Por Henrique Acker

Vito_perfil

Quatro pessoas me influenciaram diretamente na carreira de jornalista. Um deles, sem dúvida, foi o meu querido amigo Vito Gianotti. Muita gente conheceu o Vito, mas eu tive o prazer de conviver com ele.

Foi lá pelos idos do início dos anos 90. Tinha acabado de chegar a São Paulo para trabalhar na CUT Regional SP, uma espécie de CUT da capital, que tinha organização nas diversas áreas da cidade.

O governo Collor já dava sinais de fragilidade, em meio a uma chuva de denúncias. A CUT Nacional, com aquela linha água de flor de laranjeira, não queria radicalizar. Depois do confisco da poupança e de tantas outras presepadas, Collor estava isolado.

Ao contrário da Nacional, a CUT Regional São Paulo adotou uma linha de botar o bloco na rua. Com caminhões de som nas praças, os microfones eram abertos e o povão mandava ver. Vito delirava e a cada semana chegava com a ideia de uma nova edição do jornal, sempre com manchetes em letras garrafais.

Ele me passava a proposta, eu redigia, ele revisava e eu tocava a produção. Chegamos a rodar 100 mil exemplares numa edição. O povo das subsedes ía buscar o material na Praça da Sé, quartel general da campanha do Fora Collor em São Paulo.

Nas horas vagas Vito me chamava para um café no balcão, num bar nas proximidades. Era quando podíamos conversar, trocar impressões sobre aquele momento. E ele repetia: “Peão não tem tempo nem vocabulário para ler coisa complicada. Tem que ser curto e grosso”.

Certo dia me chamou para ir até o Mercado Municipal, no Parque Dom Pedro. É lá que se saboreia o melhor sanduíche de mortadela de São Paulo (o melhor que comi até hoje).

Lembro bem dos debates que precederam o IV Congresso da CUT (1991), quando a maioria do PT impôs seu projeto água com açúcar para a Central. Vito não perdia a oportunidade para denunciar em alto e bom tom, com aquele seu sotaque de carcamano: “O que o Bargas (Osvaldo – ex-diretor da CUT Nacional) propõe é desideologizar a CUT. A CUT tem que ter lado: o lado do trabalhador, caralho!”.

Mais do que trabalhar com ele naquele início da década de 90, foi um imenso prazer conhecer o Vito Gianotti. E eu que pensei que ele ficaria para trás. Certo dia, depois de um tempo de volta ao Rio, dou de cara com aquela figura inconfundível, ladeado pela minha amiga de faculdade, Cláudia Santiago. Estavam felizes, imagem que sempre me passaram.

De lá para cá nos esbarramos na cidade, em debates ou mesmo quando ele aparecia no Programa Boca Livre. Sorrindo, dizia meu nome com aquele sotaque carregado, sempre precedido de um “Porra!”. Aos amigos repetia: “Sou um escritor de pequenos livros”. Uma alcunha modesta para quem dedicou toda a vida ao movimento operário.

Talvez o sonho de uma rede de comunicação que dispute com a mídia patronal no Brasil ainda esteja longe. Mas não se pode dizer que ele não tentou. Foi um incansável batalhador pelas causas populares.

Vito foi o maior agitador contra a grande mídia que conheci, sobretudo quando pegava as primeiras páginas dos jornalões para exemplificar para as plateias: “Isso é o que o patrão quer que vocês repitam”, dizia.

Vito tinha luz própria. Para mim foi o exemplo mais comovente de que quando um operário adquire consciência de classe é capaz de remover qualquer obstáculo em sua luta. Quem como eu teve o prazer de conviver um pouco com o Vito não esquece a sua imagem iluminada.