja – que faz cobertura das mobilizações ao vivo sem edição – não seja jornalismo. “Deixamos de ser somente consumidor de informação e conteúdo e nós transformamos em produtor. Claro que ainda há um intermediador: o cara que está com a câmera na mão, mas ele está muito mais livre”, defende.
Segundo o cartunista, jornalismo é produzir conteúdo e circularem informações, e isso o Mídia Ninja consegue realizar a partir as transmissões online dos protestos. “Não importa minha opinião sobre o Mídia Ninja. Eles estão aí. Quem tem um câmera na mão e faz cobertura de um fato faz jornalismo. Pode ser um jornalismo informal, mas faz jornalismo”, ressalta.
Ele também criticou o processo de resistência as novas tecnologias e o novo tempo da comunicação da imprensa sindical que, segundo ele, ainda é analógica. “O dirigente sindical, quando faço uma charge, ele ainda quer a exclusividade no impresso e não no digital. A esquerda tem que parar de ter medo da tecnologia”, frisou.
O cartunista finalizou sua participação na mesa “Juventude, internet e mobilizações” com uma dura análise da esquerda no Brasil. “A bandeira de esquerda se perdeu, não há mais discurso revolucionário. Participação no governo não resolve. Se a gente se satisfaz com uma mão de tinta na parede, não faz diferença. Temos que colocar a casa abaixo e começar outra. O processo é revolucionário”, defendeu.
Latuff também denunciou, e usou como exemplo do que acredita ser “a necessidade de romper com o sistema”, o caso do militante Onir Araújo. Ligado à Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, ele foi preso no Largo Zumbi dos Palmares, no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, por uma Brigada Militar. “O governo lá é PT, é de esquerda, mas não consegue mudar isso”, aconselhou o cartunista.
Ele também defendeu que a Esquerda precisa descobrir novas linguagens de interação com o público. “Não sei por que a Esquerda tem que ser sempre sisuda. É preciso que o diretor sindical entenda que a imprensa é essencial. Não adianta investir somente em equipamentos, precisa investigar em gente e novas formas de linguagem. Veja o que o Rafucko faz. Ele faz tipo um stand up comedy de esquerda. Isso é usa a comedia pra chegar às pessoas com critica” elogiou.
Nova rua
Rafael Vilela, midialivrista que integra o coletivo Mídia Ninja, pontuou que o recado das ruas é claro: as pessoa não estão mais dispostas a serem representadas pelos mesmo políticos e práticas do Congresso Nacional. “Isso é uma crise de representativade. Junho não foi uma bomba que explodiu sozinha. É um acúmulo de demandas reprimidas”, destaca Vilela. “A gente tem um crise muito mais ampla do que se imagina. Esse modelo político, o que está posto, o jovem não está mais a fim de entrar, participar. Ele quer discutir outra gestão, outra representação”, complementa Vilela.
Para o midialivrista, um erro cometido com a juventude é medir e enquadrar o acesso dos jovens a internet como banal. Porém, ele ressalta que “a política tem um viés que se cruza o tempo inteiro com diversas atividades, inclusive, com o que se menospreza como uso banal. Ao invés de menosprezar, o que temos que fazer é produzir conteúdo cada vez mais para esses jovens terem acesso a um conteúdo político de qualidade e criativo”, comentou Rafael Vilela..
Segundo Vilela, hoje, as mobilizações realizadas no Rio e em São Paulo, contam com mais de cinco ou até dez pessoas transmitindo as manifestações online. “São visões e horizontes de cada um, afinal, alguém aponta a câmera e filma. Mas você pode escolher o horizonte. Comparar. Nós do Mídia Ninja, inclusive, colocamos os outros link de transmissão. Além disso, a imprensa independente se multiplicou e diversificou. Só isso, já é muito bom”, revela.
De acordo com ele, esses grupos de midialivristas fazem parte de movimentos globais de resistência. “Podem não ser articulado, mas neste processo de derrubada de governos e manifestações, o saldo foi positivo. Todos os processos deixaram redes de midialivristas muitos fortes dessa experiência”, afirma. Ele cita a rede de advogados em defesa dos manifestantes como exemplo de uma nova categoria de ativistas surgida da disputa das ruas. “Eles defendem a democracia e o espaço público da rua. São novos atores que fazem uma grande diferença nas ruas, pois estão combatendo o processo de criminalização desses atores: os manifestantes”, destacou Rafael Vilela.
Para ele, essa criminalização é um produto da cobertura da imprensa comercial. “Há duas imprensas: uma que figura como pública e outra como institucional. Para temos mais a pública, precisamos pensar em novas formas de financiamento e ter coerência entre fala e prática. E refletir sobre o disposto. Um exemplo é o Facebook. Essa rede é que deveria pagar por produzirmos conteúdo vinculado na rede dela e não a gente pagar por anúncios ou divulgação de evento ou post Temos que procurar soluções de aplicativos para sairmos do Facebook’, finalizou.
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