Por Gabriela Gomes
A sexta-feira, 22/11, foi um dos dias mais marcantes e emocionantes do 19º curso anual do NPC. A segunda mesa, sobre “Comunicação e cultura popular”, contou com a participação da líder comunitária e comunicadora popular, Adenilde Petrina; do Repper Fiell, do morro Santa Marta; e do presidente da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk), Mano Teko.
Quem abriu a mesa foi Adenilde Petrina, que faz parte do Movimento Negro Unificado e do Coletivo Vozes da Rua. Logo no início ela fez uma ponte com os dias atuais em relação à separação entre casa grande e senzala. A mineira, que é do bairro Santa Cândida, Juiz de Fora (MG), conheceu o movimento hip hop através de moleques de onde morava e da rádio comunitária que coordenou durante algum tempo. Fez questão de destacar que seu aprendizado sobre cultura negra se deu com o movimento e sua militância e sempre procura estudar a história do povo. Para Adenilde, vivemos em uma sociedade patrimonialista como da época colonial, e a diferença entre senzala e casa grande permanece. Falou ainda sobre o fechamento da rádio comunitária Mega FM, que se deu em 2003, e sobre a repressão que sofreram.
Através da educação é que conseguimos “abrir os olhos da senzala”
“Na escola pública está a nossa maneira de mudar a sociedade. Apesar de ela ser ruim”, afirma a militante. Para Adenilde, devemos cuidar de nossas escolas, apesar da precariedade das mesmas, pois, na sua opinião, “lá é que conseguiremos educar, dar suporte e criar uma consciência e um pensamento crítico”. Segundo ela, não só em uma sala de aula, mas com a força dos movimentos sociais é possível começar a enxergar que vivemos em uma sociedade violenta e desigual.
Desde a era colonial, disse Adenilde, a senzala sofre com a repressão do Estado e da polícia: “A porta-voz da casa grande sempre foi a repressão”. A ordem, segundo ela, era ser “robozinho” do sistema, quem ia contra isso, sofria as consequências.
A professora nos dá uma verdadeira aula de história e explica que a classe média desde sempre explorou o proletariado em busca de uma mão de obra barata. Adenilde destaca também sua posição em relação aos graduados: “Não podemos abaixar a cabeça pra esse povo de universidade, da casa grande, pois temos nossa cultura rica e de rua”. A líder comunitária acredita que a favela tem muito o que aprender sim, mas tem mais ainda a ensinar, além do cuidado que se deve ter quando a universidade fala para a favela.
A militante conclui dizendo que para se fazer uma revolução é necessário conhecer a história “para não ser fantoche de ninguém”. Para isso, é importante utilizar a música, como a cultura hip hopque serve de agente de transformação. “Queremos uma sociedade fraterna e livre para todos”, ressaltou.
A importância das mídias alternativas
Adenilde Petrina classifica os meios de comunicação da imprensa comercial como mídia bandida. “Hoje não são os bancos que caracterizam a classe dominante, sim os meios”.
Ex-coordenadora da rádio comunitária que funcionava em Juiz de Fora, a militante acredita que quando a casa grande notou que a senzala “pensava” começou a incomodar. Foi isso que provocou a perseguição e o fechamento da rádio. Os comunicadores foram ameaçados e obrigados a pagar com serviços comunitários: “Sofremos um processo de silenciamento da nossa voz. A Anatel mandou fechar e sofremos um processo muito bruto. Ela foi baqueada, mas levantamos a cabeça e continuamos a luta.” Para Adenilde, sendo bem realista, as rádios comunitárias não serão liberadas, mas é uma luta que não se deve desistir, e sim, encontrar alternativas para a luta. “Nossa radio desmontava as farsas dessa mídia burguesa”, afirma ela.
A grade contava com programas de funk a jazz e clássico. O trabalho dos colaboradores da rádio comunitária era um “jornalismo de combate”, como a professora chama. Os blogs, rádios comunitárias e conversas de boca a boca, segundo ela, é o melhor meio de informação para os moradores de sua comunidade.
Música para reflexão
Os cantores Mano Teko e Fiell fizeram a abertura e o fechamento de suas mesas com muita música. As letras compostas por eles retratam e alertam a sociedade para os seus reais problemas.
Fiell iniciou com a música “Trabalhadores no Brasil”, que faz uma reflexão sobre a situação do trabalhador brasileiro. Cantou ainda: “O povo unido” e “Pedagogia da dominação”, que fazem parte do seu segundo CD. O repper, como prefere ser chamado, destacou a importância de a favela criar uma consciência de classe, a importância de os moradores se unirem para que seja feita uma revolução, e o fato de que a universidade precisa aprender a falar para os moradores das favelas. Para o repper: “A revolução será construída com os trabalhadores e para isso temos que falar a linguagem deles (do pobre, do trabalhador e do favelado).”
O militante faz parte da rádio Santa Marta, que foi fechada pelo Estado assim como a de Dona Adenilde. Também pagaram um alto preço como punição.
Fiell é hoje conhecido pela UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do morro Santa Marta, em Botafogo (RJ), onde mora. Isso após construir uma cartilha de abordagem policial que tem como objetivo garantir o direito dos moradores das favelas com a presença da UPP e diminuir os abusos cometidos pela polícia.
Para fechar sua fala, apresentou um vídeo que retratou a poesia, de sua autoria, “Resistir é preciso”. A poesia expõe o morro e faz uma crítica ao modelo de pacificação midiática de fuzil, como chama o militante. “Vamos construir um Estado onde comer, morar e ter educação será um direito e não um privilégio!”, conclui Fiell.
Funk também serve para transformação social
Mano Teko, que procura informar através de suas músicas, começou falando do funk como transformador social, cultura que vem da favela e as formas de preconceito e discriminação contra o ritmo. Teko diz ter se identificado com a linguagem do funk na favela do Acari, perto de onde mora. Cansado de ver o funk sendo criminalizado, um grupo de pessoas fundou a Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk).
Cantor do ritmo desde a década de 90, ele conta que sempre fez letras pedindo paz e ainda assim suas letras eram criminalizadas. “Dizem que o funk está em um melhor momento de estar na TV, nos programas populares, porém eu acho que ele está em sua pior fase”, afirma Mano Teko. O cantor faz essa crítica, pois, para ele, o momento é de elitização do funk. Mano Teko cita como exemplo alguns bailes que acontecem dentro das favelas, mas são acessíveis só por quem tem dinheiro. “Hoje em dia no Santa Marta, por exemplo, temos festas de pessoas que vêm de fora, cobram 100 reais para fazer um baile funk e esses são permitidos. Então sabemos para quem são feitas essas festas”. Teko se refere à Resolução 013, a qual cabe a um policial permitir ou não a realização de uma festa ou evento cultural.
O cantor relembrou também a batalha que travaram para que o funk fosse reconhecido como cultura popular. Foi criado, segundo ele, uma cartilha que contava a história em quadrinhos do movimento funk, como se deu todo o processo, ou seja, desde a época do James Brown até os dias atuais.
Teko falou também como começou o bloco e o sarau APAFunk, uma espécie de roda de funk, parecida com a roda de samba, onde contam com apresentações livres. São de três a quatro horas de música sem palavrão, no intuito de mostrar que o funk vai além do que a mídia burguesa apresenta na TV. O sarau possibilitou fazer a divulgação do coletivo e abriu mais uma forma de integração e diálogo com o movimento. Destacou também o fato de ter se estreitado o laço com as mulheres: “Trouxemos a mulher pra essa roda de funk”, afirma Teko.
Para fechar a mesa, foi exibido o clipe “Gangster da favela”. Em seguida, Mano Teko convidou ao palco seu amigo MC Pingo para cantarem as músicas “Apologia” e “Minha conduta”, com o coro especial dos participantes do curso.
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