A urgência da pandemia do novo coronavírus nas favelas faz nascer uma
nova experiência periférica de comunicação

Portal Favelas teve que ser lançado antes do planejado para colaborar com a cobertura durante a Pandemia

[Por Euro Mascarenhas/NPC] No ar quase ao mesmo tempo que o período da pandemia de Covid-19 no Brasil, o Portal Favelas estava previsto para ser lançado no segundo semestre deste ano. No entanto, a atual crise de saúde, com sérias consequências sociais, forçou a antecipação do lançamento da página.
— “Como veio a pandemia, nós não podíamos ficar quietos. Falei: gente, temos que começar agora!”, comenta Rumba Gabriel, morador do Jacarezinho e um dos coordenadores do Portal Favelas.

Com a chegada do novo coronavírus às favelas, cresceu a necessidade de informar os moradores, a partir de uma linguagem que fale a partir de suas realidades sobre os principais cuidados higiênicos, divulgando ações de distribuição de cestas básicas, além de fortalecer os laços de afeto que constituem a vida dos favelados. “Esse processo de solidariedade, ele é próprio das favelas, sempre fez parte do nosso modo de ser.

Para nós, não existe nenhuma novidade em ser solidário, em ajudar uns aos outros. As nossas casas foram construídas através da solidariedade”, afirma Rumba.

Condomínio Favela, a origem

Rumba sempre teve em mente uma forma de mostrar as atrocidades cometidas dentro das regiões periféricas, principalmente as que são cometidas pelas forças de segurança.

Sua primeira iniciativa foi fazer o “Condomínio Favela”, segundo ele, esta é a origem do portal. A ideia do condomínio visava colocar câmeras e portões nas favelas, o que chamou a atenção das pessoas, mas principalmente da Secretaria de Segurança do Rio, “a praia do Vidigal, onde tinha aquele hotel Sheraton, era uma praia particular! Então, por que aqui a polícia entra e mete o pé na porta, não bate? Puxa, aqui mora gente!”, explica Rumba.

O condomínio favela não deu certo, mas hoje com o avanço da tecnologia é possível colocar uma câmera de celular na mão de cada morador, flagrando toda e qualquer situação de abuso, “graças a Deus, a tecnologia agora está nos auxiliando”, conclui Rumba.

A proposta do Portal Favelas é uma versão amadurecida do condomínio. Ele pretende formar núcleos de comunicação nas periferias, envolvendo tanto lideranças locais quanto os demais moradores. A implantação será através de oficinas que visam explicar o uso de celulares como instrumento de comunicação, tornando os participantes produtores de conteúdo locais.

Rumba Gabriel, criado do Portal Favelas

Ponto de encontro
O Portal Favelas passou a tomar corpo em um encontro de comunicadores populares na universidade Unisuam, em dezembro de 2019. Ao juntar as mais diversas iniciativas de comunicação nas favelas, o portal seria um ponto de convergência para a produção destas experiências, além de ele próprio gerar o seu conteúdo.

Bárbara Nascimento mora no Vidigal e escreve para o Portal Favelas

Bárbara Nascimento é uma das comunicadoras do portal, ela já trabalhava em outra frente de jornalismo independente e buscava pessoas que também atuavam com comunicação nas periferias; foi quando participou da reunião em dezembro. Moradora do Vidigal, Bárbara é formada em letras e leciona. “A gente começou a produzir matérias a respeito das campanhas de ajuda, a respeito de como seria essa pandemia dentro do território periférico. E aí, eu me vi comunicadora de favela, porque até então, eu não era (risos)”, afirma.

Para acontecer, o Portal Favelas tem contado com algumas parcerias, entre elas, o veículo online Brasil 247. “Tem um detalhe importante, esses parceiros que a gente busca no asfalto são imprescindíveis para nós. Não por conta da qualidade deles, mas porque tem que ser uma coisa conjunta. A sociedade é um conjunto de grupos sociais e nós estamos excluídos disso. A gente não está fazendo parte desse grupo, o nosso grupo está fora, é um território abandonado, sem políticas públicas”, afirma Rumba.

A rede de apoiadores e integrantes do Portal Favelas tem crescido; mesmo com pouco tempo de existência, a conexão entre periferias ultrapassa até mesmo as fronteiras estaduais, como na aproximação com comunicadores da favela de Paraisópolis, São Paulo. O contato tem em vista o intercâmbio de conteúdos produzidos.

Cobertura da pandemia
Muitos são os desafios na cobertura jornalística de uma pandemia, “como a gente não tem como sair para averiguar presencialmente muitas coisas, então as informações nos chegam pelos grupos (Whatsapp), e aí, eu vou atrás das fontes”, explica Bárbara. Ela tem reportado a realidade dos moradores do Vidigal e o fato de conhecê-los facilita na hora de procurar alguém que possa informar no momento da apuração.

Por outro lado, ser comunicador popular abre espaço para uma fala que vá ao encontro da linguagem do morador de favela. No áudio abaixo, Bárbara Nascimento relata sobre isso:

Além das dificuldades próprias ao combate do novo coronavírus, há também o problema das operações policiais, que, mesmo no período de quarentena, ainda ocorrem nas favelas. De acordo com Rumba, as favelas enfrentam dois inimigos: “esse inimigo que extermina, os dedos nervosos dos policiais e o vírus da pandemia que é invisível”.

Bárbara cita um caso no Vidigal que exemplifica essa realidade: “o posto médico, em plena pandemia, só abriu uma hora da tarde por conta de operação policial. Então, o que a gente noticia são coisas que não são exclusivas do Vidigal, Alemão, nem da Maré ou Manguinhos, são coisas comuns a todos os territórios periféricos”.

Há também o desafio de mostrar e valorizar as ações solidárias feitas entre os moradores das favelas, de uma forma que não esconda a ausência de direitos e serviços básicos em suas respectivas regiões, que deveriam ser uma responsabilidade do Estado.

“Lógico que a gente tem que falar dessas soluções, mas também tem uma preocupação de não parecer assim: a gente vai sempre solucionar, o Estado pode se ausentar porque a favela está promovendo soluções. E não é bem assim a meu ver! A gente acaba tendo o protagonismo devido à ausência do Estado”, afirma Bárbara.

TV Portal Favela
Por conta da pandemia, muitos artistas periféricos estão sem ter como trabalhar e expor sua arte. Mediante esta necessidade, o Portal Favela vai lançar uma TV em seu site. O evento que vai marcar o início é um sarau virtual, que reunirá apresentações de bandas de rima, slam e diversas outras manifestações culturais.

O sarau é também uma forma de aproximar moradores das favelas que normalmente não teriam oportunidade de um contato, seja por questões de rivalidade entre facções ou por viverem em outros estados. É um projeto que atende o objetivo do portal de colocar as periferias de todos os lados do Brasil para se comunicarem.

Outra possibilidade que a TV Portal Favela oferece é a de apresentar outras pautas que marcam as favelas. “A gente também não vai ficar fazendo o que já está posto aí, colocar a favela novamente como cenário do noticiário de violência. Esse sarau vai mostrar o quão potente seria a favela se não houvesse violência. Aliás, mais potente do que já é!”, comenta Bárbara.

Para Rumba, o portal é um meio de mostrar os saberes favelados: a música, a arte, a culinária, as receitas caseiras, enfim, tudo que possa trazer uma autoestima aos moradores. No áudio abaixo, ele chama os periféricos para uma revolução:

Euro Mascarenhas faz parte da Rede de Comunicadores do NPC