No mês passado foi lançado no Rio de Janeiro o CD “Siqueira Entre Nós”, primeiro álbum do chorão e integrante da Velha Guarda da Mangueira, José de Alcântara Siqueira. O músico de 75 anos tem mais de 450 composições, tocou com última formação da banda de Pixinguinha e já acompanhou grandes artistas, como Beth Carvalho, Jamelão, Alcione, Nelson Gonçalves entre vários outros. Muitos já tinham prometido ajudar Siqueira a fazer um registro de sua obra autoral, mas foi o jovem músico Wellington Monteiro, junto com o amigo Pedro Cantalice, que conseguiu reunir cerca de 70 colegas músicos e juntar dinheiro para concretizar o sonho de Siqueira.  Todas as músicas do CD são do “mestre” Siqueira, como o produtor musical Wellington Monteiro gosta de chamar. O disco conta com participação de Dirceu Leite, Nilze Carvalho, Ronaldo do Bandolim e várias outras feras. Para Siqueira, o CD tem a finalidade de contribuir para a cultura. “Nós que tocamos choro, vivemos choro, respiramos choro temos que fazer isso sim porque senão a música acaba. Eu já fiz a minha parte, dei minha contribuição”, diz.

Wellington (violão) e Siqueira (cavaquinho)

Quem quiser comprar o CD, que custa R$ 20, deve entrar em contato pelo e-mail siqueiraentrenos@gmail.com ou pelo telefone (21) 98071593. Mais informações em https://www.facebook.com/mestresiqueira

Confira a entrevista com Siqueira e Wellington!

Boletim NPC – Quantos anos o senhor tem e onde nasceu?

Siqueira – Eu nasci em Recife, em 21 de setembro de 1937. Estou caminhando para os 76 anos.

Boletim NPC – O senhor veio de Recife para o Rio quando e por quê?

Siqueira – Vim para o Rio em 1951. Perdi meu pai e minha mãe resolveu vir pro Rio.

Boletim NPC – Sua família é de músicos?

Siqueira – Meu pai tocava bandolim e minha mãe tocava piano. Só que naquela época, violão, cavaquinho, bandolim não eram muito aceitos, não eram vistos com bons olhos. Só o pessoal que “manguaçava” que tocava (risos). E minha mãe não permitia que eu tocasse.

Boletim NPC – E não dava para ganhar a vida disso?

Siqueira –Não. Era muito difícil antigamente. Por incrível que pareça, hoje é mais fácil.

Boletim NPC – Nesses 75 anos, como o senhor ganhou a vida?

Siqueira –Sou funcionário público aposentado. Nunca acreditei na música como opção de vida.

Boletim NPC – E como o senhor se sente hoje, aos 75 para 76…

Siqueira –Velho! (risos)

Boletim NPC – … Como o senhor se sente tendo um CD de músicas suas gravado aos 75 anos?

Siqueira – Não tenho palavras, mas posso dizer que foi um prêmio porque eu esperei muito e muito tempo e foram muitas as decepções que eu tive. Muitos me prometeram, mas só esses rapazes que fizeram para mim [Wellington Monteiro, Pedro Cantalice e o batalhão de músicos e amigos que colaboraram]. Se os mais velhos prometeram e não fizeram, eram os jovens que iam fazer?  E não é que aconteceu?

Boletim NPC – O senhor tem mais de 450 composições próprias. Como o senhor compõe e como foi e é a convivência com grandes mestres? 

Siqueira – Conheci muita gente nessa trajetória de vida… Com relação às músicas, normalmente na calada da noite é que eu acordo já com uma música pronta e passo para o cavaquinho. E os mestres foi uma questão de sair tocando. Você conhece um, conhece outro…

Boletim NPC – O senhor acompanhou muitos artistas. Destaca alguém que te emocionado, uma experiência muito boa?

Siqueira – Todo e qualquer músico. Não tem essa de ser maior ou menor. Para mim são músicos, são pessoas que são abençoadas por Deus, mas que têm um peso a mais, uma missão a mais. Então não existe isso. São músicos, cada um com as suas características e todos meus amigos, do mais novo ao mais velho. Não vejo com ser diferente.

Boletim NPC – E o senhor se emociona lembrando de momentos da sua história, como tocar na banda do Pixinguinha? Sente saudades?

Siqueira – Não tem como não sentir saudades porque você falou de um santo, né? Aí é diferente. “São” Pixinguinha. Naquela época eu era um pouco mais jovem e agora é que deu dou importância para o que era aquilo. Naquela época era como tocar com outra pessoa. Eu vejo todo mundo no mesmo plano. Se é errado ou certo eu não sei, mas eu vejo assim.

 

Siqueira Choro chorinho cavaco cavaquinista

Boletim NPC – O senhor já tocou fora do Brasil. Como é a recepção do público lá de fora para a sua música?

Siqueira –Não tem como explicar. É tudo emocionante. São coisas novas para eles. Mas é normal, como seria a deles aqui.

Boletim NPC – O que é o chorinho e o que é o samba na vida do senhor?

Siqueira – Tudo. Eu respiro música.

Boletim NPC – O senhor é da Velha Guarda da Mangueira. Fale um pouco dessa Escola de Samba para gente. O senhor sente em fazer parte dela?

Siqueira – É tão difícil… Eu sinto tanta coisa… Eu sou mangueirense de carteirinha, então a Mangueira é tudo para mim. É como se fosse um pedaço de mim. 

Boletim NPC – O senhor teria um recado para os jovens que querem viver de música, que querem fazer música?

Siqueira – Eu diria a eles o seguinte: todos os que querem ser músicos profissionais, se preparem. Vai ser escravizado e condenado a viver estudando eternamente (risos).

Boletim NPC – Mas compensa?

Siqueira –Tudo o que a gente faz por prazer sempre compensa, né?

Boletim NPC – O senhor acredita que gravando CDs e registrando suas composições outros compositores e outros jovens podem levar sua música adiante? 

Siqueira –O que vai acontecer só deus sabe. Agora, da minha parte, eu vejo isso como uma contribuição à cultura. Não tem outra finalidade. A finalidade é contribuir para a cultura. Nós que tocamos choro, vivemos choro, respiramos choro temos que fazer isso sim porque senão a música acaba. Eu já fiz a minha parte, dei minha contribuição.

 

Boletim NPC – Wellington tem 28 anos, é professor de música e toca profissionalmente há 10 anos. Já acompanhou muitos artistas, entre eles Luiz Carlos da Vila, Ademilde Fonseca e Dudu Nobre. Como você conheceu o Siqueira?

Wellington Monteiro – Quando comecei a estudar música, na Penha Circular. Tinha um senhor que tocava com o Jamelão, na época, e dava aula sexta e sábado, teórica, e no domingo fazia uma roda de choro e samba. O que tivesse os alunos tinham que acompanhar. Domingo tinha esse contato da prática. Ele tinha essa preocupação de formar tanto teoricamente quanto na prática. E domingo muita gente frequentava lá, Raul de Barros, Siqueira, Walter Silva. Moreira da Silva, Zé da Velha e Jamelão chegaram a ir. E conheci o Siqueira lá.

Boletim NPC – E lá você se encantou pelo Siqueira?

Wellington – Lá eu descobri que o Siqueira era praticamente meu vizinho, moro a cinco minutos da casa dele. Eu pedia para ter umas aulas com ele. Ele dizia que não dava aula, mas eu chegava na casa dele e tinha alguma dúvida e ele  me passava.

Boletim NPC – Como surgiu a ideia do CD e quem ajudou a concretizar?

Wellington – A ideia do CD ocorreu através do próprio Siqueira. Ele me perguntava “você conheceu fulano, ciclano?”. E não tinha registro nenhum. Aí falei, “Siqueira, a gente precisa registrar sua história como compositor, cavaquinhista”. Já tinha uma coisa dele como músico acompanhador, mas não como músico solista, como compositor. O CD é para ele poder ficar para a eternidade, ter as composições escritas e registradas.

Boletim NPC – E você fez uma espécie de mutirão?

Wellington – Eu juntei 70 músicos. Alguns amigos dele, outros meus – que ficaram amigos dele e os que já eram amigos dele também ficaram amigos meus também. Foi uma troca. Tocaram Daniela Spielmann, Dirceu Leite, Nilze Carvalho e mais um monte de gente. Eu fiz a junção de músicos experientes e já renomados com músicos novos. Por exemplo, a música que o Dirceu Leite tocou tem arranjo de um amigo meu que não é muito conhecido.

Boletim NPC – E vocês lançaram em junho, na Sala Baden Powell em Copacabana?

Wellington – Sim. E foi super legal. Nesse dia estava acontecendo tudo. Tinha show do Paulinho da Viola, festival de jazz, show da Simone Leal… Mas ficou cheio, saiu nos jornais.

Boletim NPC – E como você se sente?

Wellington – Me sinto realizado. Falei com Siqueira que ia prometer o CD e o que viesse a partir disso era lucro. A missão acho que está cumprida.