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Por Camila Araújo

Os grandes veículos de comunicação, em sua maioria, não dão vez para a favela – seja omitindo fatos, distorcendo informações, relatando-as da maneira que lhes interessa. O discurso mais recorrente relacionado à favela é o da violência e do tráfico, além da supervalorização do crime. O morador de favela é visto como criminoso e ilegal. Há ainda as abordagens românticas da favela como um bom lugar de se viver, com o discurso fácil de que para ter ascensão social, é só querer, ignorando a complexidade do processo.

Por outro lado, a imprensa alternativa existe como opção de leitura, pelo conteúdo que oferece e pelo tipo de abordagem, não alinhados à grande mídia. Apesar disso, nem sempre atende às demandas dos grupos populares de uma comunidade, cada qual com suas especificidades e limitações.

Segundo estudos realizados sobre conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária, de Cicilia M. Krohling Peruzzo doutora em comunicação da Universidade de São Paulo (USP), o canal de expressão de uma comunidade é a comunicação comunitária. É por meio dela que os próprios indivíduos podem manifestar seus interesses comuns e suas necessidades mais urgentes. É um instrumento de prestação de serviços e formação do cidadão, sempre com a preocupação de estar em sintonia com os temas da realidade local.

Pensando nisso, Olhar Diferente buscou a experiência de um jornal comunitário em uma das maiores comunidades do Rio de Janeiro, o conjunto de favelas da Maré. O Cidadão é um projeto desenvolvido pela organização não governamental CEASM (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré). O jornal foi fundado em 1999 e é feito por moradores com o fim de ampliar e consolidar o direito básico à comunicação. Segundo a ONG, o projeto tem como o objetivo principal a democratização do acesso a veículos de comunicação, possibilitando que moradores da Maré sejam atores no processo de produção de novos discursos sobre seu espaço de vida.

Thaís Cavalcante foi reconhecida pelo STJ como jornalista, a partir de suas experiências no jornal comunitário.

Uma das repórteres, Thaís Cavalcante foi reconhecida pelo STJ como jornalista, a partir de suas experiências no jornal comunitário. Vamos conhecer essa história.

Conte sobre você: quantos anos tem, onde mora e o que faz atualmente? 

Sou Thaís Cavalcante, tenho 20 anos e atualmente faço pré-vestibular comunitário, na Favela da Maré. Sou cria da favela, sempre morei na Nova Holanda. Entrei no mundo da Comunicação Comunitária há 2 anos. Hoje atuo como repórter e coordenadora do Jornal O Cidadão e colaboro com a Rádio Maré.

 O que fazia da vida antes de entrar para o cidadão?

Cantava no coral de uma Igreja Católica, próximo de casa. Sempre gostei muito de música.
Estudava também o ensino médio, mas ainda não sabia que faculdade cursar e fazia um cursinho de inglês básico em uma ONG na Maré.

 O que te levou a participar do jornal?

Depois que li dois livros sobre Jornalismo e história de jornalistas, meu interesse cresceu. Ainda sim eu não sabia que caminho seguir. Minha irmã (formada em Contabilidade) sugeriu para que eu fizesse parte do Jornal O Cidadão, mas eu considerava uma ideia muito distante, não achei que fossem me aceitar (por não ter experiência).

Poucas semanas depois, divulgaram o I Curso de Comunicação Comunitária, onde encontrei a oportunidade perfeita para conhecer mais da minha favela (que era um assunto onde eu não tinha interesse pois só ouvia sobre violência na televisão). Além da Maré, encontrei o Jornalismo, o comunitário, o popular, o favelado. A partir de então, tudo o que eu ouvia e aprendia só me apaixonava mais e me dava um olhar crítico sobre o mundo que eu vivia, mas não via. O amor pela leitura e escrita cresceu, e a decisão de estudar e trabalhar com Jornalismo se solidificou. Mesmo sendo a mais nova da equipe, comecei como repórter e agora estou Coordenando O Cidadão e, tenho muito orgulho disso!

 

Favela da Maré (RJ)

Pela sua experiência no jornal O Cidadão, qual a importância da comunicação comunitária para a favela?

É quase inacreditável o quão importante a comunicação comunitária é necessária dentro do seu território favelado. O morador gosta de ver sua realidade, sua cultura, sua história, sua imagem sendo retratada ali.

É um tipo de mídia livre, de dentro para dentro: moradores escrevendo para os próprios moradores. Sem maquiagem, sem palavras complicadas, sem futilidade. As pessoas se identificam com o Jornal da favela. Que reconhece o que realmente tem de bom na rotina e sabe retratar isso. A comunicação comunitária fala o problema com olhares diversos, reais. Qualquer um pode participar, opinar, sugerir e criticar. É de forma horizontal. Mas por não ser algo comercial, há uma dificuldade na verba para sua produção e realização. Seja em qualquer mídia comunitária. Porém, voluntários querendo soltar sua voz, isso nunca vai faltar.

Você foi reconhecida pelo Ministério do Trabalho como jornalista. O que isso significou pra você?

A partir do O Cidadão, o mundo da comunicação se abriu para mim. Também participo da Rádio Maré, desde 2012. O diretor, (que é advogado e não jornalista formado) buscou sobre esse reconhecimento no MTB. Consegui através da minha experiência com o Jornal impresso (O Cidadão) e a atuação na Rádio Maré em noticiário ao vivo, o reconhecimento de ser Jornalista. Fiquei muito feliz, me senti valorizada por tudo o que já conheci, trabalhei e vivenciei nesse pouco tempo de mudança. Mesmo sem esse título, eu já me considerava Jornalista, pois fazia trabalhos que pessoas formadas fazem: escrever matéria, entrevistar, revisar texto, fotografar, editar, atuar ao vivo noticiando, entre outras coisas.

Não acho que o Jornalismo tenha se desvalorizado por causa disso. Já ouvi opiniões que não concordam com esse Projeto de lei, mas quando você faz o seu trabalho, deve ser legitimado por isso. E mesmo assim, os jornalistas formados continuam tendo mais prioridade, privilégios etc. Preconceitos acontecem, mas o importante é que sei o que faço e amo! Apesar de todas as dificuldades. Espero em breve poder cursar a faculdade e ter uma formação mais teórica, pois na prática aprendo trabalhando!