Com o objetivo de preservar a memória das lutas populares, principalmente no período da ditadura, o Centro de Pesquisa Vergueiro (CPV) possui um vasto acervo que conta a história dos movimentos sociais e sindicais. Para conhecer melhor a história do CPV, a última edição do Quintas Resistentes (18) recebeu a historiadora Paula Salles e a jornalista Ana Valim.

[Por Euro Mascarenhas/NPC] No início as entrevistadas contaram como surgiu o interesse em se aproximar do centro de pesquisa. Para Ana Valim o contato foi no final de 1979, anteriormente já militava em grupos de comunicação popular, no entanto, em um dado momento de seu percurso ela foi atravessada por uma pergunta: “meu deus, qual é a origem dessa minha trajetória? Por que eu entrei nesses caminhos?”. 

Isto foi a senha para que Ana iniciasse um projeto de mestrado, que resultou no livro Comunicação Popular na Construção e Preservação da Memória das Lutas Populares no Brasil (Décadas de 1970 e 1980). A base para a produção do material foi o acervo do CPV, momento que marcou a aproximação da jornalista com o centro de pesquisa. 

Paula Salles também fez do CPV seu objeto de pesquisa para o mestrado, ela relata que o seu primeiro contato foi na época em que atuava no Projeto Memória (Oposição Sindical Metalúrgica), em São Paulo. Quando a historiadora descobriu o acervo do centro de pesquisa “ficou apaixonada”, “eu disse: nossa! Como não existe uma pesquisa sobre isso?”. 

A princípio Paula nem pensava em seguir os caminhos de pesquisadora, ela se formou em 2001 e tinha uma maior experiência como professora, mas o contato com o CPV fez nascer uma chama para a pesquisa, “quando eu descobri, eu disse: não, aqui está um lugar que precisa ser divulgado. E foi onde eu me engajei”. Deste trabalho de Paula também nasceu um livro: CPV: História, Documentação e Comunicação Popular. 

A origem do CPV

Antes o verdadeiro nome do espaço não era Centro de Pesquisa Vergueiro, mas Centro de Pastoral Vergueiro, que remete a sua origem católica. O ano do nascimento do CPV foi 1973, a partir de uma comunidade dominicana na Zona Sul de São Paulo, liderada pelo Frei italiano Giorgio, descrito por Paula como fanfarrão, “uma pessoa que falava aos quatro ventos contra a ditadura, inclusive tinha participado da resistência armada, tinha sido preso. Ele toma essa iniciativa e tudo vai nesse momento de uma organização mais popular, pela base”, relata a historiadora. 

Segundo Ana Valim, o CPV, assim como outros centros de documentação, nasce do estímulo de diversos estudiosos da comunicação na América Latina, que pesquisavam desde o pensamento da Escola de Frankfurt até um discurso mais radical contra os grandes veículos de comunicação. 

Muitos destes pesquisadores eram exilados políticos, então entre a passagem de um país para outro havia muito intercâmbio de ideias, “os sucessivos golpes faziam com que esse pessoal fosse pra lá e pra cá, e esse grupo de estudiosos, eles começaram a pesquisar as experiências de comunicação na América Latina. E aí, quem é o grande inspirador deles? Paulo Freire, que propõe uma educação e comunicação dialógica, horizontal e participativa. Detona toda e qualquer comunicação tradicional”, relata Ana. 

Desta forma centros de pesquisa como o CPV passam a produzir cartilhas que ajudassem às comunidades de base a produzir comunicação, as entrevistadas do programa mostraram alguns exemplares utilizados ao longo da história, como um manual para entrevista coletiva, manual sobre notícia popular ou uma cartilha que ensinava a fazer jornal mural. Tudo divulgado ou vendido a preços bem populares. 

Para Paula Salles a comunicação é um instrumento de aprendizado coletivo, “serve pra isso, para denunciar, para aprender junto”. Ela salienta o esforço que o CPV fazia de divulgar materiais produzidos por grupos de comunicação popular do país todo, um trabalho que contou com o apoio financeiro de igrejas católicas ligadas à visão da teologia da libertação. 

O CPV se tornou um ambiente aglutinador de muitos perseguidos políticos, “assim como a igreja católica, ele se transformou também em um guarda-chuva. Porque com o desmonte dos movimentos populares e dos partidos políticos de esquerda com o golpe de 64, teve muita gente que ficou à deriva, gente fantástica! Quando aparecem as organizações de base, uma organização feito o CPV, essas pessoas se agregam e dão uma contribuição”, relata Ana. 

A resistência via comunicação popular desempenhou um importante papel para a redemocratização do país, e se o acervo do CPV é rico, isto se deve por ele ter vivido o momento de explosão dos movimentos sociais da década de 1970 e 1980, aglutinando as informações que passam a surgir neste contexto, “ele não é um arquivo tradicional, como um arquivo de uma universidade. Ele é um arquivo que quem frequenta está buscando organização”, afirma Paula. 

Comunicação popular hoje 

Na parte final do programa, enquanto as convidadas respondiam perguntas do público, surgiram muitas reflexões sobre como se dá essa dinâmica das experiências de comunicação popular na atualidade. “Eu acho que uma das lições que a gente tem que aprender é usar essas tecnologias ao nosso favor”, comenta Paula. Ela ressalta que hoje o desafio é ensinar as comunidades de base ou periféricas a realizar um programa via internet, por exemplo. 

Mas independente de todas as facilidades que a era digital proporciona há coisas básicas que não podem ser esquecidas, Ana chamou atenção para um grave erro cometido pela esquerda, que ajudou a culminar no grave momento atual, “a vivência nos grupos de base, nós não temos mais. A gente é um monte de gente se falando por whatsapp, se falando no facebook, mas cadê o espaço físico de debate?”. 

Para a jornalista é muito importante o debate presente nas periferias, pois é ele quem enriquece a ação. 

 Euro Filho é jornalista e faz parte da Rede de Comunicadores Populares do NPC.