Por Vito Giannotti

JANEIRO DE 2007. Ainda estava no ar a fumaça do tiroteio da recente eleição presidencial na qual a disputa por votos se concentrou nos candidatos Lula e Alckmin. A mídia empresarial, independentemente das avaliações mais variadas de seus donos, concentrou suas preferências no candidato Alckmin. Especificamente a revista Veja, incansável porta-voz da direita. Toda essa mídia se esbaldou em mostrar as virtudes do seu candidato, que iria dar um “banho de gestão” na política pátria. Uma gestão transparente, honesta e competente.
 
De repente, eis que aparece um buraco inesperado nas obras da estação Vila Madalena para desmistificar toda a propaganda do seu ex-candidato. Detalhe: esta estação está a menos de 500 metros da nova sede da Editora Abril, aquela que semanalmente edita a revista Veja. Do alto de suas janelas dava para ver o buraco, fotografá-lo e mostrá-lo para o Brasil. Dava. Ou melhor, daria. Se interessasse mostrá-lo.

Mas como mostrar esse buraco se o candidato da editora falava exatamente o contrário? Cadê a transparência, a eficiência e a competência? E aí? Vamos tentar escondê-lo. Encobri-lo. Ver se o Brasil o esquece. Pena que a Rede Globo estava dando um espaço grande ao tal desastre do metrô em São Paulo. Dane-se. Vamos tentar esconder este buraco feio demais.
E assim foi feito. O acidente foi no dia 12 de janeiro. A capa da revista do dia 17 sai com uma manchete simpática: “Parece mágica”, diz, e traz uma foto de página toda com um inocente coelhinho branco. O artigo principal fala das empresas de informática no Vale do Silício, nos EUA. Qual a razão deste artigo de capa? Por acaso não daria para deixar a notícia do Vale do Silício para a semana seguinte e colocar o acidente no metrô do Alckmin?
Daria de sobra, se o interesse da revista fosse informar seus leitores. Aí daria para falar que, durante a gestão do candidato da Editora Abril, foram mudadas as regras de fiscalização das obras do metrô. Não mais uma fiscalização pública, como era até aquele momento. Uma fiscalização externa, como em qualquer lugar do mundo. Nada disso. Agora estava mudado. O candidato Alckmin mudou o mecanismo. A partir de 2006, véspera da eleição presidencial, quem passaria a fiscalizar as obras seriam nada menos que as próprias empreiteiras. O mesmo que colocar um cabrito para tomar conta de uma horta de alface. Ou melhor, amarrar um cachorro bravo com uma corrente de lingüiça. Brincadeira.
Como falar dessa mudança na legislação sem envolver o tal candidato? Não daria. Além do mais, o sindicato dos Metroviários de São Paulo, em setembro, véspera da eleição, tinha distribuído centenas de milhares de panfletos com essa denúncia. Alertou sobre a falta de segurança das obras, agora sem fiscalização, ou melhor, com a auto-fiscalização inventada pelo então governador de São Paulo. Como não falar disso? Simples. É só colocar um coelhinho na capa e uma manchete tipo “Parece mágica”, que a mágica está feita. Realmente, parece mágica. E que mágica! Esconder um buraco que tragou quase cem casas e engoliu quase dez pessoas! Isso foi feito com a capa do dia 17.
E na semana seguinte? Poderia ser que a capa já estivesse pronta e não tivesse dado tempo de fazer uma capa com a notícia na edição do dia 17. Nesse caso, a lógica mandaria que, na semana seguinte, o acidente de São Paulo fosse capa da citada revista. A lógica? Qual lógica? A única lógica da revista é não atingir o seu candidato. E aí? Nova capa para encobrir o buraco que engoliu casas e matou gente. Eis a nova capa do dia 24 de janeiro, realmente vislumbrante: “Humanos e Caninos, uma história de amor”. No miolo da revista, é verdade que até a Veja teve que tratar do tal buraco. Dedicou três páginas ao tema. Falou das possíveis culpas de todo mundo, desde São Pedro com sua chuva até qualquer outra coisa. Tocou em tudo, menos nele. No candidato de 2006 não. Ao lado disso, dedicou nove páginas ao sagrado tema do amor entre humanos e caninos, um assunto altamente atual.
Só a título de exemplo, há mídia e mídia. Na revista Carta Capital, que saiu no mesmo dia da Veja, a manchete era: “São Paulo no buraco”, com uma grande foto do acidente. No fundo desta foto aparece o enorme edifício da Editora, do alto do qual dava, tranqüilamente, para tirar mil fotos da cratera aberta pelo acidente e colocar umazinha na capa do dia 17 ou do dia 24.
Agradecemos à Veja por sua aula de imparcialidade da mídia empresarial. Este exemplo pode ser útil em cursos de comunicação, quando o assunto é objetividade, imparcialidade, neutralidade da mídia.

Vito Giannotti é escritor e coordenador do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), entidade que realiza cursos para dirigentes sindicais e jornalistas sobre comunicação sindical e popular