Por Camila Araújo
Nesta quarta-feira (05/11), o primeiro dia do 20º curso de comunicação popular do NPC debateu o tema “Comunicação, cultura e disputa de hegemonia” na sociedade brasileira. Na abertura, Vito Giannotti, coordenador do NPC, iniciou a rodada de palestras com uma reflexão sobre as motivações do curso. Em 20 anos de existência do Núcleo Piratininga, ele analisa a comunicação como um grande instrumento que garante a hegemonia política, cultural e econômica à elite e ressalta a importância de se disputar por uma mídia voltada para a realidade e os interesses dos trabalhadores.
A mesa “Comunicação e cultura das classes populares”, que deu início ao curso, contou com os seguintes convidados: Ademar Bogo, escritor e dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); Adelaide Gonçalves, professora de história da Universidade Federal do Ceará (UFCE); Anápuáka Muniz Tupinambá Hã-Hã-Hãe, fundador da Rede Cultura Digital Indígena; Adenilde Petrina, comunicadora popular e militante do Movimento Negro.
O dirigente do MST, Ademar Bogo, destacou a importância da educação para a liberdade do trabalhador como ser humano, já que a cultura é um mecanismo de construção da consciência de classe. Para ele, a escola precisa estar integrada à vida e à realidade do meio em que ele (o camponês) atua. Também deu relevância ao direito à cidade e explicou como a tecnologia utilizada pelo agronegócio vem excluindo os camponeses do trabalho. “Esse modelo de cultivo substitui as mãos pelas máquinas e faz o campo ficar vazio, deixando de reproduzir aspectos culturais”, alertou. Ademar deixa claro que um dos desafios é motivar a participação e fraternidade entre os camponeses para combater o individualismo e não deixar que a tendência do isolamento se transforme em cultura.
Fazer jornais no meio operário é uma prática antiga que se manifesta de diversas formas, como cartuns, cartazes, revistas e panfletos. Adelaide Gonçalves causou emoção ao ressaltar a necessidade de manter o espírito militante para a formação da consciência de classe dos trabalhadores, através do autodidatismo, do ensino mútuo e fraternidade entre os companheiros. Ela usou como exemplo os operários das fábricas do século XlX, em que a cada dia, um dos trabalhadores parava o que estava fazendo e lia para o restante do grupo. Segundo ela, naquela época já se cultivava a literatura social e a poesia operária. A professora clamou a urgência de se resgatar a cultura intelectual do trabalhador. “Para examinar a história da imprensa e da comunicação, é preciso recuperar as memórias trabalhadoras”, explica.
Luta e resistência
Resistir é viver, na luta. Prova disso é Anápuáka Muniz Tupinambá Hã-Hã-Hãe, fundador da Rede Cultura Digital Indígena. Ele iniciou sua intervenção balançando seu chocalho por cerca de dez segundos – tempo suficiente para intrigar e arrepiar os participantes do curso. Aproximadamente 33% da população brasileira são descendentes de povos indígenas, inclusive, parte considerável do publico do auditório. “Havia mais de 300 etnias. De 1982 até hoje, perdemos 30 ou 40 lideranças indígenas indiretamente. Posso dizer que morre um indígena em um canto desse país, todos os dias. Todos os planos de destruir os povos indígenas são praticados todos os dias. Como viver num país em que a morte de indígenas é institucionalizada?”, questionou.
Anápuáka afirmou que é através da comunicação que se pode avançar na luta por espaço na sociedade. Citou o caso da campanha em defesa dos Guarani Kaiowá como um exemplo das grandes possibilidades que a internet trouxe e lembrou que o meio pode auxiliar no avanço nas políticas públicas.
De acordo com Anápuáka, a comunicação dos indígenas começa em 1970 com Conacri, mas só a partir dos anos 1980 passam a se construir formas de comunicação em jornais, parecidos com os dos sindicatos. A narrativa, no entanto, era diferente. Sua principal característica é a questão da cultura, que se define pela etnicidade. “Nós costumamos chamar de etnomídia construída por um povo, com cultura. Cada etnia tem habilidade de trabalhar sua cultura”, acrescenta.
Adenilde Petrina, comunicadora popular e militante do Movimento Negro, deu um show de incentivo e coragem para não desistir da utopia. Segundo ela, a periferia hoje em dia é o quarto de despejo da cidade: é onde estão as coisas desimportantes, que ninguém mais quer. Sobre educação Adenilde afirmou ainda que tanto a escola pública quanto a particular servem para nos adestrar. “Enquanto o patrão estuda pra mandar, a gente estuda pra atender aos interesses econômicos da burguesia”, criticou.
A cultura do hip hop e do rap popular são formas de resistir às formas de cultura que a mídia impõe. “O que a utopia tem a ver com a cultura popular? Estamos em uma era em que o sonho e a esperança foram afastados do nosso mundo”, reflete. Para Adenilde, esse afastamento da utopia transforma o mundo em algo pior. “Isso é culpa do pós-modernismo. O que isso significa? Uma evasão da utopia, ela foi varrida do mundo, da sociedade. O que a gente faz? Observa muito. Ninguém espera mais do mundo, a não ser consumir”, lamenta.
Ela tocou nos corações dos participantes ao afirmar que a esperança se perdeu entre as pessoas. Ao mesmo tempo, argumentou que não se pode deixar o comércio tomar conta. “A solidariedade não tem mais espaço pra existir na sociedade de hoje. Os poderosos do mundo trataram de acabar com os sinais da esperança. Eles aparecem como rumores”, avalia.
A esperança vem do RAP popular
O grupo Coletivo Vozes da Rua e Capoeiristas de Juiz de Fora encerrou a primeira mesa com a apresentação de improvisos musicais dos meninos que acompanharam Adenilde Petrina. Lotadas de críticas e questionamentos sociais, as letras retratam um pouco da realidade da favela e como a cultura interferiu no processo de consciência social e política dos rappers.