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Brasil precisa regular setor de comunicações para garantir avanços na democracia

Por Marina Schneider, do NPC

Uma legislação que promova diversidade de vozes e a existência de um órgão regulador são fundamentais para garantir liberdade de expressão, direito à comunicação e avanços na democracia. Estes foram alguns dos caminhos apontados pelos palestrantes no debate sobre regulamentação das comunicações que aconteceu no dia 21 de novembro, durante o 19o Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, no Rio de Janeiro. A participação da sociedade civil na defesa da democratização da comunicação também foi assinalada como determinante para que haja pluralidade no setor no Brasil.

mesa

Participaram da mesa o professor da USP, Laurindo Leal Filho, a jornalista do Intervozes, Bia Barbosa, a jornalista Claudia de Abreu, diretora do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro e membro da Frente Ampla pela Liberdade de Expressão do Rio (Fale-Rio) e o jornalista e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Altamiro Borges. A mediação foi feita pelo jornalista do NPC, Arthur William. Os palestrantes deram um panorama da regulamentação das comunicações na Europa, na América Latina e no Brasil e defenderam a Lei da Mídia Democrática, projeto de iniciativa popular que propõe a regulamentação dos artigos 5, 21, 221, 222, 223 da Constituição Federal, que tratam do setor. O projeto tem que alcançar 1,3 milhão de assinaturas para ser apresentado ao Congresso Nacional.

 

Brasil continua atrás de muitos países da América Latina

Em uma breve retrospectiva histórica, Altamiro Borges lembrou que a imprensa hegemônica, através do terrorismo econômico, teve papel fundamental na preparação para os golpes militares que se sucederam na América Latina. “No Brasil, só o jornal Última Hora não fez isso. Todos os outros grandes jornais clamaram pelo golpe, trabalharam para depor João Goulart e no dia 1º de abril fizeram editoriais comemorando a ‘democracia’”, recordou. Ele destacou também que esta mídia foi importante instrumento de disseminação das ideias neoliberais. “A mídia teve papel decisivo para a divulgação das ideias de desmonte da nação, do Estado e do trabalho”, apontou Altamiro.

Cientes deste passado e da centralidade da mídia para o avanço da democracia, muitos governos progressistas latino-americanos conseguiram aprovar legislações e criaram políticas públicas para promover a diversidade informativa. Este é o caso da Argentina, do Equador e da Venezuela, por exemplo. “O Brasil continua sendo a vanguarda do atraso, como costuma afirmar o professor Dênis de Moraes”, lamentou Altamiro. De acordo com o jornalista, isso ocorre porque os barões da mídia lutam para que o cenário de grande concentração não seja alterado e interditam o debate em seus veículos. Além disso, ele avalia que a esquerda brasileira ainda não vê a democratização da comunicação como uma bandeira prioritária. “Os movimentos sociais e o movimento sindical não encamparam este debate. Entre o discurso e a prática há uma distancia abissal”, criticou. Para ele, outro fator que faz com que a regulação não avance é a visão covarde do governo Dilma Rousseff sobre o tema.

A jornalista Bia Barbosa também criticou a falta de avanços na regulação das comunicações no Brasil, que mantém o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, como principal referência para o setor. “Ele conseguiu sobreviver a todos os avanços tecnológicos e continua em vigor. Isso não é mérito do código, mas demérito do Estado brasileiro que não conseguiu atualiza-lo”, lamentou. Para ela, a aprovação de leis isoladas, a falta de atualização do CBT e a ausência de regulamentação dos artigos da Constituição que tratam do tema criam um ambiente regulatório contraditório e disperso. Classificação indicativa, regras para veiculação de publicidade, conteúdo de TV por assinatura e de TV aberta e infraestrutura são, cada um deles, responsabilidades de diferentes setores. “A dispersão é extremamente boa para que a regra não funcione”, afirmou, lembrando que Europa e Estados Unidos, consideradas democracias mais avançadas, têm órgãos específicos justamente para centralizar a regulação do sistema.

Regulação na Europa e Estados Unidos

Laurindo Leal Filho explicou que a regulação europeia está vinculada diretamente à ideia de construção do Estado de Bem-estar Social. “A comunicação passou a ser vista como um serviço público para que os cidadãos pudessem exercer com plenitude a cidadania”, lembra. Mesmo as emissoras comerciais, que lá surgiram depois das públicas, são vistas como prestadoras de serviços que precisam ser avaliados, daí a criação dos órgãos reguladores.

Segundo o ele, quase todos os países da Europa Ocidental possuem órgãos reguladores. Entre estes dispositivos, Laurindo citou o Órgão de Regulação para as Indústrias de Comunicação do Reino Unido (Ofcom) e o Conselho Superior de Audiovisual da França, que além de ser o responsável pelas concessões e de monitorar a programação, também indica os diretores das emissoras públicas e realiza cursos de leitura crítica da mídia. Nos Estados Unidos, a Comissão de Comunicação Federal (FCC) funciona desde 1934 e atua na proibição da propriedade cruzada, ou seja, impede que uma só pessoa seja dona de diversos veículos em diferentes plataformas. Para Laurindo, aqueles que defendem a não-regulamentação e a entrega total das comunicações nas mãos do mercado querem, na verdade, uma liberdade empresarial e não de expressão.

 

Canal da Cidadania pode ampliar diversidade de vozes na TV aberta 

Previsto pela Portaria 489/2012 do Ministério das Comunicações, o Canal da Cidadania faz parte do conjunto de canais públicos do Sistema Brasileiro de TV Digital. Ele terá quatro faixas de programação: uma para o poder público estadual, outra para o poder público municipal, e duas destinadas à sociedade civil. Essa novidade pode incentivar a participação popular e fomentar a produção audiovisual independente, de caráter local. É a oportunidade de movimentos sociais e sindicais se apropriarem desse veículo de informação estratégico e entrarem pra valer na disputa de ideias com os outros meios empresariais.

A jornalista Claudia de Abreu, que falou sobre este tema, apontou diversas condicionalidades para que o canal seja solicitado, entre elas a necessidade de se criar um conselho municipal de comunicação. Ela afirmou, ainda, que de acordo com o decreto não há nenhuma garantia de que as atuais TVs comunitárias conseguirão automaticamente o canal. “O mais importante é que a gente não perca a possibilidade de poder transmitir na TV aberta. Esta é uma oportunidade incrível de poder falar com a sociedade sem intermediários”, alertou.

 

Trabalhadores da EBC são saudados

Os trabalhadores da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que ainda estavam em greve no dia 22/11, quando ocorreu o debate, foram saudados com uma salva de palmas pelos participantes do curso. Claudia de Abreu, diretora do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro afirmou que o processo estava sendo muito educativo, com pelo menos seis horas diárias de assembleias e união entre radialistas. “É uma greve para fortalecer a comunicação pública no Brasil”, ressaltou Beatriz Barbosa, que também homenageou os trabalhadores da EBC em sua fala.

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