Para mim, porém, há um que julgo particularmente terrível. É a reafirmação do preconceito contra pobres, negros e moradores das favelas. É a reafirmação da idéia de que estes trabalhadores, pelo fato de serem pobre e morarem em favelas, são bandidos, assaltantes, torturadores ou, no mínimo, ladrões. Todas as matérias televisivas que eu assisti mostram o morro, a favela, como um antro de assassinos. “Pobre é isso mesmo. Todo pobre é isso. Sempre foram assim”. Essa é a conclusão mais lógica a que qualquer criança chegaria ao assistir as longuíssimas reportagens com direito a aplausos e lágrimas, do Jornal Nacional. Como no fim de um espetáculo ou de uma novela. Transformando jornalismo em show. Para entender este mecanismo deve-se ler Showrnalismo (Editora Casa Amarela), de José Arbex Jr.
Vamos às manchetes de alguns jornais
As chamadas dos grandes jornais obedeceram ao mesmo raciocínio . O Estadão de 11/06 traz uma manchete inóqua: “Exército tem plano para ação no Rio desde 88.” Em seguida,o olho: “Militares tem atualizado periodicamente esquema para intervenções, em MORROS”. Está aí o nó da questão: o problema é o morro! E quem mora nos morros? Numa das retrancas do mesmo jornal a resposta aparece e reafirma a visão de quem são os “perigosos”, vejamos: “ este é o caminho mais seguro para a solução do problema da violência. Para o fim dos donos de favelas e morros. Para o fim do crime hediondo”.
É isso. Problema é o morro e a favela. Enfim, os pobres. Desde o século 19, no Brasil, se falava dos pobres como “classes perigosas”.
Uma perguntinha: nos morros do Rio há fábricas de armas? Há plantações de coca ou de maconha? Então, de onde vem tudo isso? Com chega lá em cima? Quem facilita todas essas transaçõesinhas? Quem coordena tudo isso? E em qual avenida da orla moram estes senhores?
Mas nada disso se fala. O que fica para velhos, moços e crianças é que os pobres são criminosos. E todos moram em morros e favelas.
Difundir e fortalece essa idéia é o crime dos crimes. Inafiançável durante décadas e décadas, e mais décadas.
(Vito Giannotti)