[Por Luisa Souto] Em 2024 completam-se 60 anos do Golpe de 1964, quando os militares, apoiados por entidades civis e grupos empresariais, depuseram o então presidente João Goulart e ocuparam os espaços de poder por meio da força e ali permaneceram por 21 anos.

Pesquisas feitas pelo Ibope às vésperas do Golpe Militar, e doadas à Unicamp em 2012, mostram que o presidente João Goulart contava com amplo apoio popular e o índice de aprovação do seu governo era de 70%. Mas esses dados não foram revelados à época para não atrapalhar a falsa narrativa difundida pelos militares.

É importante lembrar, e tentamos mostrar nas próximas páginas, que nada aconteceu de um dia para o outro. A verdade é que 10 anos antes, no final do governo de Getúlio Vargas, algumas forças já se movimentavam nesse sentido. E em 1961, quando Jânio Quadros renuncia à presidência, uma nova tentativa de ataque à democracia viria a acontecer: dessa vez impedida pela chamada Rede da Legalidade, capitaneada por Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, e que conseguiu garantir a posse de Jango. Brizola mobilizou a Brigada Militar, entrincheirou-se no Palácio Piratini, requisitou a rádio Guaíba e deu começo à resistência.

Em 1964, no entanto, o Golpe aconteceu. E não foi só militar. Houve uma intensa participação de empresários e da mídia, cuja maioria apoiou a ação dos militares, que contou também com a intervenção de estruturas de poder de outros países, como os Estados Unidos, conforme comprovam documentos revelados 50 anos depois.

O que se seguiu foram perseguições, prisões, torturas. Partidos políticos e dirigentes sindicais cassados, direitos políticos suspensos, movimentos sociais reprimidos. De acordo com balanço da Comissão da Verdade apresentado em 21 de junho de 2013, as torturas a opositores do regime começaram ainda no primeiro ano, antes que os grupos de esquerda adotassem a luta armada.
Ato institucional após Ato Institucional, qualquer resquício de democracia era varrido da nossa conjuntura.

Mas houve resistência.

Resistiram sindicatos e trabalhadores que organizaram dezenas de greves e mobilizaram milhares de pessoas. Resistiram estudantes que foram às ruas em grandes passeatas e enfrentaram a repressão da polícia. Os artistas, que mesmo perseguidos pela censura, seguiram fazendo de suas obras formas de denúncia e espaços de esperança. Também os guerrilheiros, que foram para o interior do Brasil organizar sua luta junto às populações locais. E os religiosos que tinham compromisso real com o povo e a democracia.

Foram 21 duríssimos anos que felizmente, e apesar da dor e das marcas da violência militar, chegaram ao fim — ao menos oficialmente. Voltamos à democracia, vivemos eleições diretas, fizemos uma nova Carta Constitucional, definimos nossos direitos e nos re-organizamos para lutar por eles. Caminhamos um bocado e elegemos para presidência da república dois ex-presos políticos: Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

É bem verdade que as sequelas daquele período se sustentam em nossa realidade. Seja por meio das polícias militares que atuam conforme sua lei e ordem nas favelas e territórios periféricos, fazendo com que a vida da população mais pobre aconteça sob um outro tipo de ditadura; seja por meio daqueles que vivem saudosos da longa noite que durou 21 anos e que nos últimos anos voltaram a nos atormentar e ameaçar de maneira mais forte.

Mas mais uma vez, eles passaram. E nós, passarinho!

Seguimos na luta para que não se esqueça e nunca mais aconteça. Seguimos como quem grita unindo vozes com companheiros e companheiras de ontem e de hoje: ditadura nunca mais!

Luisa Souto*
1º de novembro de 2023

*Texto de apresentação do Livro-Agenda NPC 2024. Luisa Souto é membro da Rede de Comunicadores e Comunicadoras do NPC, doutora em Ciências Sociais pela PUC-Rio e pela UCLouvain