[Por Vito Giannotti]  Se tivéssemos que resumir em duas palavras o conteúdo do Dicionário de Politiquês diríamos tranquilamente: Em primeiro lugar, pesquisar. Em segundo, traduzir. Esta é a síntese destas páginas.

Pesquisar qual língua nosso leitor ou ouvinte de um programa de rádio ou de um discurso fala e entende. Já vimos que não é suficiente responder que nosso público fala português. Isso não diz absolutamente nada. Qual português? O dos professores da USP ou dos moradores da favela da Rocinha? O falado no mercado de Santana de Passa Quatro, em Minas Gerais, ou o dos pequenos produtores rurais de São Raimundo Nonato, no Piauí? O dos portuários de Vitória ou o dos metalúrgicos de São Bernardo? E mais, estamos tratando de qual língua portuguesa? Da falada pelos bancários do Rio de Janeiro ou pelos comerciários do Ceará? Da dos psicólogos e assistentes sociais do Brasil inteiro ou daquela que é falada pelos trabalhadores da construção civil de Pernambuco?

Uma coisa é a língua falada por médicos, economistas ou agentes da Bolsa de Valores de São Paulo. Outra é a falada pelos funcionários das escolas estaduais de Sergipe, Alagoas, Paraná ou São Paulo.
A diferença não é regional. É de níveis de escolaridade. É de anos de banco de escola. É, numa síntese totalmente pessoal, de experiência de vida. Nesse sentido, o português falado pelos professores da Universidade Federal do Paraná, ou pelos auditores fiscais da Paraíba, é o mesmo. Ele
é igual ao dos engenheiros do Rio de Janeiro ou da Bahia.

Falamos isto não para fazer comparações de valor. Quem é melhor ou pior. Não é esse o espírito. Trata-se de perceber que, do ponto de vista da linguagem, há enormes diferenças em consequência dos anos de escolaridade. Essa constatação simplesmente quer mostrar, repetir, insistir que há diferenças muito grandes entre os vários públicos. Diferenças não regionais, mas de anos de experiências e de estudo.

Esta é a primeira pesquisa a ser feita. Saber qual língua nosso ouvinte, ou leitor fala. Sempre é preciso se perguntar se aquele público X entende tal palavra, tal expressão.
Se aquele público entender, não há problema. Pode-se falar até que “o rei está nu”. E se aquele público não entender patavinas de que rei está-se falando, de como e quando ficou nu? O que ele fez de errado para ficar doidinho, andando nu por aí? Se meu público não entender tudo isso eu tenho que esquecer a historinha do tal rei nu, que só eu e mais um, dois, três mil brasileiros entendem, e usar outra imagem. Qual? Vamos pesquisar! Tem que ver qual a imagem. Qual o exemplo, a piada, a palavra, a expressão é conhecida, é familiar ao meu público, e aí usá-la. Qual imagem? Qualquer uma, menos a do meu rei nu.

Cada palavra tem seu significado próprio. Cada palavra pode ser usada para exprimir tal ideia. Mas, se meu público não conhecer o termo, o que faço? Preciso encontrar outro sinônimo. Outra expressão
que diga a mesma coisa.
Muitas vezes não é fácil. Há palavras que não tem como não usar. Palavras que não tem como traduzir. Não tem como explicar de outra maneira. Tem vezes que é preciso usar esta ou aquela palavra mesmo se o meu público não conhecer. Mesmo que não a entenda.
Neste caso é preciso traduzir imediatamente a palavra, como se fosse um parêntese. Neste momento o artigo ou o discurso ou a fala passa a ser uma aula onde eu me comporto como professor. Não tem outro jeito.

Vejamos um exemplo. Eu preciso falar pela primeira vez para um público X sobre a reestatização da Petrobras e quero usar a palavra reestatização, embora seja desconhecida do meu público. Neste caso é uma palavra nova, mas não tem como não usá-la e foi decidido coletivamente que deve ser usada. Então deverei fazer uma frase que use a palavra reestatização e que a explique logo a seguir. Algo desse tipo: “Nós estamos lutando pela reestatização da Petrobras. Ou seja, a Petrobras deve voltar a ser propriedade do Estado brasileiro… “ ou, “ela deve ser reestatizada, ou seja voltar a ser patrimônio público”.
Um outro exemplo: “O projeto neoliberal implica a flexibilização total da CLT”. Como posso exprimir tal ideia, se meu público é novato e não está acostumado com a palavra flexibilização? Posso dizer assim: “O projeto neoliberal exige que sejam retirados todos os direitos dos trabalhadores. É isso que eles chamam de flexibilização”.
Ou seja, usei a palavra nova que não tinha como não usar, mas a expliquei logo em seguida. Estou dando uma explicação típica de uma aula de português. Mas, não é possível explicar dez palavras em cada artigo ou discurso. Aí, meu artigo ou fala fica uma chatíssima aula de língua portuguesa.

Só um lembrete. Não há uma única maneira de traduzir uma palavra ou expressão. É possível dizer tal coisa com uma frase determinada. Ou posso dizê-la com outra palavra, outra frase. Não há uma maneira única de traduzir. É por isso que em muitas palavras do dicionário há uma ou mais palavras ou expressões que traduzem o seu significado.
Muitas vezes é necessário fazer uma frase nova para garantir a lógica do pensamento. Não é suficiente traduzir uma palavra só. Outras vezes é preciso fazer o que tecnicamente se chama circunlocução. Isto é, uma frase que exprima o que tal palavra a traduzir quer dizer.

Em resumo, para falar a língua dos mortais comuns é preciso:

1 – Se convencer de que há mais de uma língua dentro da língua-mãe;

2 – Se convencer de que a maioria da população tem dificuldades;

para entender aquilo que quem tem o tal terceiro grau fala ou escreve;

3 – Ter claro que ou a gente traduz nossa linguagem ou estaremos falando para o vento;

4 – Pesquisar até conhecer muito detalhadamente a vida, as aspirações, as decepções, os sonhos, o dia-a-dia do nosso público: o povo.

5 – Escutar e aprender com a linguagem dos “normais”, isto é, dos mais de 90% de brasileiros que não têm o famoso terceiro grau.

6 – Se dispor a aprender a escrever e falar esta nova língua. Não se aprende inglês, francês, espanhol, italiano? Pois também temos que aprender esta nova língua.