Na mesa, Luis Felipe Miguel, Francisco Fonseca, Claudia Santiago (mediadora) e o Nilson Lage.

Na foto, Luis Felipe Miguel, Francisco Fonseca, Claudia Santiago (mediadora) e o Nilson Lage.

Por Sheila Jacob – NPC 

“Vou falar rapidamente sobre o controle da opinião pública e como as pessoas são levadas a pensar contra seus interesses”. Assim iniciou sua intervenção o professor Nilson Lage, da UFSC, lembrando como os recursos de convencimento existem desde a Antiguidade e mostrando como os mesmos grupos que deram o golpe em 1964 continuam a atuar até hoje. A Rede Globo, por ser o grupo mais poderoso no brasil hoje, foi estudada pelo historiador João Braga Arêas, que mostrou de que forma a Globo defendeu a ditadura e desde então continua ligada aos grupos do poder e aos principais acontecimentos políticos do país. Francisco Fonseca, por sua vez, mostrou como o golpe é fruto de articulação de interesses internacionais, para além da atuação de atores brasileiros, como os empresários, a mídia hegemônica e o poder judiciário nacionais. Por fim, Luis Felipe Miguel defendeu que, frente aos processos de manipulação da informação por parte dos grandes meios de comunicação, é necessário resistir aos ataques aos direitos e à soberania em espaços fora da institucionalidade, como as ruas e as ocupações de escolas.
“Desde os gregos vemos como as formas de convencimento foram estudadas e transmitidas. Antigamente, esses mecanismos eram ensinados pela educação formal. Quando o ensino público é aberto às massas, no século XVIII, esse treinamento foi eliminado e passou a ser dado em cursos específicos, como direito, publicidade etc”, observou o professor Nilson Lage. Para tratar da crise por que passamos hoje, ele voltou ao final do século XIX, quando foi consolidado o poder dos bancos, que mantiveram a recessão. “Quanto mais profunda a crise, mais os bancos ganham e menos a população reage”. Até a Primeira Guerra Mundial, portanto, houve uma forte onda de imigração da Europa para as ex-colônias. Foi um período marcado por pobreza e ressentimentos. Ele explicou como a massa silenciosa, indignada, não reage, mas rumina o ressentimento e surgem explosões de ódio e de comportamento desmedido. Isso foi estudado em livros como “A Multidão Criminosa  Ensaio de Psicologia Coletiva”, de Scipio Sighele, e “Psicologia das Multidões“, de Gustave Le Bon. Os livros tratam do desenvolvimento do fascismo e do liberalismo no século XX, ambos baseados em controle da informação. No primeiro caso, o Ministério da Informação, personificado em Goebbels, controlava toda a informação. Não era possível o contraditório. Já no segundo caso, parte-se da ideia de que uma minoria inteligente, dispondo dos meios necessários, é capaz de convencer a população toda. Neste caso, quem diz o contrário não é exterminado, mas sim isolado. “Os pensadores marxistas hoje estão isolados, protegidos em suas universidades. A ideologia contra-hegemônica é permitida, desde que não perturbe a ordem. Quando começa a crescer, vem a repressão, como é o caso do McCarthismo na década de 1950. “O sistema se protege quando o pensamento contraditório surge”, observou.

1964 e 2016

Depois dessas observações, Lage falou sobre sua experiência na década de 1960. “Eu vivi os episódios que levaram ao golpe de 1964, é muito parecido ao que ocorre hoje. A metodologia é a mesma, mas há uma diferença radical entre os dois contextos: em 1964 a imprensa era plural e vários setores conservadores não golpistas foram liquidados, como é o caso do Correio da Manhã e do Diário de Notícias”, observou. Segundo ele, a ditadura militar vivia conflitos internos e parte dela nutria uma ideologia nacionalista, tanto é que veio daquele tempo a ideia de uma TV Nacional. Foi o fortalecimento de Roberto Marinho. Hoje, o golpe está sendo dado para servir a interesses estrangeiros. “A campanha que está sendo feita contra o PT é uma vitrine. O Brasil é o único país na América com um padrão tecnológico capaz de confrontar os EUA. Há interesse de que Brasil seja contido”.

Como ele avalia, com a recessão econômica e o bloqueio da comunicação, a reação popular se torna bastante difícil. E se posicionou contra a fragmentação das lutas. “As lutas da esquerda devem ser pela igualdade dos homens, pela transformação. Destacando aspectos específicos, dividem-se as lutas. Isso tudo faz parte de estratégias de controle de opinião que existem desde a antiguidade”, concluiu.


A rede Globo apoiou a ditadura

O professor de história João Braga Arêas, autor do livro As batalhas de O Globo (Ed. Prismas), abordou o apoio do Grupo Globo à ditadura. “O Governo Goulart sofria ataques dos grupos de mídia e Roberto Marinho tinha ligação com grupos como o Ipes e o Ibad. Estes, para se ter ideia, pagavam por matérias que saíam no jornal e na rádio com aparência de neutras, não como propagandas. Outro exemplo dessa relação foi o fato de a reunião inaugural do grupo Camde (Campanha das Mulheres pela Democracia), que apoiou o golpe, ter sido realizada na sede do grupo Globo”, comentou.

Para ilustrar, ele apresentou manchetes de O Globo, como “A Revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista” (5/4/1964) e “Ato Institucional garante armas para a democracia” (11/4/1964). Ou seja, a ditadura militar foi instalada devido a interesses empresariais, e os do grupo Globo estavam no meio.  A TV Globo também foi fundada com dinheiro do grupo Time Life, para se firmar como principal TV do Brasil, o que era inconstitucional. Esse poder da Rede Globo incomodou outros grandes interesses, que decidiram investigar a Globo em uma CPI que na ocasião foi considerada ilegal. “Os governos da ditadura se colocaram a favor de Roberto Marinho na ocasião”, afirmou Areas. Lincoln Gordon, que foi embaixador dos EUA no Brasil de 1961 a 1966, informou também que um dos principais informantes da ditadura era Roberto Marinho. Paralelamente, a ditadura investia muito em telecomunicações para integrar o Brasil, o que foi fundamental para transformar a Globo em rede nacional.

Brasil: ame-o ou deixe-o

Disfarçadas de programa jornalístico, viam-se na TV Globo propagandas de um Brasil grande, bonito, com o lema “Brasil: ame ou deixo-o”, uma cópia da campanha dos EUA na Guerra do Vietnã. (America: love it or leave it). João Braga Arêas lembrou uma fala do próprio Médici, nos anos 1970, sobre o Jornal Nacional, da TV Globo: “Sinto-me feliz todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranquilizante após um dia de trabalho”.

A imagem de que tudo estava em ordem se firmava: eram comuns matérias sobre os recordes de produtividade e o crescimento da economia, sem as contradições do milagre econômico. Inimigos da ditadura, como a esquerda armada, apareciam nas capas dos jornais como grupos terroristas e subversivos: “Subversão só tem um objetivo: matar e destruir” (9/7/1970).  Outro inimigo era quem denunciava as torturas no país. Dessa forma, o jornal centrava os ataques a Dom Helder Câmara, como exemplificam as seguintes afirmações: “D. Helder: por toda Europa, uma cruzada contra seu próprio país” (4/8/1970) e o editorial “D. Helder Câmara e a onda anti-Brasil” (1/7/1970). Como sabemos, o fim da ditadura não significou um enfraquecimento do Globo: independente dos partidos, o grupo continuou ligado ao poder no Brasil.

Interesses internacionais na articulação do golpe

O cientista político Francisco Fonseca retomou um assunto abordado pelo jornalista Nilson Lage: o fortalecimento das relações do Brasil com os governos do Sul político mundial, fortalecendo os países em desenvolvimento. “Sabemos como a Petrobrás foi monitorada e como se foi corroendo a autonomia brasileira. Isso nos ajuda a compreender o golpe. Há interesses internacionais de grupos privados associados ao departamento de estado dos EUA que observaram o Brasil como um país que passou a ter um protagonismo regional e tornou-se perigoso aos interesses estratégicos” afirmou Fonseca, lembrando que a desestabilização tem claramente um interesse internacional para além de movimentos como o MBL (Movimento Brasil Livre).

Na sua avaliação, empresários do capital produtivo e especulativo se uniram para a desestabilização política até chegar ao golpe. “Comparando com 1964, a burguesia nacional daquele tempo estava muito ligada ao petróleo, à infraestrutura, mas isso tudo está se desestruturando. Hoje se trata de uma burguesia desnacionalizada, cujas tomadas de decisão são internacionais”. Apesar das diferenças, os mesmos agentes de desestabilização de antes são os de hoje: os empresários e a classe média. Basta lembrar que tanto em 1964 quanto agora a Ordem dos Advogados do Brasil apoiou o golpe. “A OAB teve a audácia de dizer que as chamadas pedaladas ficais eram crime de responsabilidade quando o próprio relator da CPI, Antonio Anastasia, lança mão constantemente delas. Outros agentes parecidos: o IPES e o Ibad de antes são o Instituto Millenium de hoje”.

Mídia e poder judiciário

Lembrando Gramsci, outro ator desestabilizador, ontem e hoje, foi a mídia, aquilo que o Gramsci chamou de “aparelhos privados de hegemonia”, ou seja, os organizadores e direcionadores políticos. Somado a esses dois atores, há ainda um terceiro elemento, que é o poder judiciário, articulado a grandes interesses. “Criminaliza-se a ação política de alguns grupos. Basta lembrar que, recentemente, policiais civis invadiram a Escola de Formação do MST (Escola Nacional Florestan Fernandes) e o Sindicato dos Metalúrgicos de Diadema. Há, ainda, orientações para que não se discuta o impeachment em certas instâncias, além de muitos outros exemplos.

O grande partido que está por trás do golpe é o PSDB e o pensamento é o neoliberalismo. “É parte do neoliberalismo acabar com os direitos civis e políticos. Estes são vistos como obstáculos ao ambiente competitivo de negócios. O golpe político atual tem tonalidades neoliberais muito claras e fortes, sem contar que vivemos a chamada Terceira Revolução Industrial. Neste processo internacional, os direitos devem ser flexíveis e as condições de trabalho, fragilizadas e precarizadas. O poder judiciário vai validar a terceirização e o princípio do acordado sobre o legislado, o que representam graves ameaças aos trabalhadores brasileiros. Esse é o projeto do PMDB e do PSDB, servindo a poderosos interesses internacionais com apoio da classe empresarial, da mídia e do poder judiciário. Para fazer frente a isso, só com mobilização nas ruas, como dão o exemplo os estudantes das escolas ocupadas e os protestos políticos e culturais que precisam crescer para fazer frente à atual institucionalidade.


A resistência se fará fora da institucionalidade

Segundo o cientista social Luis Felipe Miguel, a democracia está sendo destruída, hoje, pelas instituições que deveriam protegê-la. Os meios de comunicação têm cumprido um papel central para tornar legítimos os retrocessos que estão colocados. Assim como lembrou o professor Nilson Lage, ele lembra que, diferente de antes, não há mais vozes dissonantes na chamada grande mídia brasileira, que tem servido de propaganda a serviço dos interesses mais reacionários nesse país.

Como se observam essas questões? Um ponto importante apontado por ele é o processo de ocultamento das informações. “Escândalos que atingem determinados grupos políticos, como a corrupção em Furnas e o helicóptero de cocaína [que prejudicam o PSDB] e um documento do Departamento de Estado Norte-Americano que afirmava que Temer era informante da embaixada dos EUA. Tudo isso some, assim como as escolas ocupadas, que só aparecem quando atrapalham a aplicação das provas do Enem”. No lugar dessas informações, são divulgados, segundo ele, os chamados factoides (exploração de assuntos desimportantes), mentiras e até mesmo “puxa-saquismos” – lembrando a entrevista de Temer ao programa Roda Viva.

O professor fez um histórico das posições adotadas pelos meios de comunicação ao longo dos últimos anos, principalmente quando a TV já tinha força. Em 1982, nas primeiras eleições diretas, a Globo fraudou o resultado das pesquisas, quando Brizola era dado como vencedor nas ruas. Em 1989 fez-se campanha aberta em defesa de Collor e contra Lula. Em 1994, a campanha era mais disfarçada: ao invés de se defender claramente Fernando Henrique Cardoso, fazia-se propaganda do sucesso do Plano Real. Na eleição seguinte, em 1998, quando FHC comprou sua reeleição, era pouquíssimo o tempo dispensado para tratar da campanha eleitoral. “Para se ter uma ideia, em duas semanas, ao todo foram dedicados dez minutos para tratar do assunto. Só para comparar, o nascimento de Sasha, filha de Xuxa, teve, nesse mesmo período, 16 minutos”, ironizou.

Nas eleições seguintes, os meios de comunicação não seguiam os padrões de manipulação aberta de antes, o que mudou a partir da crise do mensalão. Em 2006 e 2010, apesar de serem feitas campanhas eleitorais explícitas em defesa dos candidatos do PSDB, seguia-se o compromisso com a regra básica da democracia: mesmo desgastando as figuras de Lula e Dilma, respeitava-se a vitória nas urnas. Em 2014 esse padrão se rompe. “Vem a quarta derrota seguida. Mesmo sendo um governo conciliador, que promove reformas tímidas, para a classe dominante, qualquer distribuição, por menor que seja, é demais. Torna-se necessário abrir caminhos para a superexploração da força de trabalho”. Começa, assim, uma campanha de criminalização do Partido dos Trabalhadores e da esquerda em geral. Direitos básicos passam a ser vistos como privilégios, que impedem a competição entre as pessoas. Os interesses individuais colocam-se como melhores e mais legítimos que os coletivos.

Nesse momento, o jornalismo adjetivado, próprio da revista Veja, passa a se tornar a regra. O preconceito dos “donos da mídia” passa a encontrar-se com os preconceitos dos leitores. Qualquer crítica contra a atuação da mídia torna-se atentado à “liberdade de expressão”, quando esta, originalmente, foi pensada para garantir que o público fosse bem informado, tendo acesso a uma visão plural do mundo. “Sem que sejamos capazes de sustentar a pluralidade de opiniões não teremos ambiente de liberdade de expressão”, disse.

Não há debate, por exemplo sobre a PEC 55 nem sobre a entrega do petróleo aos interesses estrangeiros, promessa feita às petroleiras norte-americanas. São medidas significativas, de grande impacto na vida do brasileiro, que não tem recebido praticamente nenhum tipo de discussão nos meios de comunicação brasileiros.

A resistência que poderiam fazer as novas tecnologias da informação e da comunicação. Na verdade têm ajudado os setores mais reacionários a fazer seu discurso de ódio, fazendo um eco aos meios tradicionais. “A revista Isto É, por exemplo, tem publicado capas sem nenhuma qualidade informativa ou de apuração. Tem servido apenas como meio de ‘trolagem’ da direita nas redes sociais. Ou seja, faz com que aquelas informações ganhem credibilidade por terem sido publicas em um meio impresso. É uma forma eficaz de alimentar o discurso de ódio. Nas redes, infelizmente, os meios de comunicação tradicionais têm mantido sua hegemonia. “Estamos condenados a responder o que os meios tradicionais dizem, porque são eles que produzem a agenda de debates”. Nesse momento, comercialmente, esses veículos não são mais viáveis, mas politicamente continuam sendo importantes. “Qual o caminho então?”. Fazendo coro ao que disse Fonseca, Luis Felipe Miguel considera que a resistência se dá nos espaços extra-institucionais. “Nas ruas, nas ocupações das escolas, nos escrachos, na desobediência civil… Ou a gente resiste nesses espaços, ou continuaremos na defensiva”, concluiu.