Por Gaudêncio Frigotto[2]


             A educação seja ela escolar seja a que se da nos movimentos e práticas sociais não está pendurada na sociedade. Ela é parte constituída e constituinte  destas sociedade e, no  interior  das sociedades capitalistas ela é parte da luta de classe.

Se a relação entre política, educação e ideologia tem dimensões universais no seio das sociedades capitalistas, estas mesmas relações  tem particularidades em formações históricas específicas.  E para  captar estas especificidades é preciso responder  às questões: o que nos constitui a sociedade que somos? O que tipo de  relações e lutas nos conduziram até o presente? Quais os desafios e lutas concretas que estão em jogo no campo social e educativo?

Isso significa que não se entende o presente e desenha o futuro  há futuro sem  inventariar nosso passado.. Disto decore que uma adequada análise histórica implica relacionar o tecido estrutural de uma sociedade com as mudanças conjunturais para compreender o sentido destas mudanças. Trata-se, nos termos de karel Kosik (1976), de distinguir numa determinada estrutura social as mudanças que transformam a realidade, mas conservando e reproduzindo a sua natureza, das mudanças que concorrem para romper e superar essa estrutura. Em nosso caso isto implica efetiva reforma agrária, reforma tributária de sorte que os ricos paguem proporcionalmente e de forma progressiva, taxação das grandes fortunas construídas não pelo trabalho, reforma do judiciário para que haja de fato justiça.

O tempo histórico que vivemos no mundo e no Brasil é de regressão social, de desmedida do capital na violência contra os dereitos dos trabalhadores e de uma poderosa investida na mercantilização da educação na gestão, no conteúdo, método e formas de educar.

Este processo teve seu início, no plano mundial, com o surgimento a ideologia do capital humano na década de 1950 com a equipe de Theodoro Schultz (1973). Trata-se de uma visão invertida para explicar as desigualdades sociais produzidas pelas relações entre capital e trabalho. Naturaliza-se o cartear cada vez mais excludente das relações sociais e induz-se a ideia que os países pobres e as populações pobres podem sair desta situação investindo em educação. Mas até hoje os adeptos desta ideologia não respondem à seguinte questão: os países pobres e as populações pobres assim são porque investem pouco em educação ou tem pouca educação porque são pobres? Uma visão que além de reduzir a educação de um direito social e subjetivo a um serviço mercantil, falseia e obscurece as reais relações sociais que produzem a desigualdade[3].

Cabe perguntar, então, qual a natureza do tecido estrutural de nossa sociedade que se sucedem conjunturas com golpes militares ou institucionais, se alternam governos de forças políticas diversas e a desigualdade brutal persiste e é apenas aliviada com políticas compensatórias, filantrópicas ou de pífia transferência, mas não de distribuição de renda? Como entender que uns pais continental com a extensão de 8 mil quilômetros, tenham milhões de trabalhadores sem terra e a vergonhosa favelização das grandes e médias cidades? Por que o campo educacional muda tão pouco, a despeito da retórica do valor da educação, uma espécie de galinha dos ovos de ouro para resolver as mazelas sociais e econômicas e os sucessivos reclamos dos donos do capital e seus intelectuais sobre apagão educacional?

 

  1. Brasil, uma sociedade que produz a miséria e se alimenta dela.

O subtítulo acima, retirado do texto de Francisco de Oliveira (2003) no qual usa a imagem do ornitorrinco – simbiose de ave, réptil e mamífero – para caracterizar o que o pensamento social crítico brasileiro evidencia de nosso tecido social estrutural. Com efeito, sem entender a particularidade que nos define como uma das sociedades rica, mas das mais desiguais do mundo, não poderemos entender nossa situação pífia no atendimento ao direito à educação básica e, como consequência, os resultados igualmente frágeis na profissionalização pelo acesso à universidade ou cursos superiores e à formação profissional nos padrões exigidos nos processos produtivos atuais. Também ficamos sem entender porque efetivamente não temos cidadania real para a maior parte da população brasileira.

Vários são os pensadores que nos ajudam neste inventário, dentre eles:  Sérgio Buarque de  Holanda, Caio Pardo Júnior, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Milton Santos, Otávio Ianni, Francisco de Oliveira, Carlos Nelson Coutinho. Na brevidade deste texto nos ateremos especialmente às contribuições originais de Celso Furtado, Florestan Fernandes e Francisco de Oliveira[4].

Furtado (1966, 1982 e 1992), é autor que mais publicou sobre a formação econômico-social brasileira e sobre a especificidade do nosso desenvolvimento. Uma de suas conclusões originais e base para análises de outros pensadores críticos que nos dão o inventário do que nos conduziu até o presente é de que o subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento, mas uma forma específica de construção de nossa sociedade.

Ao longo de sua obra, situa a sociedade brasileira dentro do seguinte dilema: a construção de uma sociedade ou de uma nação onde os seres humanos possam produzir dignamente a sua existência ou a permanência num projeto de sociedade que aprofunda sua dependência subordinada aos grandes interesses dos centros hegemônicos do capitalismo mundial. É neste horizonte que Furtado faz a crítica ao “modelo brasileiro” de capitalismo modernizador e dependente, uma constante do passado e do presente.

Avançando nas análises de Furtado, aprofundando-as e contrariando o pensamento conservador dominante e de grande parte do pensamento da esquerda, Florestan Fernandes e Francisco de Oliveira rechaçam a tese da estrutura dual da sociedade brasileira que atribui nossos impasses para nos desenvolvermos a existência de um país cindido entre o tradicional, o atrasado, o subdesenvolvido e o moderno e desenvolvido, sendo as características primeiras impeditivas do avanço da segunda. Pelo contrário, mostram-nos estes autores a relação dialética entre o arcaico, atrasado, tradicional, subdesenvolvido, e o moderno e o desenvolvido na especificidade ou particularidade de nossa formação social capitalista.

O que se reitera para Fernandes (1968) no plano estrutural é que as crises entre as frações da classe dominante acabam sendo superadas mediante processos de rearticulação do poder da classe burguesa numa estratégia de conciliação de interesses entre o arcaico e o moderno. Trata-se, para Fernandes, de um processo de “modernização do arcaico”.

 Dentro da mesma perspectiva, Francisco de Oliveira (2003) nos mostra que é a imbricação do atraso, do tradicional e do arcaico com o moderno e desenvolvido que potencializa a nossa forma específica de sociedade capitalista dependente e de nossa inserção subalterna na divisão internacional do trabalho. Mais incisivamente, os setores denominados de atrasado, improdutivo e informal, se constituem em condição essencial do núcleo integrado ao capitalismo orgânico mundial. Assim, a persistência da economia de sobrevivência nas cidades, uma ampliação ou inchaço do setor terciário ou da “altíssima informalidade” com alta exploração de mão de obra de baixo custo são funcionais à elevada acumulação capitalista, ao patrimonialismo e à concentração de propriedade e de renda.

Ao atualizar, quatro décadas depois, a sua obra Crítica à razão dualista, Oliveira (2003) nos revela que o que se tornou hegemônico foi a permanência de um projeto de sociedade que aprofunda sua dependência subordinada aos grandes interesses dos centros hegemônicos do capitalismo mundial. Esta opção hegemônica, em termos de consequências societárias, a expressa recorrendo à metáfora do ornitorrinco.

 Para Oliveira, a imagem do ornitorrinco faz a síntese emblemática das mediações do tecido estrutural de nosso subdesenvolvimento e a associação subordinada da classe burguesa brasileira aos centros hegemônicos do capitalismo e os impasses a que fomos sendo conduzidos no presente. Uma particularidade estrutural de nossa formação econômica, social, política e cultural, que nos transforma num monstrengo social.

As relações de poder e de classe que foram sendo construídas no Brasil, observa Oliveira, permitiram apenas parcial e precariamente a vigência do modo de regulação fordista tanto no plano tecnológico quanto no plano social. Da mesma forma ocorre, no presente, com a mudança científico e técnica, de natureza digital molecular, que imprime uma grande velocidade à competição e à obsolescência dos conhecimentos. Isto, destaca Oliveira, torna nossa tradição da cópia ainda mais inútil. Uma sociedade, portanto, que na divisão internacional do trabalho dominam as atividades ligadas ao trabalho simples de baixo valor agregado.

Essa construção histórica de nossa formação social resulta, para Florestan Fernandes (1974) do fato de que a classe dominante brasileira não protagonizou uma revolução burguesas na sua forma clássica, a qual suponha construir uma nação com relativa autonomia e com as reformas estruturais que permitissem maior igualdade na conquista dos direitos sociais básicos e dos direitos educacionais e culturais. A nossa burguesia nunca foi nacional, mas associada e dependente do capital mundial na sua forma imperialista. Em sua obra A sociologia no Brasil Fernandes (1977) reitera aspectos centrais do que tratou em 1974 no livro A revolução Brasileira e situa o papel desempenhado pro nossa burguesia.

O que está em jogo é antes o estabelecimento de limites e explicar porque uma ordem social burguesa, na periferia do mundo capitalista, enfrenta na esfera cultural as mesmas impossibilidades que se concretizam na esfera econômica. A dominação imperialista não deixa claros. Ao fechar o tempo histórico no plano da economia, ela também fecha o tempo histórico no plano da cultural. As classes burguesas cerram os olhos diante das duas realidades ou lançam-se ao combate para que elas se tornem possíveis, pois lhes cabe esse triste papel de associar a anulação de revolução nacional à industrialização maciça, à aceleração do desenvolvimento capitalista e à absorção das empresas nacionais. (Fernades, 1977:230)

 

É destas análises que Florestan constrói o conceito de capitalismo dependente para tipificar sociedades marcadas pro relações sociais e de produção que combinam elevada concentração de riqueza e capital e de desigualdade, das quais o Brasil é um exemplo emblemático. Trata-se de uma categoria ou um conceito que rechaça a ideologia da modernização e expõe os limites da teoria da dependência com as abordagens centro e periferia e o confronto entre nações, ao situar o núcleo explicativo na relação de classes e no conflito de classe no sistema capitalista e de sua lógica imperialista. Capitalismo dependente expressa que não se trata de dualidade e, também, não é um confronto entre nações, mas a aliança e associação subordinadas, em nosso caso da burguesia brasileira, com as burguesias dos centros hegemônicos do sistema capital na consecução de seus interesses.

Esta mesma categoria permite compreender, de forma mais precisa, um processo histórico de desenvolvimento desigual e combinado. A aliança dependente e subordinada da burguesia brasileira com os centros hegemônicos do capital tem como resultado a combinação de nichos de alta tecnologia, elevadíssimos ganhos do capital, concentração abismal de capital e de renda e super exploração do trabalhador e uma concentração de miséria e de mutilação dos direitos elementares a grande maioria.

As breves indicações acima nos dão a chave para entender que vivemos numa sociedade onde a classe dominante se associada ao grande capital e não aos interesses de seu país, tendo como consequência concentração abismal de riqueza e de miséria, Isto se reflete diretamente no acesso desigual aos bens econômicos elementares do comer, vestir-se e ter um teto para grandes massas e na desigualdade aos acessos aos direitos sociais da saúde, educação, cultura.

Ao fazer o balanço de sua geração Florestan Fernandes a definiu como geração perdida e interroga sobre o que pretendiam, por que falharam e quais lições que deveriam ser tiradas para não repetir os mesmos erros no futuro. A síntese abaixo expressa qual foi o erro de sua geração e qual a tarefa do intelectual dos que buscam alterar a brutalidade estrutural de nossas relações sociais.

 

Não foi um erro confiar na democracia e lutar pela revolução nacional. O erro foi outro – o de supor que se poderiam atingir esses fins percorrendo a estrada real dos privilégios na companhia dos privilegiados. Não há reforma que concilie uma minoria prepotente a uma maioria desvalida. (…) A causa principal consiste em ficar rente à maioria e às suas necessidades econômicas, culturais e políticas: pôr o povo no centro da história, como mola mestra da Nação. O que devemos fazer não é lutar pelo Povo. As nossas tarefas são de outro calibre: devemos colocar-nos a serviço do Povo brasileiro para que ele adquira, com maior rapidez e profundidade possíveis a consciência de si próprio e possa desencadear, por sua conta, a revolução nacional que instaure no Brasil uma nova ordem social democrática e um estado fundado na dominação efetiva da maioria. (Fernandes., 1980: 245-6).

 

Esta síntese de Florestan deriva de sua análise de que no Brasil a classe dominante não pautou o caminho clássica das revoluções burguesas e, disto resulta uma consequência política para o campo da esquerda que pauta o ideário de mudanças estruturais e a utopia de relações sociais fundadas no socialismo. A tese corrente para essa travessia que não se pautasse visão do quanto pior melhor[5], mas no acirramento das contradições entre o capital e o trabalho, era da necessidade de aliança com burguesia para efetivar a revolução nacional baseada nas reformas estruturais e a construção de uma nação com soberania e sem desigualdades sociais absurdas. Feito este caminho, dentro da ordem burguesa, estariam dados as condições de lutar para a travessia ao socialismo.

O que Florestan nos ensina é que o Brasil nuca teve uma burguesia interessada em construir uma nação autônoma e soberana no diálogo com o mundo, mas uma classe dominante associada ao grande capital e que, desde o Império, expropria de forma predatória o trabalho e a nossa riqueza e vende o país e se apropria de parte desta venda. Daí decorre a conclusão que a tarefa de construir a “revolução nacional” com as reformas de base, em nosso caso e nos países de capitalismo dependentes, só poderá ser feita pela organização e luta da classe trabalhadora.

Com efeito, o que diferentes análises nos mostram é de que as várias tentativas efetivadas em nossa história para, na expressão de Francisco de Oliveira, fundar a nação, sempre redundaram em arranjos pelo alto, quando não por golpes civis militares ou institucionais para mater o status quo. Carlos Nelson Coutinho (1992 e 1996 com base nas análises de Gramsci, tipifica este processo histórico que nos caracteriza como de revolução passiva e/ou de transformismo. Trata-se de processos de mudanças que mantem a ordem estrutural de profunda desigualdade mediante arranjos das frações da classe dominante e por processos de cooptação de setores da classe trabalhadora.

Tomando as mudanças conjunturais a partir da década de 1930 o que acabamos de assinalar acima se explicita de forma emblemática. O que se denominou de Revolução de 1930, não foi uma ruptura estrutural, mas um arranjo entre os interesses dos grandes proprietários de terras e de latifúndios que formavam as oligarquias agrárias detentoras do poder em seus feudos com a fração da classe dominante. Houve mudanças na ordem econômica, social e educacional e nas leis trabalhistas, porém sem alterar a natureza de nossa estrutura social.

Finda a ditadura Vargas há na sociedade brasileira uma ebulição de ideias e de lutas em todas as esferas da sociedade. Uma conjuntura de lutas política pelas reformas estruturais da reforma agrária com o fim do latifúndio, reformas no campo político, educacional e cultural. Um tempo do cinema novo, do teatro popular, da música popular e de luta pela alfabetização e democratização da educação. O livro de Freire, A pedagogia do Oprimido, constitui-se numa espécie de síntese que articulava as lutas sociais com a educação descolonizadora.

Mas esse tempo virtuoso e rico era, para a classe dominante, perigoso pois ameaçava os seus privilégios e por isso foi interrompido por um golpe civil militar. Uma ditadura que durou duas décadas e que aprofundou a concentração de renda, a desigualdade social e a desigualdade e dualidade educacional.

Por mais longas que sejam as ditaduras elas têm data de validade pois elas não resolvem os conflitos de classe, apenas os amordaçam pela violência física do braço armado do Estado e mediante a coerção política baseada em leis arbitrárias. Depois de duas décadas, por contradições internas e por luta social da classe trabalhadora e de outros setores da sociedade transitou-se para uma redemocratização pautada numa democracia restrita e formal.

A sociedade Brasileira abre uma nova conjuntura, do final dos anos de 1970, até a década de 1990 retomando, agora de forma ativa, as lutas do após ditadura Vargas. Um tempo de intensos debate ao longo do processo constituinte polarizados, especialmente, nas questões de ordem econômica, social e política. Retornam as teses das reformas de base, a questão da democratização da educação mediante a universalização da escola pública, universal, gratuita, laica e unitária. Na letra os avanços dos direitos econômicos, sociais, educacionais e os direitos subjetivos

Mas os tempos no plano mundial eram outros. O colapso do socialismo real por um lado e, por outro, a apropriação privada de um novo salto tecnológico que integra micro eletrônica e informação permitiu à classe detentora do capital e seus intelectuais a disseminar a ideologia do fim da utopia de alternativas ao sistema capitalista, um profundo ataque aos direitos da classe trabalhadora destroçando os direitos conquistados e um livre transito mundial do capital, mormente financeiro e especulativo.

Os intelectuais ultraconservadores, cujo maior expoente é Friedrich Hayek, Prêmio Nobel de economia em 1972 por suas teses contra o socialismo, as teses keynesianas de planejamento da economia e as políticas do Estado de bem-estar social, dão a base teórica para construir ao que se denominou de cartilha do Consenso de Washington. Trata-se é um conjunto de medidas  formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras baseadas em Washington D.C., como o Fundo Monetário Internacional (FMI) o Banco Mundial (BM) que passou a ser “receitado”  para o ajuste das economias, especialmente dos países endiviodados, mas mais específicamente para tomar de assalto  o patrimõnio púbico, emdainte as prrivatização e desmontar as organizações sindicais e políticas da classe trabalhadora.  Trata-se de uma regressão ao liberalismo conservador e que passou a ser denominado de neoliberalismo.

Com a intensa participação política da década de 1980, quando o neoliberalismo se expandia, especialmente nos países de capitalismo dependente, o Brasil apresentava-se ao mundo como uma possibilidade de resistência. Todavia, a conjuntura da década de 1990 até os primeiros anos do século XXI, soterraram esta possibilidade.

Francisco de Oliveira (2007) trás com precisão o significado desta conjuntura em contraste com o que ocorrera no período de 1930 a 1990. Oliveira denomina este período no Brasil era das invenções, para designar uma intensa mobilização da sociedade brasileira no campo do embate político em todas as áreas. Nem mesmo a ditadura Vargas, na década de 1930, e os 20 anos de ditadura civil militar iniciada em 1964 anularam a disputa do projeto societário.

É a partir do final da década de 1980, com o governo Collor de Mello e, de modo decisivo, nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, com ostensivo apoio da burguesia brasileira e seus aparelhos de hegemonia, especialmente a grande imprensa, que se efetiva o desmanche da nação e uma era da indeterminação da política. Esta se expressa especialmente no fato de que as organizações da classe trabalhadora, por diferentes mecanismos, já não contam com a classe dominante, mediante uma ação política que explicite o conflito e a disputa de interesses. O que passa a dominar é a autonomização do mercado (Oliveira, 2007, p. 36).

Essa disputa centrava-se entre a classe dominante brasileira, em sua dominância, que sempre buscou afirmar um projeto associado ao grande capital e, d e doutro, como vimos acima na análise de Florestan Fernandes, a classe trabalhadora e seus intelectuais na busca de constituir uma nação autônoma e soberana, o que implicava proceder as reformas estruturais. Reformas s que alterassem em profundidade a estrutura de uma sociedade injusta e desigual que produz a miséria e se alimenta dela.

A eleição de um operário Luiz Inácio Lula da Silva em 2003 pelo amplo espectro de forças do campo de esquerda historicamente ligadas à luta pelas mudanças de bases ou estruturais e, parte destas forças, na luta pela utopia do socialismo, davam esperança de que fosse interrompida a era da indeterminação da política e do projeto que vendera o pais e destroçara a nação e os direitos da classe trabalhado. É o próprio Francisco de Oliveira que aponta esta possibilidade.

 

Na periodização de logue duré brasileira, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República, ancorada na excepcional performance do Partido dos Trabalhadores e de uma ampla frente de esquerda, tem tudo para ser uma espécie de quarta refundação da história nacional, isto é, um marco de não retorno a partir do qual impõem-se novos desdobramentos. (…). É tarefa das classes dominadas civilizar a dominação, o que as elites brasileiras foram incapazes de fazer. O que se exige do novo governo é de uma radicalidade que está muito além de simplesmente fazer um governo desenvolvimentista (Oliveira, 2003, p.3)

A radicalidade a que o autor se refere, no contexto das forças em jogo, seria uma opção clara de efetivação de medidas políticas profundas capazes de viabilizar a repartição da riqueza e suas consequências em termos de reformas de base na confrontação do latifúndio, do sistema financeiro e do aparato político e jurídico que os sustentam.

Uma ampla produção crítica, a começar pela do próprio Oliveira, permite-nos sustentar que, por diferentes razões e determinações,[6] não ocorreu o caminho do não retorno e a opção esteve centrada na realização de um governo desenvolvimentista. Opção que sua sucessora Dilma Russeff deu continuidade a aprofundou. As diferenças com o governo de Fernando Henrique Cardoso se na ampliação das políticas e programas de transferência de renda, mas não de distribuição de renda e expansão de instituições de ensino público e maiores investimentos na área social. Trata-se de mudanças que alteram a realidade, mas conservando o status quo.

Com efeito, Singer, que foi porta-voz do governo Lula nos primeiros quatro anos de governo, ao caracterizar o que denomina de lulismo, explicita que a opção não foi de confrontar os interessa da classe dominante e seu projeto, mas estabelecer alianças. Singer destaca dois aspectos da não ruptura: a continuidade da política macroeconômica, fiel aos interesses da classe detentora do capital e no investimento na melhoria de vida de uma fração de classe (trabalhadora) que, embora majoritária, não consegue construir desde baixo as suas próprias formas de organização. (Singer, 2009, p. 84). Tal opção política por executar o programa de combate à desigualdade dentro da ordem (grifos do autor) confeccionou nova via ideológica, com união de bandeiras que pareciam não combinar (ibid. p. 97).

 O que Singer indica é de que se reedita, agora com a gravidade de ser feito por um líder oriundo da classe trabalhadora e, na sequência, por uma presidenta que foi guerrilheira, a estratégia da aliança e do consenso de classe. O efeito disso, como apontam as análises da nota 6, entre outras, é de aprofundar a indeterminação da política e deixar o comando dominante aos mecanismos de mercado manejados pelos seus aparelhos de hegemonia. Efetiva-se, como sintetiza Oliveira, uma despolitização da política e uma hegemonia às avessas.  

Assim, podemos afirmar que no plano estrutural, embora o governo de Luiz Inácio Lila da Silva e Dilma Russeff não se tenha a mesma opção dos que no passado recente venderam a nação e haja avanços significativos no plano social, mormente para o grande contingente da população até então mantida na indigência, o marco de não retorno não se estabeleceu e o circuito das estruturas que produzem a desigualdade não foi rompido, ao contrário se sedimenta. O presente nos indica que vivemos uma conjuntura de despolitização, de substituição do cidadão pelo consumidor condenado á pequena política e comandados pelos mecanismos do mercado e as manobras dos seus agentes e intelectuais, com destaca às grandes redes de comunicação que se constituem no partido do capital. Para todas as esferas da sociedade uma realidade nociva e perversa.

 

2. Opacidade da estrutura social brasileira, a dívida e a desigualdade na oferta e qualidade da educação

Como a educação escolar e os processos formativos mais amplos em diferentes esferas da vida não são apêndices da sociedade, mas parte constituída e constituinte da mesma, a desigualdade social, a indeterminação da política se refletem na continuidade da dívida e desigualdade educacional na quantidade e na qualidade.

O paradoxal e cínico é de que tanto a classe detentora do capital, quanto seus representantes no judiciário, parlamento, burocracia do Estado, nas universidades e empresas religiosas, desdês os primórdios do Brasil alimentam a retórica da educação como uma prioridade fundamental, uma espécie de galinha dos ovos de ouro para resolver todas as mazelas da sociedade. Almeida de Oliveira, em discurso no Parlamento em 18 de setembro de 1882 afirmava: na instrução pública está o segredo da multiplicação dos pães, e o ensino restitui cento por cento o que com ele se gasta[7].

 O cinismo evidencia-se, como mostraremos a seguir, no fato que são estas mesmas forças que derrotam e impedem planos e projetos da área da educação que poderiam alterar e saldar a dívida educacional e diminuir substantivamente a desigualdade na educação. Mais cínico ainda é que, especialmente a partir das reformas neoliberais, os professores e demais trabalhadores da educação são acusados de gerarem o apagão educacional, metáfora que indica o atraso humano, social e cultural da classe dominante brasileira.

Não é difícil compreender porque as mudanças na educação, ou as alterações pífias, estão ligadas ao projeto societário da classe burguesa brasileira, acima assinalado. Tomamos para isso três sínteses de intelectuais vinculados historicamente à luta por mudanças estruturais na sociedade brasileira que nos trazem os impasses no campo da educação nas conjunturas delimitadas neste texto que vão da década de 1930 até os dias atuais. Oitenta anos se passaram dentro de uma mesma lógica: protelar e impedir da democratização efetiva da educação básica e medíocre acesso no ensino superior.

Contrariando uma leitura bastante comum nas análises da história da educação passada por intelectuais liberais, Antônio Cândido, referindo-se aos ideais educacionais dominantes na década de 1930, conclui:

 

Tratava-se de ampliar e “melhorar” o recrutamento da massa votante e de enriquecer a composição da elite votada. Portanto, não era uma revolução educacional, mas uma reforma ampla, pois o que concerne ao grosso da população a situação pouco se alterou. Nós sabemos que (ao contrário do que pensavam aqueles liberais)[8] as reformas da educação não geram mudanças essenciais na sociedade, porque não modificam a sua estrutura e o saber continua mais ou menos como privilégio. São as revoluções verdadeiras que possibilitam as reformas de ensino em profundidade, de maneira a torná-lo acessível a todos, promovendo a igualitarização das oportunidades. Na América Latina, até hoje isto só ocorreu em Cuba a partir de 1959 (Cândido, 1984, p. 28) 

 

O que Cândido sublinha é que não aconteceu o que se denominou de “revolução de 1930”. Foram mudanças dentro da ordem e que não alteraram a estrutura e a desigualdade entre as classes sociais. O direito á educação básica não se modificou substantivamente.

Florestan Fernandes, além de ter sido o mais importante sociólogo marxista brasileiro e latino-americano do século XX, dedicou-se como intelectual, professor e depois como parlamentar na defesa da educação pública. Na constituinte e nos debates da Lei de Diretrizes da Educação Nacional foi a mais importante referência das organizações científicas, culturais, sindicais e políticas que sempre perfilaram no campo das reformas estruturais e na defesa da educação pública.

Como Cândido quarenta anos depois, tem uma conclusão mais que balizada e diferente de grande parte do pensamento, inclusive de esquerda, das conquistas no campo social e educacional na constituição. Como formulador original de conceitos e categorias para entender a especificidade do capitalismo no Brasil e da luta de classes e por sua experiência de vida, teve maior acuidade que a grande maioria de que a constituição selava mais um pacto das frações da classe dominante e que letra mais avançada do capítulo da ordem econômica e social não era para valer. Por isso que ele conclui em relação á perspectiva da educação na constituição que nos rege.

A educação nunca foi algo de fundamental no Brasil, e muitos esperavam que isso mudasse com a convocação da Assembleia Nacional Constituinte. Mas a Constituição promulgada em 1988, confirmando que a educação é tida como assunto menor, não alterou a situação (Fernandes, 1992). 

 

O desfecho da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases e o percurso do anterior e atual Plano Nacional de Educação subsumidos pelo Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), e pelo irônico “todos pela educação”, vieram confirmar que permanecem inalteradas, até o presente, as análises de Antônio Cândido e Florestan Fernandes.[9]

Passadas quase três décadas do balanço der Florestan, Dermeval Saviani que tem a mais densa análise e síntese da história da educação das últimas quatro décadas, referindo-se ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), e à numerologia que o acompanha, sustenta:

 

Fica-se com a impressão que estamos diante, mais uma vez dos famosos mecanismos protelatórios. Nós chegamos ao final do século XX sem resolver um problema que os principais países, inclusive nossos vizinhos Argentina e Uruguai, resolveram na virada do século XIX para o XX: a universalização do ensino fundamental, com a consequente erradicação do analfabetismo. (Saviani, 2007.p.3).

 E referindo-se ao conteúdo das políticas, conclui: (…) do ponto de vista da pedagogia histórico-crítica, o questionamento ao PDE dirige-se á própria lógica que o embasa. Com efeito, essa lógica poderia ser traduzida como uma espécie de “pedagogia de resultados”. Assim, o governo se equipa com instrumentos de avaliação dos produtos forçando, com isso, que o processo se ajuste a essa demanda. É, pois, uma lógica do mercado que se guia, nas atuais circunstâncias, pelos mecanismos das chamadas “pedagogia das competências e da qualidade total” (ibid p.3.)

 

Dermeval Saviani, numa exposição que analisa as leis e reformas da educação no Brasil desde o Império (nota 7) expõe de forma sucinta a negação histórica ao efetivo direito de educação básica pública de qualidade com a equação: Filantropia + protelação + fragmentação + improvisação =  precarização geral do ensino no país.

Esta precarização revela-se sob todos os ângulos, na quantidade, na dualidade estrutural e diferenciações regionais e, em consequência na qualidade da educação básica à superior.

Brasil tem 12,9 milhões de pessoas analfabetas, segundo o relatório de 2012 da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), organizada pelo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) com base em dados de 2011.
De acordo com a pesquisa, o número de pessoas com mais de 15 anos que não conseguem sequer escrever um bilhete diminui apenas 1,1% em relação a 2009. A taxa registrada em 2011 foi de 8,6%. Em 2009, essa taxa chegava a 9,7%.

Mas o alarmante é o que revela a mesma pesquisa sobre a negação do direito ao ensino médio aos jovens brasileiros. São 18 milhões de jovens entre 15 e 24 anos estão fora da escola e 1.8 milhão, em idade de estar no ensino médio, não estão frequentando. Na faixa de entrar na universidade, 18 a 24 anos, 16,5 milhões de jovens, ou seja 69,1% não estudam. Mas a metáfora do apagão educacional que aparece no vozerio de empresários e seus representantes intelectuais e políticos, para reclamar a falta de pessoal qualificado esconde quem produz: a mentalidade colonizadora e escravocrata da classe dominante que constituem.

Dados da pesquisa INEP/MEC de 2011 revela que o Brasil tem hoje 8. 357.675 De alunos matriculados no ensino médio. Apenas 1,2% no âmbito público federal, 85,9%, no âmbito estadual, 1,1% municipal e 11,8% no ensino privado. Pode-se afirmar que no âmbito público apenas os 1,2% alunos em escolas federais e algumas experiências estaduais, como a Escola Liberato no Rio Grande o Sul, têm padrões de qualidade internacional, com professores de tempo integral, carreira digna, tempo de pesquisa e orientação, laboratórios, biblioteca, espaço para esporte e arte etc., cujo custo econômico médio é de 4 mil dólares, aproximadamente 8 mil reais.

Os 85% de jovens que estão nas escolas estaduais mais de um terço o fazem à noite, com professores trabalhando em três turnos e em escolas diferentes e com salários vexatórios. O custo médio é de aproximadamente mil dólares ano, um quarto do custo federal. Uma mensalidade numa escola privada de elite corresponde ao que a sociedade Brasileira está disposta gastar com a maioria absoluta dos jovens que estão no ensino médio ao longo de todo um ano. Pode-se concluir que o Brasil não tem de verdade ensino médio. Como consequência quadro de ensino médio acima apresentado a formação profissional em nível superior ou pós médio só pode ser pífia.

Os dados do PNAD mostram que apenas 9% dos jovens entre 18 e 24 anos entram no curso superior. È claro que vão faltar, especialmente em algumas áreas, de profissionais qualificados. Como nos últimos 50 anos avançamos de forma pífia no aumento quantitativo e na qualidade dos jovens que cursam o ensino médio na idade adequada e a maioria só atinge o ensino fundamental, as políticas de formação profissional para grande massa de jovens e adultos estão na lógica da improvisação, precarização e adestramento.

Chegamos assim à segunda década do século XXI com uma profusão de ações de caráter compensatório, filantrópico e, em parte, de transferência de renda e de programas e ações que buscam articular aumento de escolaridade com busca de emprego e renda – PROEJA, PRONATEC, PRONACAMPO. Medidas necessárias, mas que se constituem num castelo sobre areia se não se criarem condições efetivas de fazer-se um trabalho de qualidade. Com os recursos atuais da União, Estados e Municípios tal qualidade é impossível. A profusão destes programas está na lógica da fórmula acima apresentada de Dermeval Saviani e indicam, ao mesmo tempo, o ciclo vicioso produzido pelas forças que constituem a classe dominante brasileira que vem negado os instrumentos da efetiva cidadania à maior da população.

O ciclo vicioso do adiamento da educação básica e a improvisação com plano e projetos emergenciais fica evidenciado no seguinte dado histórico: em 1963, no curto governo João Goulart face à carência de trabalhadores qualificados a aquele ciclo de desenvolvimento criou-se o Programa Intensivo de Preparação de Mão de obra (PPMO). Um programa transitório e de curta duração. Veio o golpe civil militar e este programa durou 19 anos.[10]

O que é espantoso é que cinquenta anos depois a grande política da Estado brasileiro na formação profissional dos jovens e adultos reedita o PIPMO, com as mesmas características, mas com um volume muito maior de recursos – Programa Nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e Programa Nacional de Educação do Campo (PRONACAMPO) e seus congêneres que estão sendo criados.

Essas políticas, sem a base do ensino médio, constituem-se num castelo em cima de areia. A meta até 2014 anunciada pelo Ministério da Educação de 8 milhões de vagas, a maioria no Sistema S, Especialmente SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), como o aporte de dinheiro púbico do BNDES de 1,5 bilhões de reais, pavimentara este castelo, mas continuaremos negando a efetiva cidadania política, econômica, social e cultural à geração presente e futura de nossa juventude. Na expressão de Florestan Fernandes, continuaremos ser um Brasil gigante com pés de barro. Vale dizer, um gigante econômico com uma democracia efetiva frágil e formal e uma sociedade absurdamente desigual

A profusão de “avaliações” ou diagnósticos promovidas pelos governos, especialmente a partir da década de 1990, sem penetrar no tecido estrutural das relações sociais que produzem o que os diagnósticos revelam, terá um duplo efeito negativo: culpabilização dos professores anulando sua função docente e desmantelando sua organização oficializando a gestão, conteúdo e métodos da educação estatal controle privado. Este processo está em curso célere desde a década de 1990 e se aprofunda no presente de forma avassaladora.

A forma ardilosa de desmanche da educação pública começou pelo discurso da ineficiência do sistema estatal. Boa mesmo é a gestão privada! O discurso mais adocicado e veio mediante o pastiche materializado no slogan todos pela educação. Por traz do mesmo o que está se realizando é que o Estado stricto sensu, assuma e financie propostas educacionais de interesse privado dos grupos da indústria, do agro negócio e dos serviços, especialmente bancos e grande imprensa privada. Isto se efetiva pela adoção, por prefeituras e estados, de institutos privados para gerir os sistemas de ensino no conteúdo e no método e nos valores mercantis.

O passo mais ousado deste processo foi lançado no dia 31 de Janeiro de 2013, com o nome sugestivo de Conviva Educação, um sistema virtual gratuito”, desenvolvido por “investidores sociais” para apoiar a gestão das secretarias municipais de educação de todo o Brasil. Quem são estes protagonistas? Fundação Lemann, Fundação Roberto Marinho, Fundação SM Fundação Itaú Social, Fundação Telefônica Vivo, Fundação Victor Civita, Instituto Gerdau, Instituto Natura, Instituto Razão Social, Itaú BBA e o Movimento Todos Pela Educação.[11] A barriga de aluguel para a gestão e da divulgação é União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação (UNDIME), com o apoio do Conselho Nacional de Secretários da Educação (CONSED).

As questões que cabem ao final deste te breve percurso da relação entre o estrutural de nossa sociedade e a imensa dívida, especialmente da educação básica no Brasil são as seguinte: por que estes poderosos grupos privados e seus representantes no parlamento, no judiciário e na grande imprensa não se juntam á luta de impostos progressivos, na não evasão fiscal e se juntaram na defesa efetiva das às propostas presentes na LDB construída e negociada na sociedade e derrotada por um substitutivo em 1997? Por estilhaçaram e protelaram o Plano Nacional de Educação que já findou, ignoraram a Conferência Nacional de Educação que deu base ao igualmente negociado à exaustão Plano Nacional de Educação que há dois anos deve ser aprovado e está sendo descaracterizado por destaques e emendas dos seus representantes?

           A resposta sucinta pode ser encontrada no pensamento social crítico brasileiro que analisa a natureza de nossa classe dominante: uma classe que nunca foi nacionalista, mas associada ao grande capital. Como tal não necessita e não querem educação básica universal que permita efetiva cidadania no plano político, cultural e econômico.

Cidadania política significa ter os instrumentos de leitura da realidade social que permitam ao jovem e adulto reconhecerem os seus direitos básicos, sociais e subjetivos e a capacidade de organização para poder fruí-los. No plano da formação técnica profissional, a cidadania supõe o domínio das bases científicas que superem o adestramento e permita a cada jovem inserir-se no processo produtivo dentro do atual patamar tecnológico. Trata-se de superar a dualidade estrutural que separa a formação geral da específica, a formação técnica da política, lógica dominante no Brasil, da colônia aos dias atuais. Uma concepção que naturaliza a desigualdade social postulando uma formação geral para os filhos da classe dominante e de adestramento técnico profissional para os filhos da classe trabalhadora.

Todos pela educação, conviva educação e “investidores Sociais” representam, no plano da educação estatal nacional, aquilo que os empresários, na década de 1940, negociaram com Getúlio Vargas ao criarem o conhecido Sistema S, subsidiado compulsoriamente por recursos públicos. O lema pedagógico e ideológico que orientava essa formação era: ensinar o que serve e convém ao empresariado[12].

       

 Ao tomarem para a gestão do conviva educação a União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação (UNDIME), e o apoio e divulgação o Conselho Nacional de Secretários da Educação (CONSED) conseguiram o que está faltando para generalizar o que está em curso: fazer o sistema de ensino básico do país funcionar na lógica da mercadoria. Não há sujeitos alunos e nem professores, há organizações sociais, Organizações não governamentais, “investidores sociais” que preparam os conteúdos a serem ensinados, os métodos de ensinar e as formas de avaliar alunos e professores.

O balanço feito por Florestan de sua geração de que não foi um erro lutar pela democracia e a revolução nacional, continua na agenda. Mas mais crucial é a lição de sua conclusão de que não se alcançará a construir a nação tentando conciliar os interesses de uma minoria prepotente a uma maioria desvalida

Aqui reside um duplo e concomitante desafio: a negação de nos tornarmos uma massa amorfa de consumidores submetidos à pequena política; e consequentemente, retomar a agenda política das demandas populares em todos os âmbitos (reformas estruturais, reforma agrária, impostos progressivos, garantia dos direitos sociais na esfera pública, controle social do monopólio da imprensa, impostos sobre grandes fortunas etc.), para que elas possam ser efetivamente atendidas.

A forma específica de construção de nossa sociedade nos indica, de forma inequívoca, que as mudanças estruturais ainda que, como indicava Florestan Fernandes, inicialmente dentro da ordem burguesa, não virão da classe dominante brasileira e de seus representantes no âmbito político, jurídico, religioso e do monopólio da grande imprensa. Isto somente poderá mudar pela organização dos movimentos sociais, sindicatos e intelectuais, forças políticas e culturais que efetivamente lutam pelos direitos dos trabalhadores do setor público e privado e forcem as mudanças estruturais que mantem uma sociedade, que, como analisa Francisco de Oliveira, produz a miséria e se alimenta delasociedade desigualitária sem remissão.

Aos educadores que atuam no sistema público e os que vendem a sua força de trabalho na iniciativa privada cabe aprofundar a leitura crítica sobre as forças conservadoras que impedem o direito à educação  básica e a submetem cada vez amis aos seus interesses privados. Concomitante a isto, um esforço de organização e de mobilização junto às forças que sempre lutaram em defesa do direito á educação pública, universal, gratuita, laica e unitária. Uma luta que implica o resgate do aluno como sujeito e do professor, igualmente sujeito e do que estão célere lhes usurpando – sua função de produzir, organizar e socializar o conhecimento.

 

 

 

 

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[1] . O presente texto , com pequeno adendo,   serviu de base  à conferência  de abertura do XI Fórum Nacional de Educação e do  XIV Seminário Regional de Educação Básica, promovido  pela  Universidade de  santa Cruz  do sul. RS.

[2] . Professor Titular em economia política da educação na Universidade Federal Fluminense (aposentado), atualmente professor na Faculdade de Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro no Programa de Pós graduação em Políticas Públicas e Formação Humana.

[3] . O leitor interessado em aprofundar essa análise ver Frigotto, 2011.

[4] . Um debate ampliado sobre este tema e com grande parte destes pensadores pode ser consultado em Frigotto e Mota (2011).

[5] .Trata-se da concepção que quanto piores forem as condições de pobreza mais rápido seria o convencimento da necessidade de processos revolucionários. A história nos evidencia que isso pode ocorrer, mas os desdobramentos seguintes dificilmente se sustentam. O colapso do socialismo real, que durou sete décadas, não foi um fracasso para a humanidade pois demarcou o século XX, mas não consegui se firmar como uma superação do capitalismo. Há lições a tirar, na sua positividade e na sua negatividade desta experiência histórica.

[6] No espaço deste texto torna-se inviável expor essas razões e determinações. Para esse fim ver: Oliveira ( 2010), Coutinho, (2006 e 2010) Frigotto (2005) e Paulani (2006 e 2008).

 

[7] . Ver. Saviani, Dermeval. As reformas educacionais no Brasil. Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz, 13.10.2012, Videoconferência

[8] Cândido, no artigo em questão, refere-se às reformas propostas por Sampaio Dória, em 1920, Lourenço Filho, no Ceará (1924) e Fernando Azevedo (1928), no Distrito Federal, base para o que se desenvolveria no Governo Provisório após 1930 com a criação do Ministério de Educação e Saúde, confiado a Francisco Campos, que fora o reformador da instrução pública em Minas Gerais.

[9] Para uma visão crítica sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Plano Nacional de Educação ver, respectivamente, Saviani (1999 e 2008).

[10] . Uma síntese analítica do PIPMO que pode nos dar uma visão de como o PTONATEC e PRONACAMPO estão dentro da mesma lógica  e feita por  Anésia Maria  Barradas da Silva  (1986)

[11] . Dados retirados no dia 11.03.2013 da página: http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/conviva-conheca-portal-gestores-municipais-educacao-732297.shtml

[12] . No texto síntese da dissertação de mestrado sobre a pedagogia do SNAI concluída em 1977- Fazendo pelas mãos a cabeça do trabalhado (Frigotto, 2012), o leitor poderá ter uma análise mais profunda do que estamos assinalando.