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JORNAIS EM CAMPANHA

Nem reunião do Brics escapa

Por Mauro Malin / Observatório da Imprensa 

A contaminação do noticiário pela campanha eleitoral é onipresente. Não escapa nem a reunião do Brics, acrônimo criado por marqueteiros da Goldman Sachs para vender investimentos nos países que originalmente o compunham (era só Bric, não tinha a África do Sul). Que o leitor julgue pelas imagens abaixo, de manchetes do dia 16 de julho. Apenas o Valor destoa da manada e fala mais sério.

A patetada chega ao ponto de terem os três ditos jornalões usado o mesmo verbo e iniciado suas manchetes (mas será que isso é manchete?) com a mesmíssima construção, “Brasil cede”. A mensagem é: “Dilma deu mais uma mancada”. De uma sutileza comovente.

A única divisão é quanto à concordância de número: o Brics é um bloco ou os países são “brics”? (neste caso deve haver influência da publicidade: “O mundo é dos nets!”; não, sem brincadeira, é a influência do “s” final, que entrou na sigla para representar a South Africa). Estadão e Globo ficam com a primeira hipótese; Folha e Valor com a segunda.

Duelos de titãs

Dois minutos de reflexão podem dar razão à linha de interpretação do governo brasileiro: não teria graça querer indicar o primeiro presidente de um banco que não chegasse a existir. A Índia reivindicava sediar o Novo Banco de Desenvolvimento, mas havia consenso a respeito de ser a cidade chinesa de Xangai o local mais adequado para isso, devido ao dinamismo de sua vida financeira e econômica. A compensação dada à Índia foi a primeira presidência, durante cinco anos, após os quais caberá a um brasileiro a função. Não perder de vista que o novo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, pertence a um partido nacionalista de direita.

Nesse grupo de países, as contradições mais perigosas opõem China e Índia, que há apenas 52 anos fizeram uma guerra de fronteira, com centenas de mortos dos dois lados. A Índia hospeda até hoje o Dalai Lama, líder religioso e político exilado do Tibete, que a China ocupou em 1959. A Índia é uma democracia, com alternância de poder, multipartidarismo, imprensa livre. A China, uma ditadura.

Também não convém esquecer que em 1969 outra guerra de fronteira opôs a então União Soviética e a China. Chegaram a preparar armas nucleares para o confronto. E os conflitos atuais na Ucrânia, e entre os governos ucraniano e russo, mexem com a Europa toda. É um vespeiro infernal. Para não falar em divergências quanto a situações dramáticas em outras partes do mundo, Síria no primeiro plano de um Oriente Médio conflagrado.

Unidade preciosa

Ou seja: conseguir algum tipo de unidade entre esses cinco parceiros, dos quais apenas a China tem fortes laços comerciais com os outros, é um feito importante quando se imagina algum tipo de multipolaridade, ou policentrismo, como sistema capaz de substituir a bipolaridade da Guerra Fria e, em seguida, até hoje, o papel de polícia do mundo exercido (em parte a contragosto) pelos Estados Unidos.

O Brics, tecnicamente, é um instrumento para pressionar pela reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI), paralisada no Congresso americano.

Tudo isso está nas páginas dos quatro jornais acima. Seus repórteres, redatores e editores o sabem melhor do que nós dois, leitor. Mas a elaboração de uma “manchete” não segue as linhas da racionalidade jornalística, menos ainda da isenção.

Linha justa chinesa

Por falar em isenção, um cidadão que parece ter vindo de outro planeta, Li Congjun, presidente da Agência de Notícias Xinhua, assinou ontem no Valor um artigo com proposições absurdas, sob o título “Brics pode ter uma imprensa forte”.

A Xinhua é uma espécie de DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo) da China. O que Li Congjun entende por imprensa forte não é uma imprensa livre, profissional, minimamente isenta, mas sim uma associação de instâncias governamentais para “defender os interesses integrais [sic] dos países do Brics”. Para tanto, “seus meios de comunicação devem ter um entendimento claro e se coordenar para expressar opiniões a partir das posições comuns entre si.”

O pensamento autoritário do dirigente da comunicação chinesa se desnuda no trecho a seguir:

“Os meios de comunicação podem ajudar a aumentar a cooperação entre esses países ao orientar primeiramente a opinião das respectivas populações para com isso influenciar as opiniões públicas de outras nações em desenvolvimento.”

Uau! É todo um programa de conquista, pelo governo chinês (quem pesaria mais nesse concerto?), de corações e mentes nas nações em desenvolvimento. Perto disso, as ameaças censórias praticadas pelo PT ficam até acanhadas.

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Mauro Malin é editor adjunto do Observatório