Por Sheila Jacob

José Rebouças (RN), Alexandre Haubrich (RS) e Nilton Viana (SP) durante 19º Curso Anual

José Rebouças (RN), Alexandre Haubrich (RS) e Nilton Viana (SP) durante 19º Curso Anual

 

Os meios de comunicação estão concentrados nas mãos da elite e é fundamental a construção de veículos contra-hegemônicos em todo o Brasil. Essas foram algumas questões apontadas por jornalistas de diferentes regiões do país no terceiro dia de Curso do NPC. José Rebouças, do Rio Grande do Norte, Alexandre Haubrich, do Rio Grande do Sul, e Nilton Viana, de São Paulo, apresentaram problemas semelhantes e desafios comuns no campo da comunicação.

Na Região Norte, a mídia é controlada pelos herdeiros do coronelismo

jornalismo_NorteSul1José Rebouças, do SINTEST-RN, lembrou que a região Nordeste é a segunda mais populosa do Brasil. Desde 1934 a comunicação na região é controlada pelos coronéis, que permanecem através de seus descendentes dominando a mídia. “Existe comprometimento dos veículos de comunicação com o poder político-partidário no Nordeste, pela via das oligarquias”, afirma. Ele apresentou dados do aumento das concessões de rádio e TV, “usadas como moeda de troca para comprar os coronéis da região e conseguir o seu apoio”, principalmente no período da ditadura civil-militar e no governo FHC. “O que se pratica na comunicação do Nordeste tem origem nas classes dominantes e na oligarquia regional, de origem coronelista. Os coronéis se mantêm até hoje, pois seus descendentes continuam no poder político, donos das emissoras afiliadas”, explicou. É por isso que a toda hora esses veículos atacam os trabalhadores.

“Esse é o jornalismo deles. Produzem uma comunicação concentrada nas mãos das elites e comprometida diretamente com os políticos da região. Não aborda as questões sociais, não apresenta o cidadão trabalhador como centro da notícia, tem práticas jornalistas superficiais e defendem os interesses de sua classe”, observa. Na contramão, existe uma comunicação que denuncia a mídia dominante, cobre os movimentos sociais, aborda as questões sociais com mais profundidade, mostra o outro lado da notícia, produz matérias humanizadas etc. Como exemplos ele citou o portal Vermelho, o Opinião Socialista, o Brasil de Fato e outros veículos como os meios de comunicação sindicais, como o Sintest-RN.

 

Jornalismo B é criado no Sul para dar voz às lutas populares

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Alexandre Haubrich apresenta o Jornalismo B

Assim como na Região Norte, o jornalista Alexandre Haubrich explicou que a situação da mídia no Sul é dramática. “A lei anti-monopólio é burlada com CNPJs diferentes. Todos os veículos são do grupo RBS, terceira maior organização de mídia privada no Brasil. São 24 emissoras de rádio, 18 de TV e oito jornais impressos, além de outros negócios na área de mídia”, exemplificou. A RBS se fortaleceu após 1964, e inclusive tomou o Última Hora, único jornal que se opôs ao golpe. Transformado em Zero Hora, o veículo apresenta exemplos claros de ataques aos trabalhadores e às lutas sociais. A greve é tratada, na manchete, como “Ameaça para o bolso dos consumidores”; em uma manifestação em frente à Prefeitura, destacaram a atuação de “vândalos”, enquanto o Jornalismo B deu destaque para a repressão policial dos protestos. Por fim, a marcha da Consciência Negra foi anunciada na editoria de Polícia. “Essa é a mídia que domina a comunicação no RS, racista, que criminaliza os trabalhadores, os estudantes e todos os setores sociais historicamente reprimidos”, observou Haubrich.

Para fazer contestação a essa abordagem foi criado, em 2007, o Jornalismo B. “A ideia foi desconstruir o discurso da mídia dominante e construir por outro viés, democrático e popular. A partir da necessidade de não só fazer crítica, mas produzir informação que pense a sociedade de outra forma”, explicou. O veículo em 2010 passou a circular em versão impressa, em uma tentativa de superar os limites da internet. “Percebemos que raramente acessamos na rede aquilo que é diferente do que a gente já pensa”, explicou. A ideia é que seja um veículo dos movimentos sociais. Alguns dos desafios a serem enfrentados são o aumento do financiamento público da mídia alternativa, a constituição do Conselho Estadual de Comunicação, uma lei de mídia semelhante à dos países latino-americanos… “Nossa ideia é sempre fazer crítica à mídia dominante, fazer pressão sobre o Estado para avançar no que pode, incentivar a criação de outros veículos de mídia através de oficinas, apresentar com outro viés o que é transmitido pelos meios tradicionais e propor pautas novas”, esclareceu. Para Haubrich, a democratização da comunicação não pode ser um fim em si, mas deve servir de caminho para a transformação da sociedade.

 

Jornal Brasil de Fato investe em edições gratuitas para chegar à classe trabalhadora

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Nilton Viana fala sobre as motivações para criação do Brasil de Fato

O jornalista Nilton Viana, editor do jornal Brasil de Fato, lembrou que não é só o Zero Hora que ataca as lutas sociais e divulga a marcha do dia 20 de novembro na editoria de polícia. É também o Estado de São Paulo, O Globo, o Jornal Nacional… “A classe dominante no Brasil transformou o monopólio dos meios de comunicação em uma das ferramentas para a luta de classes. Quando a gente faz mídia alternativa a gente escolhe um lado. Nenhum veículo, nenhum jornal e nenhum jornalista é imparcial”, afirmou. Há dez anos, em janeiro de 2003, foi criado o jornal Brasil de Fato em Porto Alegre, em um ato belíssimo no ginásio Araujo Viana promovido para a classe trabalhadora. “A importância desse jornal alternativo começou a ser apontada bem antes, na década de 1990, com a ofensiva neoliberal que se acentua quando Fernando Henrique Cardoso assume a presidência”, lembrou.

Ele citou alguns episódios que fizeram desse tempo um  momento extremamente delicado: em 1995, houve a greve histórica de 32 dias dos petroleiros. A mobilização foi brutalmente reprimida pela polícia, os trabalhadores foram demitidos e o sindicato submetido a multas altíssimas. “Ou seja, houve uma série de ações para criminalizar uma luta muito importante, que é a resistência à privatização da Petrobras”, explicou. No ano seguinte, em 1996, teve o massacre de Eldorado dos Carajás, com um saldo de 21 trabalhadores rurais executados no Pará e outras dezenas com ferimentos e sequelas para o resto da vida. “Só isso justifica a criação do Brasil de Fato, resultado do esforço de centenas de militantes no país inteiro”.

Depois de dez anos, foi feito um balanço para viabilizar maneiras de fazer chegar à classe trabalhadora. Em maio foi lançada a edição semanal do Brasil de Fato no Rio, com uma tiragem de 100 mil exemplares para ser distribuído gratuitamente nos metrôs, nas barcas, nos locais de grande concentração da classe trabalhadora. Em agosto e setembro foram lançadas edições regionais em São Paulo e em Belo Horizonte, com o objetivo de inverter a “prática tradicional da esquerda”, que é escrever muito para poucos lerem. “Nosso objetivo é elevar a consciência da classe trabalhadora para construir o mundo que queremos”, concluiu Nilton Viana.