vito21

Vito Giannotti foi embora. Estou me sentindo anestesiada, por dentro e por fora. Ele não podia fazer isso, porra!

Ele ficou tranquilamente deitado no chão, local onde dormiu por muitos anos, até reaprender o uso dos colchões. Não consigo me convencer de que não vai se levantar e nos expulsar a todos nós, os amigos, aos gritos brabos e afetuosos.

Ele nos deixa órfãos de sua risada, de seus gritos de “caralho!” “porra!”, “cazzo!”, que fazem uma falta enorme. Como levar adiante a luta sem sua gentileza única, atenta e humana, sem sua brabeza correta e necessária, sua doçura única, suas exigências máximas?

Um mísero ponto de apoio: morreu sem sofrer.

Não se encontram pessoas como Vito Giannotti nas esquinas. Quem teve a sorte de conhecê-lo – e, pela generosidade de Vito, foram muitos – pôde rir com ele, brigar com ele, lutar junto com ele, pensar e organizar com ele, esses tiveram uma chance extraordinária. Que guardemos isso para a vida. É um aprendizado de partilha comunista a preservar e multiplicar, preciosamente.

Conheço Vito e Cláudia – sempre juntos – há 20 anos. A gata e o Vitão. Uma das mais lindas histórias de amor. Das muitas fotos que povoam a vida, uma, muito especial, foi tirada aqui em casa, num aniversário: um instantâneo capturou um maravilhoso olhar trocado por eles, olhar enamorado, amoroso e franco. Amor completado com Luísa, a então menininha que cresceu com Claudia e Vitão, que aprendeu a dividir a mãe ao ganhar esse ‘carcamano’ generoso. Hoje, mulher plena, companheira na luta.

Ficamos amigos, camaradas e irmãos instantaneamente. Vito foi a pessoa com mais vitalidade que conheci, com uma generosidade ilimitada, ao lado de uma capacidade crítica também imensa e única. Era brabo, esse Vitão. Quando brigava, brigava com todas as suas forças intelectuais e morais. Discutimos muitas vezes, nesse aprendizado discordante e franco que só pode ocorrer entre camaradas de luta, entre comunistas sem dogmas. Rimos muito, conversamos horas infinitas e sempre insuficientes, pois o infinito é mais do que necessitamos, tomamos cervejas e vinhos, comemoramos momentos especiais, sofremos outras tantas derrotas.

Vito foi o intelectual orgânico da classe trabalhadora do qual fala Gramsci, o intelectual inteiro, íntegro, persuasor permanente, duro na análise e compreensivo na vida. Era um comunista no sentido pleno da palavra: o homem que experimentava o prazer de estar vivo, que sabia o valor sem preço do ser humano. Vito foi o intelectual comunista de quem falava Marx: era caçador, pescador, pastor, intelectual crítico, amigo e amante da vida. Vito cozinheiro, Vito professor, Vito dos sindicatos, Vito jornalista, Vito pesquisador, Vito escritor, Vito militante, Vito amigo, Vito da sua gata. Vitão.

Muitas músicas traduzem Vito. As fundamentais, Bella Ciao e a Internacional. Nos 150 anos do Manifesto Comunista, numa comemoração em Paris, Vito foi um dos primeiros (senão o primeiro) a enfrentar o ambiente rígido da Sorbonne e a erguer o punho entoando a Internacional. Que orgulho desse amigo inesquecível: a Internacional cantada em todas as línguas! Pouco a pouco, todos se levantaram, acompanhando Vitão.

Acrescento abaixo alguns versos de Vinícius de Moraes, pois Vito foi o homem que buscava a verdade. Ele continua a ser aquele que todos precisamos, os indispensáveis. Vito era o samba, era o violão, era o internacionalismo em todas as suas nuances. Vida, cultura, contra-hegemonia. Vito, presente!

Cazzo! Vito Giannotti é imortal!”

Virgínia Fontes, 25/07/2015

 

A INTERNACIONAL

“Bem unidos façamos,

Nesta luta final,

Uma terra sem amos

A Internacional.”

 

“C’est la lutte finale

Groupons nous, et demain

L’Internationale

Sera le genre humain”

“Su lottiamo! L’ideale

Nostro alfine sará

L’Internazionale

Futura umanitá.”

 

Bella ciao

“Una mattina mi sono svegliato,

o bella, ciao! bella, ciao! bella, ciao, ciao, ciao!

Una mattina mi sono svegliato,

e ho trovato l’invasor.”

 

Se todos fossem iguais a você

“Se todos fossem iguais a você

que maravilha viver

(…) Existiria verdade,

Verdade que ninguém vê

Se todos fossem no mundo iguais a você”

Vinícius de Moraes