Por Vito Giannotti
A tarefa da esquerda e dos movimentos sociais a ela ligados, no Brasil, é lutar para mudar uma estrutura social secularmente injusta. Os sindicatos estão dentro deste campo de luta. Eles são, mundialmente, há séculos, o principal movimento social organizado da sociedade. Sempre foram vistos como organismos de esquerda, de contestação e mudança. Obviamente, sabemos que na história, em diferentes países do mundo, várias vezes, sindicatos deixaram de cumprir sua missão e passaram a ser órgãos de colaboração de classe e de manutenção do sistema capitalista em vigor. Clássico é o exemplo de boa parte da história do sindicalismo dos EUA.
No Brasil, sabemos, há sindicatos que nasceram e vivem sem nada ter a ver com esquerda. São aparelhos burocráticos-assistencialistas que estão distantes da luta de classe e das próprias lutas imediatas das suas categorias. Estes sindicatos pouco se preocupam com a comunicação com seus trabalhadores. Até a utilizam, mas para informar os descontos, a agenda da colônia de férias, os convênios e o andamento de algumas ações na justiça. Jamais encaram a comunicação como instrumento daquilo que falávamos no primeiro parágrafo: a transformação social.
Por outro lado, há, também, sindicatos que aliam em seus instrumentos de comunicação, a luta pelos interesses imediatos da classe, com a luta pelos interesses históricos.
Para este segundo grupo de sindicatos podemos perguntar: qual o papel da mídia de sindicatos que se colocam no campo da esquerda? Quais os desafios, hoje, da comunicação destes sindicatos? É o mesmo de ontem e será o mesmo amanhã?
Para o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), o desafio continua sendo informar e formar politicamente os trabalhadores para lhes dar instrumentos para lutar melhor por suas reivindicações históricas, isto é uma sociedade sem exploração dos trabalhadores. Não há modismos e invenções modernas a serem feitas. Este desafio só mudará quando os trabalhadores tiverem conseguido ser a força hegemônica na sociedade. Quando tiverem mudado a sociedade capitalista na qual vivem e atuam.
O que deve mudar e o que deve continuar na comunicação dos sindicatos
Claro que as modalidades e as manifestações deste desafio mudam. Há cem anos, quando começou a industrialização no Brasil, o único instrumento de comunicação, além da voz e do contato pessoal, era a imprensa. Daí o grande número de jornais operários, na sua maioria de tendência anarquista, que apareceram naquela época. Se fala em mais de 500 destes jornais.
Depois de 1922, com a criação do Partido Comunista nasceram muitos novos jornais e revistas a serviço da luta e da organização da classe, dentro da nova visão política dos comunistas. O fato mais significativo desta época de ouro da imprensa comunista é representado pelos 8 jornais do Partido que, em 1946, chegaram a existir. Em todas as grandes capitais do país existia um jornal do partido.
Durante os anos de 30 a 60, nos quais foram introduzidos o rádio e depois a televisão, a burguesia sempre cuidou de não permitir que a esquerda possuísse e usasse estes poderosíssimos instrumentos de comunicação de massa.
Até hoje, a imprensa é o grande instrumento de comunicação dos sindicatos. Mas, será que deve continuar sendo assim? No século XXI, há novas técnicas, novas tecnologias e novos veículos de comunicação que precisam ser conquistados pelos trabalhadores e seus sindicatos.
Nos últimos 25 anos, saímos de uma ditadura militar, fizemos milhares de greves, construímos centrais sindicais e partidos de esquerda. Organizamos fortes movimentos sociais, elegemos vereadores, deputados, senadores, governadores e até presidente da República. Mas, não conseguimos construir uma comunicação alternativa capaz de atingir milhões de trabalhadores. Não criamos nosso sistema de mídia. Nosso, dos trabalhadores, da esquerda como um todo.
Uns, nos limitamos a xingar a santíssima trindade da direita, o verdadeiro partido da burguesia representado pela Globo, Folha e Veja. Outros se limitaram a mendigar a simpatia e um espaçozinho desses senhores da mídia nacional, se iludindo que esses inimigos de classe poderiam ficar mansos se nós, também, nos mostrássemos mansos.
Um outro fator que precisa ser analisado é o movimento feito pelos trabalhadores de avanço em suas lutas enquanto no velho mundo, elas iam rapidamente para trás. Talvez este fator tenha dado à esquerda brasileira a ilusão de que ela era mais forte do que realmente era.
Quando o tacape neoliberal se abateu sobre a cabeça dos trabalhadores, retirando empregos e direitos, nos pegou desprevenidos, e não conseguimos enfrentar a forte propaganda ideológica que foi feita. Vide o tratamento dispensado às estatais e aos servidores públicos transformados em responsáveis por todas as mazelas do País.
E não parou mais. Para além dos votos na eleição presidencial, a ideologia dominante mantém sua hegemonia que lhe permite vencer um plebiscito sobre o desarmamento, como um eventual sobre a pena de morte. A visão hegemônica continua associando pobre a bandido e assim se justifica qualquer chacina contra os moradores das periferias. Se justifica até o caveirão, blindado da repressão policial carioca para matar pobres e negros e garantir a continuidade do tráfico. Esta mesma visão hegemônica que, sobretudo, aceita como natural, sem sinais de indignação concreta, a estrutura profundamente injusta desta sociedade com a pior distribuição de riqueza do mundo.
No final do ano de 2006, muito começaram a refletir sobre a grande lição da última eleição presidencial. Sobre a queda das ilusões, para muitos, com a neutralidade e imparcialidade da mídia. Qualquer criança entendeu que Folha, Estadão, Zero Hora, Veja, Isto é O Globo e A Globo têm lado. O lado da classe deles. Todos estes veículos de mídia defendem os transgênicos, a Monsanto, o latifúndio, o modelo econômico exportador e um salário mínimo que continue mínimo. Todos sempre são contra qualquer greve, apóiam a repressão a camelôs e facilmente se esqueceram do escândalo da loja Daslu, onde uma calça gins da Dolce e Gabbana, custa R$ 5.250,00. Todos apóiam o roubo das terras dos índios, todos se descabelam com o caos nas filas dos aeroportos muito mais que com o caos nos hospitais do Rio de Janeiro onde se tropeça, nos corredores, em cadáveres e pessoas ainda vivas.
A lição de 2006 foi muito rica. Muitos a aprenderam. Viram que as classes continuam existindo e a luta de classe continua existindo mais cruel do que nunca. Ela mostra sua cara, seja apoiando o caveirão para manter o controle sobre a classe trabalhadora nas favelas do Rio de Janeiro, seja apoiando o exército invasor de Bush no Iraque.
Qual o papel da mídia sindical nesse quadro?
Logo lembramos da lição de Lênin, em 1901, no longo artigo intitulado “Por onde começar”. Sua lição estava e está clara: “O ponto de partida para a ação, o primeiro ponto para a criação da organização que desejamos (…) deve ser a criação de um jornal para toda a Rússia. Sem ele não será possível realizar o trabalho de propaganda e agitação (…)”. Essa é a lição do líder da primeira revolução proletária do século XX. Mas, esta não é só uma lição comunista. Já no Japão, na década de 1870, quando aquele país começava sua industrialização, a burguesia criou vários jornais. No editorial do Nº 1 de um desses jornais criado em 1875, o Johji Shimbum, há uma frase extremamente esclarecedora da importância que aquela burguesia dava à difusão de suas idéias: “Um partido sem jornal é como um exército sem armas”.
Deixando os exemplos internacionais podemos aprender com nossa história. No Brasil, em 1919, os anarquistas chegaram a criar dois jornais diários: A Plebe, no Rio de Janeiro e A Hora Social, no Recife. Já falamos dos 8 jornais diários do Partido Comunista, em 46. Lembremos a seqüência desta linha do tempo com os
150 jornais da imprensa alternativa dos anos da ditadura. Com o fim desta, a safra destes jornais alternativos parou.
Quem cumpriu o papel de imprensa alternativas de 1980 a 2002 foi a imprensa sindical. A disputa contra-hegemônica, quando foi feita, aconteceu graças á imprensa sindical. E não foi só através dos veículos escritos. Muitos sindicatos começaram experiências bem sucedidas com programas de rádio, de televisão e, ultimamente, através de páginas na internet e boletins eletrônicos.
Na batalha da informação a imprensa sindical teve um papel determinante. Foi nas suas páginas, sobretudo, que se combateu o projeto neoliberal implantado desde o governo Collor. Ela que tentou, e não conseguiu, se opor a avalanche das privatizações e de desmonte dos serviços públicos. Até 2002, a imprensa sindical combateu firmemente a destruição dos direitos pelo projeto neoliberal. Chegou a ter, no país, 6 sindicatos cutistas com jornal diário.
Como sair do impasse de hoje
Hoje, com o governo Lula, no primeiro mandato e mais ainda agora, no segundo, os sindicatos estão frente ao clássico dilema do que fazer com um governo que eles ajudaram, e muito, a eleger e uma situação mundial que empurra este governo, saído dois sindicatos, a aplicar as regras do jogo do Consenso de Washington, isto é do FMI
Sobre qual a política a ter com esse tipo de governo, o lugar desta discussão não é este. Mas, seja qual for a linha adotada, há uma série de atitudes a serem tomadas pára convencer milhares e milhões destas escolhas e aplicar sua política.
Por isso podemos enumerar alguns pontos básicos de atuação dos sindicatos, no domínio da comunicação.
1 – Politizar a pauta dos nossos jornais, boletins eletrônicos ou programas de rádio ou TV. Um jornal voltado para seu próprio umbigo não serve para quase nada. Não faz disputa de hegemonia nenhuma.
2 – Voltar a aumentar o volume, isto é a freqüência dos nossos jornais e programas. Qual a razão de um jornal sindical deixar de ser diário e passar a ser semanal, ou até quinzenal? Certamente não é por problemas econômicos.
3 – Não ficar presos somente ao velho Gutemberg. Ao lado da nossa imprensa é necessário fazer um grande movimento de massas para impor a democratização na distribuição dos canais de rádio e TV. Democratizar as chamadas, ironicamente, de “concessões públicas”, que de público não tem nada. Elas são propriedade absolutamente particulares. Privadíssimas. O ano de 2007 é o ano da renovação destas concessões. Quem disse que a Globo é intocável? Quem disse que a Recordou o SBT são intocáveis? Mas, sabemos que só com milhões de pessoas nas ruas mudaremos este sistema de concessões que se parecem com o velho sistema das sesmarias dadas de graça, pelo rei de Portugal a seus donatários.
4 – Enquanto isso, vamos usar e abusar da Internet: páginas e boletins eletrônicos.
5 – E vamos abrir os olhos para avançar no uso do rádio, sob todas as formas: da rádio comunitária às rádios comerciais. Hoje, que melhor faz isso é o MST, que atinge mais de mil rádios diariamente.
É preciso que toda a esquerda e os sindicatos de esquerda dentro disso, avancem rapidamente, porque o inimigo, vimos a lição, é forte e sabe usar todas as armas.
A luta de classe continua e ela se vence com força organizada e com o convencimento.
Isto é, com força e com uma comunicação que comunique e convença. É isso que nos ensina Gramsci quando nos diz que a hegemonia é o resultado da “coerção e do convencimento”.
É lugar comum dizer que os sindicatos, nestes anos, estão em crise. Com certeza. Mas, para qualquer hipótese, os sindicato
s precisam renovar sua comunicação. Estudar, aperfeiçoar, politizar e aumentar enormemente seu poderio.