[Por Bárbara Fagundes/NPC] O filme polonês 365 Dias, direção de Barbara Białowąs e Tomasz Mandes, e roteiro de Blanka LipinskaBarbara BiałowąsTomasz MandesTomasz Klimala, é o mais visto na Netflix durante as últimas semanas. Em um período em que grande parte da população está em casa, cumprindo o isolamento social, a arte tem sido grande aliada no que concerne ao entretenimento. Sem dúvida os filmes são um refúgio e uma poderosa ferramenta para multiplicar concepções. Cliquei no filme 365 Dias despretensiosamente. Não tinha lido nada a respeito, nem tinha recebido indicações. Foi “folheando” com o controle remoto que apertei o enter. O filme realmente me impactou. Se por um lado não acreditei no que estava vendo, por outro, tinha uma forte esperança de que o desfecho fosse alterar as condições apresentadas. 

O filme trata de um homem que se apaixona por uma mulher apenas ao olhar para ela e sente-se no direito de sequestrá-la. Ele é um mafioso rico e está convencido de que ela irá se apaixonar por ele em 365 dias. A vítima “luta” contra esse domínio durante dois dias, mas começa a cair nos encantos do sequestrador. Ela fica admirada com o tamanho do pênis do agressor, gosta de comprar roupas e do luxo que ele lhe oferece e em poucos dias ela está apaixonada. O filme termina com a mulher morta, provavelmente pela ex-esposa do tal mafioso, que a essa altura já é o mocinho da trama.

Toda arte tem uma intenção, seja a de questionar a realidade ou simplesmente a de retratar uma situação social. O filme 365 Dias não é uma história inocente e tem um poderoso recado, nada subliminar. A trama faz uma sátira com o sofrimento das mulheres, enaltecendo os homens por seu controle, dinheiro, poder, agressão e tudo o que as mulheres tentam durante séculos combater.

Não é mais aceitável que qualquer arte, seja música, teatro, filmes, banalize problemas profundos que interferem violentamente na vida de milhares de pessoas. A cada dois minutos uma mulher sofre agressão e/ou violência sexual no Brasil — dados de dezembro de 2019.  O número de violência contra mulheres teve crescimento de 28% no mês de abril de 2020 em comparação com 2019, segundo site da Câmara dos Deputados.  Movimentos feministas apontam, porém, que esse número é inferior ao real, pois as vítimas estão em isolamento com os agressores, dificultando as denúncias.

Bem, qual a relação do filme com a violência doméstica? Toda!

O filme está banalizando a violência doméstica tão séria e combatida no Brasil e no mundo. O papel de subalternidade feminina teve alterações significativas no decorrer dos anos, porém estamos distantes de uma igualdade de direitos. Os homens, além de obter todos os privilégios sociais, continuam tratando as mulheres como inferiores e de sua propriedade. Mulheres são consideradas, na visão masculina, interesseiras, fáceis, gostam de ser maltratadas, se deslumbram pelo tamanho do órgão genital, são domáveis. A violência, seja física ou moral, contra mulher é naturalizada de todas as maneiras. Esse filme pede uma resposta imediata!

Para ser mais objetiva: As mulheres não se apaixonam por alguém que as aprisiona e as agride. E as mulheres não tratam os agressores como vítimas.

Li várias críticas sobre o filme, nos mais diversos sites. Apesar de todos, sem exceção, criticarem de forma negativa o filme, palavras como “superficialidade dos atores” são absolutamente insuficientes. Não é disto que se trata. Não podemos avaliar o filme como bom ou ruim. É um filme criminoso!

Quero afirmar, ainda, que o enredo incita a práticas abusivas, como perseguição, sequestro, assédio, violência psicológica e violência física para com as mulheres. Dessa forma o filme “365 Dias” cumpre um desserviço para humanidade despertando uma profunda humilhação feminina. Esse filme não é arte, não tem benefícios para cultura, trata de um tema relevante ironizando e instigando a continuidade do sistema de violência e submissão das mulheres.  Providências precisam ser tomadas imediatamente, como a retirada do filme e investigação dos responsáveis por incitação à violência contra mulher.

Bárbara Fagundes faz parte da Rede de Comunicadores do NPC.