Morte do menino Jesus foi “erro” ou crime? – Foto Fábio Gonçalves/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
[Por Mário Magalhães-06.05.2015] Os fatos não deixam de ser o que foram. Mas ao não serem chamados pelo nome devido, passam a ser palatáveis ou adquirem natureza distinta. É o que se busca ao lançar mão de eufemismos e palavras espertas que fraudam ou manipulam a realidade.
O blog selecionou 16 exemplos, de uma lista infindável:
1) Arrocho x “ajuste”: tiram direitos dos mais pobres, tornam mais difícil ainda a vida de quem pouco tem, aviltam as condições dos trabalhadores, mas jamais afirmam que estão arrochando. Promovem “ajustes”. Nas empresas, demissão também virou “ajuste”.
2) Massacre x “confronto”: um lado tem armas, instrumentos e animais preparados para reprimir, ferir e matar. Outro, no máximo, paus e pedras. Em um córner, quase nenhum ferido. Do outro, centenas. Evidente massacre, que costumam mascarar falando em choque entre iguais, o tal “confronto”.
3) Crime x “erro”: mate com tiro de fuzil uma criança de dez anos desarmada. O comandante não chamará o assassinato de crime, mas de “erro”. Crime exige punição. “Erro”, não necessariamente.
4) Privatização x “concessão”: entregue estradas, aeroportos, estádios, transportes, comunicações, petróleo, minério, todos antigos patrimônios públicos, para mãos privadas. Tome o cuidado de não pronunciar privatização, porque pega mal. Trata-se, enrole, de “concessão”.
5) Falta d’água x “crise hídrica”: a velha falta d’água, muitas vezes consequência tanto de pouca generosidade dos céus quanto de inépcia de gestão, deixa de existir com a tirada pomposa “crise hídrica”.
6) Endividado x “negativado”: o cidadão deve até as cuecas, está atolado em dívidas, mas fica mais simpático aliciá-lo com o palavrão “negativado”.
7) Ditadura x “regime autoritário”: certo pessoal não consegue falar e escrever as quatro sílabas da palavra ditadura. Apega-se a “regime autoritário”, sistema muito menos grave. Uma ditadura sempre será um regime autoritário, mas nem todo regime autoritário é uma ditadura.
8) Levar um banho de bola x “apagão”: seu time sofre uma goleada humilhante de 7 a 1, é dominado em quase todo o jogo, mas você e seus chapas falam de um “apagão”, coisa momentânea, que não pode ser tomada pelo todo.
9) Genocídio x “guerra”: um lado sai sem um soldado ao menos arranhado. Na outra trincheira, quando há trincheira, mil mortos, centenas dos quais crianças e anciãos. Os genocidas dizem que foram à guerra, pois uma regra elementar dos autores de genocídio é extirpar essa palavra do vocabulário e dizer que estão se defendendo.
10) Apartamento de fundos x “apartamento no lado silencioso”: grande sacada marqueteira dos corretores de imóveis. Na maioria dos casos, apartamentos de frente valem mais. Ao alardear o “lado silencioso”, nos fundos, transforma-se uma desvantagem em trunfo.
11) Fechar x “descontinuar”: não há mais jornais, cadernos e revistas fechando. Agora, passam a ser “descontinuados”. A realidade é a mesma, dura, as publicações param de circular. Mas soa menos triste, o revés perde essa condição.
12) Frango x “infelicidade do goleiro”: se o goleiro é amigo, foi infeliz ao deixar o chute do meio do campo passar entre as pernas. Se não é, tomou um frango _e tomou mesmo.
13) Tortura x “método não ortodoxo de interrogatório”: o desespero _com afogamento, choques, pau-de-arara_ é igual, nomeando-o como tortura ou não. Tortura é tortura. “Método não ortodoxo de interrogatório” também é tortura, mas ajuda a ocultar o ritual vergonhoso e a escapar dos tribunais.
14) Agressão x “excessos”: a tropa agride indefesos, e, na forma da lei, seus integrantes merecem ser investigados, processados e julgados. Mas a agressão, mesmo com feridos graves ou mortos, aparenta não ser o que foi quando os chefes lamentam os “excessos”.
15) Feio x “simpático”: essa é batata. “Fulano é bonito?”, alguém pergunta. “Muito simpático”, ouve como resposta. Está entendido: é feio _ou feia.
16) Carros usados x “seminovos”: outra expressão de criatividade nas vendas. “Seminovo” parece mais bacana que usado.