Nesta entrevista exclusiva ao Boletim NPC, o professor Reginaldo Moraes, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu), fala do peso dos Estados Unidos na rede de informação e entretenimento do mundo e dos padrões, tanto de formato como de conteúdos, que o país propaga na mídia mundial. Ele aponta que com a venda de produtos como automóveis, alimentos ou roupas, se vende também um jeito de viver. No caso dos produtos culturais isso é potencializado. “Com os bens culturais você vende mais que um jeito de viver, vende valores e ideias”, destaca. Reginaldo Moraes avalia também a postura da mídia nos atentados da maratona de Boston, no mês passado e cometa que ocorreram “curiosamente, em uma ocasião em que estava em discussão o controle da venda de armas, a exigência de documentação para registro de armas de fogo”.
[Boletim NPC] Hoje a mídia é formada por grandes conglomerados de alcance mundial, como Time Warner, Disney, Sony… Qual o peso dos Estados Unidos nessa atividade e que consequências isso tem para a diversidade informativa no mundo?
Os Estados Unidos hoje são os maiores vendedores de serviços do mundo e de serviços de comunicação também. Eles praticamente controlam a distribuição de internet no planeta e vendem mais filmes do que qualquer outro país. Mas além de eles controlarem a internet e a difusão de informação, eles praticamente modelam o formato da mídia dos outros países. Se pensarmos na televisão brasileira, por exemplo, ela importa os tipos de programa. Os jornais brasileiros copiam os formatos dos americanos, suas fontes de informação são as publicações americanas. Além disso, os americanos estão comprando jornais em outros países. O El País não é mais espanhol, é americano porque o Grupo Prisa, ao qual o jornal pertence, é de capital aberto e de propriedade dos americanos. Este grupo possui a editora Santillana, que comprou a editora Moderna e hoje é uma grande vendedora de livros paradidáticos no Brasil. Tudo isso vai construindo uma espécie de rede mundial em que os americanos têm maior peso. Esses grupos como Time Warner etc. produzem a imagem, o conteúdo, compram jornais e jornalistas no mundo inteiro.
[Boletim NPC] E como são conglomerados eles controlam toda a cadeia, produção, distribuição…
E depois acabam criando padrões que são copiados. Essa discussão sobre a diversidade não é deve ser só a respeito da diversidade de conteúdos. É uma diversidade de formatos e o resto vai junto. É mais ou menos como o que TV Globo faz com os sotaques locais. Ela vai padronizando, padronizando… até criar um “padrão Globo” que se sobrepõe ao resto do país. Os Estados Unidos fazem isso no mundo. O que eles fazem na comunicação não é diferente do que eles fazem na indústria do automóvel ou na indústria das roupas, por exemplo. A indústria de comunicação é apenas mais uma das indústrias americanas.
[Boletim NPC] Mas o produto vendido por estes grupos – a informação – não é diferente de outros como roupas e automóveis?
Essa é uma questão delicada, porque quando se vende um automóvel, na verdade você vende um jeito de viver. Vamos comparar, por exemplo, quantos automóveis há nos países europeus, no Japão e nos Estados Unidos. A diferença é brutal. O modo de viver numa cidade europeia é diferente do modo de viver em São Paulo ou numa cidade americana, pois numa grande cidade dos Estados Unidos o automóvel é essencial. Isso não existe numa cidade europeia. Ter automóvel em Paris é uma grande idiotice. Já os japoneses produzem muitos automóveis, mas não compram tanto assim. Então não é só a venda do automóvel, é de um modo de vida. O mesmo acontece com a roupa, a alimentação… Quando se espalha McDonald’s pelo mundo inteiro você não está vendendo só hambúrguer, está vendendo uma filosofia de vida.
No caso dos bens culturais isso é elevado à milésima potência. É diretamente a venda de costumes, de hábitos. Usar calça comprida, nos anos 1950 ou 60, para uma mulher, não era bem visto, assim como fumar em público. Mas o cinema transformou isso numa coisa comum. O hábito de fumar também foi difundido pelo cinema. E todo rapaz queria fumar como os rapazes do cinema fumavam. Com os bens culturais você vende mais que um jeito de viver, vende valores e ideias.
E os americanos foram comprando tudo: radiodifusão, telefonia, editoras… Então, a maior parte dos países tem muita dificuldade em ter resistência à expansão da cultura americana. Além da compra de pacotes de programação prontos, por exemplo, os programas aqui também copiam muito o padrão americano. A Globo talvez um pouco menos, por ser mais antiga e ter muita produção, mas as outras redes fazem uma cópia caricata das TVs de Miami e dos programas americanos em geral.
[Boletim NPC] Como você avalia o papel da mídia estadunidense no caso dos atentados na Maratona de Boston, no mês passado?
É um caso que repete todos os outros anteriores. Toda vez que acontece algo do tipo há uma repercussão na mídia que é muito maior do que o próprio caso. Não sei exatamente o que aconteceu ali, mas se sabe exatamente como atuou a mídia. A cidade inteira foi transformada em um campo militar e a mídia se unificou em torno disso. Parece um pouco com o que aconteceu com a mídia na Guerra do Golfo, um patriotismo cego. A mídia à frente dos tanques. E, curiosamente, em uma ocasião em que estava em discussão o controle da venda de armas, a exigência de documentação para registro de armas de fogo. De repente isso foi atropelado pelo espetáculo da mídia. Não sei se vai ter este efeito mais adiante, mas pode ser que aconteça uma nova onda de xenofobia e de vigilância em cima de “terroristas suspeitos usuais”. Porque a mídia reflete o fato, amplia e cria outro clima. Esse clima reforça a mídia e, dali a pouco você cria um círculo no qual a mídia reforça o público e o público reforça a mídia. Mas nesse caso isso ocorre para dentro do país. Na Guerra do Golfo era para pegar os “Estados bandidos”. No caso de Boston era para ver os bandidos dentro do Estado. E a mídia virou um uníssono.